Terry Eagleton e a leitura poética
Por Cunha e Silva Filho Em: 04/06/2010, às 14H54
Cunha e Silva Filho
Com sua vasta experiência de teórico da literatura e seu não menos tirocínio como professor de literatura inglesa da Universidade de Manchester, o renomado crítico marxista Terry Eagleton, entre outras obras, é autor de The English novel (2004), Sweet violence: the Idea of the tragic, The idea of culture (2000), Scholars and rebels in nineteenth-century Ireland (1999), Literary theory: an introdution (1996, 2. edição; há tradução para o português, São Paulo:3. ed. editora Martins Fontes, 1997), The illusion of Postmodernism (1996).
Uma outra obra sua, objeto deste artigo, de título How to read a poem (USA/UK/Austrália: Blackwell Publishing, 2007, 182 p.) foi elaborada tendo como público-alvo estudantes e leitores em geral, i.e., jovens iniciantes nos domínios deste campo de estudos. Uma das premissas do autor teria como finalidade primordial mostrar que é possível quebrar a resistência muitas vezes alegada por algumas pessoas, a considerar a leitura de poesia como algo “temeroso” ou difícil. Reconhecendo, todavia, na brevíssima introdução do livro, que, em alguns capítulos o leitor se defrontará com aspectos expositivos mais intrincados, Eagleton propõe que a leitura deste estudo seja feita na ordem em que os capítulos se apresentam.
Desta forma, distribuiu o conteúdo da obra em seis capítulos: s) A função da crítica; 2) O que é poesia?; 3) Formalistas; 4) À procura da Forma; 5) Como se lê um poema, que dá título ao livro; 6) Quatros poemas sobre a Natureza. O volume também inclui, no final, um sucinto e proveitoso glossário sobre termos técnicos da Teoria literária, cabendo fazer especial menção aos seguintes termos, desconhecidos na terminologia do estudo da versificação clássica: “bathos”, para definir “um movimento do sublime ao lugar-comum ou ridículo”; “incarnational fallacy”, cunhagem formulada pelo autor para significar “a falsa crença de que palavras em poesia de certo modo ‘contêm’, ou formam uma parte orgânica das coisas a que se referem”; “inscape”, um termo cunhado pelo poeta Gerard Manley Hopkins “para denotar ou a forma interior típica de um fenômeno”; “textura”, para definir “o modelo de sons de um poema”. Traduzo o termo em inglês sempre que não comporta dificuldade de equivalência léxica.
A obra se propõe a oferecer uma visão geral dos estudos de literatura e particularmente do gênero poético, chamando ainda a atenção para o fato de que atualmente existe premente necessidade de professores de literatura que sejam competentemente ensinados a exercerem a atividade da crítica literária. Ele próprio se define como alguém que fora preparado para essa função.
Foi em razão dessa deficiência nos estudos literários na formação dos docentes que ele se decidiu a escrever esta obra, em particular porque, segundo ele, a crítica literária, “como o trabalho de cobertura de colmos e a dança de sapateado de tamancos”, parece ser uma arte que tem seus dias contados, o que vejo ape nas como um desabafo retórico vindo de um dos mais proeminentes teóricos da atualidade.
Terry Eagleton está longe de ser aquele crítico preso unicamente a uma compreensão do fenômeno literário de base marxista. Ao contrário, toda a sua exposição densa e erudita sobre o que pensa desse campo de estudos denuncia antes um teórico aberto profundamente às leituras das diferentes correntes do pensamento crítico contemporâneo.
O eixo central desta pequena obra seria discutir o que vem a ser a análise de poesia, ou seja, como pode o candidato a crítico e o leitor em geral melhor se acercarem de uma abordagem aberta e fecunda para o aprofundamento de um produto de um gênero literário, que é o poema.
Por isso, um dos capítulos mais úteis de seu livro – o quinto, - “Como se lê um poema” - , é justamente aquele ao qual destina uma especial atenção por nele desenvolver a discussão de aspectos cruciais ao processo de criação poética como a subjetividade da crítica e suas extrapolações, o sentido e a subjetividade, os conceitos de “tone”, “mood’ e “pitch”, os quais, de resto, estão definidos no citado glosssário, intensidade e medida, textura, sintaxe, gramática e pontuação, ambiguidade, rima, ritmo e metro, imagismo. Eagleton aí demonstra o quanto pesa na análise do poema todo esse conjunto de elementos estruturais e de aspectos capitais ao exegeta.
Sua visão teórica patenteia uma profunda preocupação com os chamados elementos intrínsecos da close reading de procedência norte-americana, alguns dos quais já explorados no new criticism de igual origem, O próprio Eagleton, nas magníficas análises dos quatro poemas sobre a Natureza, no último capítulo, declara realizá-las através daquela abordagem .
Todo o procedimento de discussão sobre diferentes approaches nos estudos da literatura aponta para um teórico que não professa estreitezas dogmáticos. Antes, procura extrair da diversidade de aportes terminológicos uma forma pessoal de compreender a obra literária.
Antes de formular um caminho objetivo no debate sobre poesia da literatura em geral, Eagleton se fundamenta numa formação cultural sólida combinando tradição e áreas humanas afins, sem dispensar, enfatizo, as conquistas de outras correntes e visões críticas sem limites de alcance interpretativos num esforço reflexivo democraticamente arejado e corajosamente disponível ao entrecruzamento das diversas contribuições dos pensadores mais atuantes do Ocidente, inclusive os nomeando : os formalistas russos, Bakhtine, Adorno, Walter Benjamin, Derrida, Genette, Hardman, Kristeva, Frederic Jameson, Barthes, Iser, Cioux, Hillis Miller, entre outros.
Sua escolha de poetas da língua inglesa, do passado e do presente, que servirão às análises de alta complexidade, bem mostram a sua real disponibilidade de ver, na produção literária, no objeto concreto, o poema, assunto fulcral do livro, uma multi-direcional perspectiva, na qual a arte e a realidade são convocadas a exercerem, cada uma com suas estruturas específicas, um papel no qual a vida não se dissocia da arte, e mais ainda, a poesia, “ que não pode dar as costas para a história, também é fonte de conhecimento e nas suas formas de composição, através da linguagem-objeto,” não estão ausentes os correlativos sociais e ideológicos dos autores e das suas correspondentes visões do mundo.
As argutas análises de quatro poemas sobre a Natureza confirmam o esforço deste teórico e crítico para uma compreensão amadurecida e original de poeta como William Collins, William Wordsworth, Gerald Manley Hopkins e Edward Thomas. A bem da verdade, ao longo do desenvolvimento da exposição, todos os temas abordados pelo autor não são mais do que complementados com outras tantas análises e comentários férteis de autores de primeira grandeza tanto ingleses quanto americanos.
Não sem razão conclui Eagleton seu breve estudo assinalando a relevância dos dados da experiência e da realidade como componentes inescapáveis da arte literária, segundo vemos nesta observação final de sua obra tratando da relação entre poesia e história: "Escrever a história das formas poéticas é uma maneira de escrever a história das culturas políticas. Contudo, para consegui-lo, temos que primeiro atribuir àquelas formas a sua realidade material”.(p. 164).