Dando continuidade ao meu projeto de tradução para o português dos poemas compostos em inglês de Fernando Pessoa (1888-1935) segue abaixo a  tradução do poema "Inscriptions",  escrito em Lisboa, em 1920.. Por ser um poema mais longo, não o apresentarei na forma bilíngue, conforme fiz com os “35 Sonnets” e “Epithalamium.”

               Remeto, contudo, o leitor interessado à Obra Poética do grande bardo português. Ver PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único.Organização, Introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro, RJ.: Editora Nova Aguilar S.A., 1977, p. 609-611.

 

 




                                  INCRIÇÕES





                                      I



Somos travessia e sonho. Sorriso da Terra. Virtude rara.

Em nossa felicidade consciente influem a idade, o dever, os deuses

Esperai pelo melhor e preparai-vos para o pior.

Disto fala aquele conjunto de sabedoria calculada

                                      II



Os poderosos destinos me deram Cloe, uma donzela,

Que pra elas, as sombras povoadas, nada significou.

Essa a vontade dos deuses. Duas vezes sete foram meus anos apenas.

Esquecido estou em minhas distantes solidões.



                                   III



Na colina da minha aldeia por longo tempo olho

Para a murmúrio citadino.

Um dia, então, retirei (a vista da vida doentia, esperança malograda
Da cabeça o manto

Um gesto simples é algo valioso)

Como se fora uma asa solta.


                                   IV



Nem Crecops das minhas abelhas cuidou.

Minhas oliveiras produziram azeite como o sol. Meus vários rebanhos, distantes, baliam.

O viajante, respirando, à minha porta repousava

Ainda cheira a terra molhada; minhas narinas mortas estão.


                                   V



Vitorioso sou. Bárbaros distantes de mim notícias têm.

No meu jogo os homens não passam de dados.

Na verdade, contudo, do meu próprio risco, pouco me sobrou.

Dados lancei. O Destino, é a soma.



                                VI



Tanto quanto possível alguns amados foram, outros, premiados.

Para um homem nutrido.uma esposa natural, minha companheira,

Suficiente fui pra quem suficiente pareci.

Sem um destino, mudei, dormi, suportei e envelheci .



                              VII



O prazer de lado ponho como uma taça alienígena

Austero, separado, independente, olho para onde os deuses  se encontram.

Por detrás de mim, ocultou-se a sombra comum.

Sonhando não estar dormindo, meu sonho dormi.



                          VIII



Após decorridos apenas cinco anos, morri também.

A morte veio e levou a criança que ele encontrou.

Nenhum deus a poupou, ou o destino disso sorria, mãos

Tão pequena, tão pouco seguravam-se ao redor.



                              IX



Há silêncio onde uma pequena cidade envelhecera.

Cresce a relva onde memória alguma jaz na terra.

Nós, que com bulha, jantávamos, somos areia. A história acabou.

Emudeceram os afastados cascos. Apagou-se .a última luz da estalagem.



                              X



Nós dois , que aqui jazemos, amamos.Somos o esquecimento.

Com a ausência do seio dela minha perdida mão se esfarela

O amor é evidente. Cada amante é um anônimo.

Nós ambos leais nos sentimos. Beijar, era isso que fazíamos.



                            XI



Pela saudade de minha cidade, longe lutei e caí.

Não poderia dizer

O que, de fato, desejava ela, sabendo que me queria.

Que suas muralhas se libertem,

Que seu discurso se mantenha tal como falei. Os homens morrem.

Que ela não morra, como eu.



                           XII



A vida em nós viveu, não nós na vida. Enquanto as abelhas absorvem,

Olhamos, conversamos e possuímos. Como nós, crescem as árvores

Amamos os deuses apenas quando um navio avistamos.

Nunca cientes estamos de estarmos cientes. Passamos.



                         XIII



Findo é o trabalho. Guardaram o martelo.

Os artesãos, que edificaram a preguiçosa cidadezinha,

Substituídos foram por aqueles que ainda a constroem.

Tudo isso é algo a que falta alguma coisa ainda oculta.

Carece de sentido o pensamento completo,

Porém, junto à muralha do Tempo, jaz como um esvaziado cântaro



                       XIV



Isto, que me cobre, outrora pra mim tinha o céu azul.

Este solo, em que antes pisei, me esmaga. A minha mão

Pôs estas inscrições aqui, sabendo pela metade seu motivo.

Finalmente, a visão total, a multidão transitória.



