(Miguel Carqueija)
 

Uma visão apavorante daquilo a que poderão nos levar os shows realistas:

TODOS OS OLHOS DO MUNDO

 


     Everton Azevedo Freire seguia preocupado pela Grande Avenida 7, a caminho da Torre Institucional. Os batedores seguiam à frente e atrás com suas motocicletas levitadoras, garantindo a abertura do tráfego. Everton olhava distraidamente para as esferas flutuantes que derivavam ao longo de toda a avenida, observando e registrando a tudo e a todos. De vez em quando ele desviava o olhar para o seu motorista, o velho e bom Aguiar, que tinha a inocência dos servidores antigos, afeiçoados e leais e que nem sonhava em se imiscuir nos assuntos pertinentes ao cargo e às obrigações do seu patrão.  
     Como Grande Chanceler do Brasil, Everton exercia na prática, naquele ano de 2394, o poder máximo global, pois em toda a Confederação das Nações não restava mais nenhuma potência comparável à brasileira. Everton sabia disso e sabia igualmente que o seu gesto, uma vez concretizado, poderia reduzir a borralhos toda aquela hegemonia conseguida a duras penas durante as últimas gerações, quando o Brasil conseguira superar até mesmo a poderosíssima Nova Zelândia.
     “Paciência”, filosofou ele. “A consciência leve vale mais que todo o poder político do mundo.” E seguiu adiante.
     Saltou no parque de estacionamento em frente à imensa torre, que àquela hora via-se envolvida por verdadeira nuvem de globos volantes de cor predominantemente sépia. Protegeu, com a mão direita espalmada, os olhos da luz solar que descia em direção ao crepúsculo, enquanto alguns suportes de pedestres se aproximavam volitando. Escolheu um deles e fez sinal ao robô-guardião para fazer o mesmo.
     — Pode me aguardar, Zeca — disse, dirigindo-se ao motorista pelo seu prosaico apelido. Então, junto com o robô-guardião, dirigiu-se ao átrio que dava acesso à torre. Os suportes, movidos por maravilhosos equipamentos de nanotecnologia, voavam suavemente comandados pelo simples apontar dos dedos do humano e do autômato.
     Os guardas cibernéticos da entrada da torre fizeram a continência e o Tenente Izgur observou:
     — Senhor, não deseja uma escolta?
      — Obrigado, não há necessidade. Basta o Astor aqui comigo.
     Uma vez lá dentro Everton seguiu pelos longos corredores e subiu as escadarias. Os olhos voadores eram mais escassos, mas lá estavam esvoaçando e observando o serviço dos robôs de manutenção. Everton sentia as batidas aceleradas de seu coração. Felizmente, os pouquíssimos seres humanos autorizados a penetrar no resguardadíssimo reduto não se encontravam àquela hora, e as máquinas são menos desconfiadas. Graças a Asimov, talvez fosse possível obter sucesso.
     Para alguma coisa tinha que servir o cargo de Primeiro Mandatário.
     Finalmente Everton chegou ao grande painel operacional, o centro nervoso que comandava todos os olhos cibernéticos voadores do mundo inteiro — a coisa que garantia a perda completa de privacidade visto que a Terra se transformara literalmente num único e imenso “reality show” garantindo o emprego para milhões de funcionários dos ministérios de espionagem ou “voyeurismo” — sempre à cata de qualquer comportamento suspeito, de qualquer atitude que pudesse gerar dúvidas. Os olhos penetravam no interior das residências e transmitiam até as intimidades dos casais. Famílias eram separadas, colegas desapareciam nos empregos, milhões de pessoas eram presas a toda hora por causa das incessantes denúncias, até por simples mal-entendidos.
     Everton retirou do bolso do casaco a granada que possuía blindagem anti-detecção. Friamente, ele a jogou contra o painel. A explosão foi terrível e provocou outras numa reação em cadeia. As outras bombas que Everton trazia escondidas, na roupa e no mecanismo de Astor, explodiram em seguida. Em questão de minutos o imenso prédio ruiu fragorosamente.
     E por todo o mundo os olhos espiões caíram ao chão, presas de curto-circuitos, e o sacrifício de um homem e um robô libertou a raça humana da escravidão trazida pela invasão da privacidade.