(Miguel Carqueija)

Uma surpreendente mensagem humanista/ecológica numa HQ do pato mais rico do mundo

TIO PATINHAS E O “WENDIGO”




    A revista “Tio Patinhas” (Editora Abril) nº 488, de 2006, publicou uma memorável novela gráfica assinada por Mark Shaw, com desenhos de Massimo Fecchi e tradução de “Lua Azul”: “Wendigo”.
       Refere-se a uma lenda do folclore canadense, dos índios Ojíbuas. Um enorme espectro que assombra as regiões florestais do norte do Canadá. Uma região onde o magnata Patinhas, o pato mais rico do mundo, mantém interesses na exploração de madeiras e minérios.
    Como de hábito, Patinhas traz consigo o sobrinho Donald e os sobrinhos-netos Huguinho, Zezinho e Luisinho, chegando o grupo de helicóptero num acampamento madeireiro, para verificar que todos os empregados fugiram, com exceção de um apavorado gerente. O local teria sido atacado pelo terrível “Wendigo”.
     O gerente está transtornado. Tio Patinhas e Donald julgam tudo aquilo uma estúpida superstição. Surge Olho Piscante, um indígena que se propõe servir-lhes de guia até o outro acampamento, já que o helicóptero enguiçou. Durante a jornada fica claro que o índio concorda com o Wendigo, o “espírito que anda no vento”, e que está furioso com a destruição do seu habitat. Com efeito, ao longo da jornada os garotos ficam escandalizados constatando que vales inteiros foram desmatados, só não ficando o solo nu por permanecerem os tocos das árvores, mudos testemunhos do vandalismo apelidado de “progresso”.
     Patinhas, obstinado com a idéia do lucro, não quer dar o braço a torcer, mesmo ao constatar que no segundo acampamento igualmente só resta o gerente, já que ali também o Wendigo teria atacado. Irritado, Patinhas dirige-se a Olho Piscante: “Não precisa mais tentar convencer meus sobrinhos! Eles já estão contra mim! Mas vai ser preciso mais que uma velha lenda para me fazer mudar de idéia!” O índio responde com dignidade: “O senhor está destruindo as florestas, senhor Patinhas... não eu! Talvez o Wendigo quisesse trazer o senhor aqui para poder lhe dar uma lição pessoalmente!”
    Na verdade, apesar de sua arrogância cética, o velho pato acaba admitindo que, muitos anos atrás, tomara conhecimento da lenda do Wendigo. Quando estivera garimpando ouro no Alasca, fôra traído e roubado por um sócio, um porco chamado Farley Thão (sic). Patinhas seguiu a sua pista por mais de 300 quilômetros até um acampamento de caçadores brancos e índios, onde escutou um uivo assustador, e lhe disseram que era o Wendigo nas proximidades.
        No dia seguinte Patinhas admitiu que perdera a pista de Farley. E, diante de um imenso cenário natural, teve a desconcertante impressão de que Farley e o ouro “haviam sumido da face da Terra”. Para os índios, Farley teria sido levado pelo Wendigo.
    A partir daí a história adquiriu um sutil toque de horror: algo como um subjacente calafrio. Caminhando para o desfecho, a trama abre uma dicotomia entre o real e o fantástico, entre a fraude e o sobrenatural.
    Uma das mais marcantes aventuras do Tio Patinhas, com cenas de real impacto.
    O Wendigo aparece no “Cemitério de animais” de Stephen King (1983) e outras obras do cinema e da literatura.

Rio de Janeiro, 14 de novembro de 2011 (com retoques em 25 de dezembro).