                                                                                            (Trad. de Cunha e Silva Filho)







                 



 

                 Dando continuidade ao meu projeto de tradução para o português dos poemas compostos em inglês de Fernando Pessoa (1888-1935) segue abaixo a  tradução do poema "Inscriptions",  escrito em Lisboa, em 1920.. Por ser um poema mais longo, não o apresentarei na forma bilíngue, conforme fiz com os “35 Sonnets” e “Epithalamium.”

               Remeto, contudo, o leitor interessado à Obra Poética do grande bardo português. Ver PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único.Organização, Introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro, RJ.: Editora Nova Aguilar S.A., 1977, p. 609-611.

 

 




                                  INCRIÇÕES





                                      I



Somos travessia e sonho. Sorriso da Terra. Virtude rara.

Em nossa felicidade consciente influem a idade, o dever, os deuses

Esperai pelo melhor e preparai-vos para o pior.

Disto fala aquele conjunto de sabedoria calculada

                                      II



Os poderosos destinos me deram Cloe, uma donzela,

Que pra elas, as sombras povoadas, nada significou.

Essa a vontade dos deuses. Duas vezes sete foram meus anos apenas.

Esquecido estou em minhas distantes solidões.



                                   III



Na colina da minha aldeia por longo tempo olho

Para a murmúrio citadino.

Um dia, então, retirei (a vista da vida doentia, esperança malograda
Da cabeça o manto

Um gesto simples é algo valioso)

Como se fora uma asa solta.


                                   IV



Nem Crecops das minhas abelhas cuidou.

Minhas oliveiras produziram azeite como o sol. Meus vários rebanhos, distantes, baliam.

O viajante, respirando, à minha porta repousava

Ainda cheira a terra molhada; minhas narinas mortas estão.


                                   V



Vitorioso sou. Bárbaros distantes de mim notícias têm.

No meu jogo os homens não passam de dados.

Na verdade, contudo, do meu próprio risco, pouco me sobrou.

Dados lancei. O Destino, é a soma.



                                VI



Tanto quanto possível alguns amados foram, outros, premiados.

Para um homem nutrido.uma esposa natural, minha companheira,

Suficiente fui pra quem suficiente pareci.

Sem um destino, mudei, dormi, suportei e envelheci .



                              VII



O prazer de lado ponho como uma taça alienígena

Austero, separado, independente, olho para onde os deuses  se encontram.

Por detrás de mim, ocultou-se a sombra comum.

Sonhando não estar dormindo, meu sonho dormi.



                          VIII



Após decorridos apenas cinco anos, morri também.

A morte veio e levou a criança que ele encontrou.

Nenhum deus a poupou, ou o destino disso sorria, mãos

Tão pequena, tão pouco seguravam-se ao redor.



                              IX



Há silêncio onde uma pequena cidade envelhecera.

Cresce a relva onde memória alguma jaz na terra.

Nós, que com bulha, jantávamos, somos areia. A história acabou.

Emudeceram os afastados cascos. Apagou-se .a última luz da estalagem.



                              X



Nós dois , que aqui jazemos, amamos.Somos o esquecimento.

Com a ausência do seio dela minha perdida mão se esfarela

O amor é evidente. Cada amante é um anônimo.

Nós ambos leais nos sentimos. Beijar, era isso que fazíamos.



                            XI



Pela saudade de minha cidade, longe lutei e caí.

Não poderia dizer

O que, de fato, desejava ela, sabendo que me queria.

Que suas muralhas se libertem,

Que seu discurso se mantenha tal como falei. Os homens morrem.

Que ela não morra, como eu.



                           XII



A vida em nós viveu, não nós na vida. Enquanto as abelhas absorvem,

Olhamos, conversamos e possuímos. Como nós, crescem as árvores

Amamos os deuses apenas quando um navio avistamos.

Nunca cientes estamos de estarmos cientes. Passamos.



                         XIII



Findo é o trabalho. Guardaram o martelo.

Os artesãos, que edificaram a preguiçosa cidadezinha,

Substituídos foram por aqueles que ainda a constroem.

Tudo isso é algo a que falta alguma coisa ainda oculta.

Carece de sentido o pensamento completo,

Porém, junto à muralha do Tempo, jaz como um esvaziado cântaro



                       XIV



Isto, que me cobre, outrora pra mim tinha o céu azul.

Este solo, em que antes pisei, me esmaga. A minha mão

Pôs estas inscrições aqui, sabendo pela metade seu motivo.

Finalmente, a visão total, a multidão transitória.



                                                                                            (Trad. de Cunha e Silva Filho)