SOLIDARIEDADE ANIMAL
Por Elmar Carvalho Em: 07/03/2014, às 08H12
ELMAR CARVALHO
Outro dia, quando eu trafegava pela avenida Duque de Caxias, nas imediações da fábrica da Coca-Cola, vi um vira-lata a carregar nos dentes um saco plástico de lixo, cujo conteúdo certamente era de natureza alimentícia. Deduzi que ele conduzia o recipiente para se afastar do local onde o encontrara, com o objetivo de se livrar de possíveis agressões dos responsáveis pelo lixo ou então para partilhá-lo com outro cachorro de sua amizade.
Creio não seja fora de propósito a segunda hipótese. Não faz muito tempo, assisti a uma reportagem de TV, na qual era mostrado um cachorro, que, após alimentar-se em um monturo de certa cidade, levava nos dentes um saco com alimento para um outro local. Uma senhora, que morava perto, observou isso algumas vezes. Como tenha ficado muito curiosa sobre que destino o animal dava à “quentinha” que conduzia com muito empenho e cuidado, resolveu segui-lo.
Descobriu que o cão levava o alimento para um outro cachorro, que não podia fazer o longo percurso que ele fazia, seja porque estivesse doente, seja porque fosse de pequeno porte, já não recordo o motivo. Isso me comoveu sobremaneira, sobretudo numa época em que vemos o homem, considerado como sendo um animal racional e espiritual, matar ou prejudicar seu semelhante por motivos torpes, fúteis ou egoísticos.
É verdade que o ser humano também comete atos heroicos, altruísticos e às vezes sublimes. Mas estes, nos dias de hoje, são raros, podendo mesmo ser considerados quase como exceções, aos quais a mídia quase não dá a mínima importância, preferindo noticiar os fatos sangrentos e escabrosos, permeados de maldade e egoísmo, que lhes aumenta o número de leitores, ouvintes ou espectadores.
Como exemplo das exceções a que me referi, contarei um fato emblemático que me foi revelado pelo saudoso deputado Humberto Reis da Silveira, de quem tive a honra de ser amigo. Disse-me ele que, em sua juventude, ao fazer uma viagem a cavalo pela caatinga piauiense, salvo engano com destino a Oeiras, ao fazer uma parada para que os seus acompanhantes se alimentassem, viu perto do rio Canindé umas pessoas que identificou como sendo retirantes.
Ao se aproximar dos viajantes, notou que uma mulher, em gesto altruístico, sublime e heroico, furou o braço com um espinho de talo de carnaubeira, para dar o sangue a um filho pequenino. Naturalmente, já não tinha leite, em sua penúria e fome. Humberto Reis se comoveu com aquele episódio, quase diria dantesco, e resolveu, em conversa com seu irmão, que lhe acompanhava, dar o resto de seus mantimentos para aquela família, que vagava pelos sertões, em busca de melhores plagas. Nunca o notável político, em sua longa vida, se esqueceu dessa cena digna de tela cinematográfica ou de talentoso pintor.
Minha mulher me contou que, perto de nossa casa, sempre via dois cachorros. Um parecia não conseguir andar, como se estivesse muito doente. Notou que o sadio parecia fazer companhia ao outro, como se não quisesse abandoná-lo, em exemplar solidariedade canina. Dias depois, notou que apenas o são se encontrava no local. Procurou se informar sobre o que acontecera.
Uma pessoa lhe contou que um cão era filho do outro. Acrescentou que o sadio fez companhia ao doente até quando este morreu e foi recolhido. Ao que tudo indica, não desejava que o outro se sentisse solitário e abandonado. Parecia não querer que o seu semelhante morresse sozinho e desamparado. Cuidou dele e o vigiou até o fim.
Entre nós humanos (e não estou fazendo nenhum julgamento, seguindo a recomendação crística), vemos muitas vezes um filho deixar seu pai ou sua mãe em um abrigo, sob a promessa de lhe fazer frequentes visitas, e nunca cumpri-las, como se estivesse se livrando de um peso incômodo e indesejável. E descartável.