Tradução do poema "Inscriptions". de Fernando Pessoa (1888-1935)
Por Cunha e Silva Filho Em: 08/09/2021, às 10H53
Dando continuidade ao meu projeto de tradução para o português dos poemas compostos em inglês de Fernando Pessoa (1888-1935) segue abaixo a tradução do poema "Inscriptions", escrito em Lisboa, em 1920.. Por ser um poema mais longo, não o apresentarei na forma bilíngue, conforme fiz com os “35 Sonnets” e “Epithalamium.”
Remeto, contudo, o leitor interessado à Obra Poética do grande bardo português. Ver PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único.Organização, Introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro, RJ.: Editora Nova Aguilar S.A., 1977, p. 609-611.
INCRIÇÕES
I
Somos travessia e sonho. Sorriso da Terra. Virtude rara.
Em nossa felicidade consciente influem a idade, o dever, os deuses
Esperai pelo melhor e preparai-vos para o pior.
Disto fala aquele conjunto de sabedoria calculada
II
Os poderosos destinos me deram Cloe, uma donzela,
Que pra elas, as sombras povoadas, nada significou.
Essa a vontade dos deuses. Duas vezes sete foram meus anos apenas.
Esquecido estou em minhas distantes solidões.
III
Na colina da minha aldeia por longo tempo olho
Para a murmúrio citadino.
Um dia, então, retirei (a vista da vida doentia, esperança malograda
Da cabeça o manto
Um gesto simples é algo valioso)
Como se fora uma asa solta.
IV
Nem Crecops das minhas abelhas cuidou.
Minhas oliveiras produziram azeite como o sol. Meus vários rebanhos, distantes, baliam.
O viajante, respirando, à minha porta repousava
Ainda cheira a terra molhada; minhas narinas mortas estão.
V
Vitorioso sou. Bárbaros distantes de mim notícias têm.
No meu jogo os homens não passam de dados.
Na verdade, contudo, do meu próprio risco, pouco me sobrou.
Dados lancei. O Destino, é a soma.
VI
Tanto quanto possível alguns amados foram, outros, premiados.
Para um homem nutrido.uma esposa natural, minha companheira,
Suficiente fui pra quem suficiente pareci.
Sem um destino, mudei, dormi, suportei e envelheci .
VII
O prazer de lado ponho como uma taça alienígena
Austero, separado, independente, olho para onde os deuses se encontram.
Por detrás de mim, ocultou-se a sombra comum.
Sonhando não estar dormindo, meu sonho dormi.
VIII
Após decorridos apenas cinco anos, morri também.
A morte veio e levou a criança que ele encontrou.
Nenhum deus a poupou, ou o destino disso sorria, mãos
Tão pequena, tão pouco seguravam-se ao redor.
IX
Há silêncio onde uma pequena cidade envelhecera.
Cresce a relva onde memória alguma jaz na terra.
Nós, que com bulha, jantávamos, somos areia. A história acabou.
Emudeceram os afastados cascos. Apagou-se .a última luz da estalagem.
X
Nós dois , que aqui jazemos, amamos.Somos o esquecimento.
Com a ausência do seio dela minha perdida mão se esfarela
O amor é evidente. Cada amante é um anônimo.
Nós ambos leais nos sentimos. Beijar, era isso que fazíamos.
XI
Pela saudade de minha cidade, longe lutei e caí.
Não poderia dizer
O que, de fato, desejava ela, sabendo que me queria.
Que suas muralhas se libertem,
Que seu discurso se mantenha tal como falei. Os homens morrem.
Que ela não morra, como eu.
XII
A vida em nós viveu, não nós na vida. Enquanto as abelhas absorvem,
Olhamos, conversamos e possuímos. Como nós, crescem as árvores
Amamos os deuses apenas quando um navio avistamos.
Nunca cientes estamos de estarmos cientes. Passamos.
XIII
Findo é o trabalho. Guardaram o martelo.
Os artesãos, que edificaram a preguiçosa cidadezinha,
Substituídos foram por aqueles que ainda a constroem.
Tudo isso é algo a que falta alguma coisa ainda oculta.
Carece de sentido o pensamento completo,
Porém, junto à muralha do Tempo, jaz como um esvaziado cântaro
XIV
Isto, que me cobre, outrora pra mim tinha o céu azul.
Este solo, em que antes pisei, me esmaga. A minha mão
Pôs estas inscrições aqui, sabendo pela metade seu motivo.
Finalmente, a visão total, a multidão transitória.
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
Dando continuidade ao meu projeto de tradução para o português dos poemas compostos em inglês de Fernando Pessoa (1888-1935) segue abaixo a tradução do poema "Inscriptions", escrito em Lisboa, em 1920.. Por ser um poema mais longo, não o apresentarei na forma bilíngue, conforme fiz com os “35 Sonnets” e “Epithalamium.”
Remeto, contudo, o leitor interessado à Obra Poética do grande bardo português. Ver PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único.Organização, Introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro, RJ.: Editora Nova Aguilar S.A., 1977, p. 609-611.
INCRIÇÕES
I
Somos travessia e sonho. Sorriso da Terra. Virtude rara.
Em nossa felicidade consciente influem a idade, o dever, os deuses
Esperai pelo melhor e preparai-vos para o pior.
Disto fala aquele conjunto de sabedoria calculada
II
Os poderosos destinos me deram Cloe, uma donzela,
Que pra elas, as sombras povoadas, nada significou.
Essa a vontade dos deuses. Duas vezes sete foram meus anos apenas.
Esquecido estou em minhas distantes solidões.
III
Na colina da minha aldeia por longo tempo olho
Para a murmúrio citadino.
Um dia, então, retirei (a vista da vida doentia, esperança malograda
Da cabeça o manto
Um gesto simples é algo valioso)
Como se fora uma asa solta.
IV
Nem Crecops das minhas abelhas cuidou.
Minhas oliveiras produziram azeite como o sol. Meus vários rebanhos, distantes, baliam.
O viajante, respirando, à minha porta repousava
Ainda cheira a terra molhada; minhas narinas mortas estão.
V
Vitorioso sou. Bárbaros distantes de mim notícias têm.
No meu jogo os homens não passam de dados.
Na verdade, contudo, do meu próprio risco, pouco me sobrou.
Dados lancei. O Destino, é a soma.
VI
Tanto quanto possível alguns amados foram, outros, premiados.
Para um homem nutrido.uma esposa natural, minha companheira,
Suficiente fui pra quem suficiente pareci.
Sem um destino, mudei, dormi, suportei e envelheci .
VII
O prazer de lado ponho como uma taça alienígena
Austero, separado, independente, olho para onde os deuses se encontram.
Por detrás de mim, ocultou-se a sombra comum.
Sonhando não estar dormindo, meu sonho dormi.
VIII
Após decorridos apenas cinco anos, morri também.
A morte veio e levou a criança que ele encontrou.
Nenhum deus a poupou, ou o destino disso sorria, mãos
Tão pequena, tão pouco seguravam-se ao redor.
IX
Há silêncio onde uma pequena cidade envelhecera.
Cresce a relva onde memória alguma jaz na terra.
Nós, que com bulha, jantávamos, somos areia. A história acabou.
Emudeceram os afastados cascos. Apagou-se .a última luz da estalagem.
X
Nós dois , que aqui jazemos, amamos.Somos o esquecimento.
Com a ausência do seio dela minha perdida mão se esfarela
O amor é evidente. Cada amante é um anônimo.
Nós ambos leais nos sentimos. Beijar, era isso que fazíamos.
XI
Pela saudade de minha cidade, longe lutei e caí.
Não poderia dizer
O que, de fato, desejava ela, sabendo que me queria.
Que suas muralhas se libertem,
Que seu discurso se mantenha tal como falei. Os homens morrem.
Que ela não morra, como eu.
XII
A vida em nós viveu, não nós na vida. Enquanto as abelhas absorvem,
Olhamos, conversamos e possuímos. Como nós, crescem as árvores
Amamos os deuses apenas quando um navio avistamos.
Nunca cientes estamos de estarmos cientes. Passamos.
XIII
Findo é o trabalho. Guardaram o martelo.
Os artesãos, que edificaram a preguiçosa cidadezinha,
Substituídos foram por aqueles que ainda a constroem.
Tudo isso é algo a que falta alguma coisa ainda oculta.
Carece de sentido o pensamento completo,
Porém, junto à muralha do Tempo, jaz como um esvaziado cântaro
XIV
Isto, que me cobre, outrora pra mim tinha o céu azul.
Este solo, em que antes pisei, me esmaga. A minha mão
Pôs estas inscrições aqui, sabendo pela metade seu motivo.
Finalmente, a visão total, a multidão transitória.
(Trad. de Cunha e Silva Filho)