Sobre estar doente
Por Denise Veras Em: 02/06/2025, às 00H51

Nas últimas semanas estive adoentada, o que me deu bastante tempo para refletir a respeito de uma série de coisas. Mesmo não tendo cessado as minhas atividades, ficar doente me fez passar muito tempo deitada e consequentemente olhando para o teto ou para as paredes, a depender da posição em que eu repousasse os meus ossos.
Foi em uma dessas observações forçosas que percebi que o meu papel de parede, embora não fosse amarelo, parecia querer me puxar para dentro dele. Houve momentos em que me achei dançando com os espectros das flores azuis que rodeiam a minha cama. Era um devaneio que me fez sentir presa à Dança da Morte, na fileira de Bergman. Um dos planos finais mais emblemáticos da história do cinema.
Nos parágrafos acima exemplifiquei, através de minha própria experiência, como a doença nos faz pensar em coisas que costumeiramente nos passam batido. Foram dias em que o teto me pareceu interessante, e lembrei-me do magnífico ensaio de Virginia Woolf – Sobre estar doente – em que ela aponta vários elementos importantes que a doença nos faz perceber, e que o “exército dos eretos” jamais contempla pois os seus soldados que só olham “rumo ao futuro”.
Por que escrever sobre as nossas mazelas físicas não atrai tanto quanto expor as feridas emocionais? Uma das minhas teorias é de que as chagas do corpo são curadas com drogas pontuais. Tomamos (ou aplicamos) a medicação e aguardamos o efeito. Geralmente a espera é solitária. A convalescença é o momento em que esperamos as drogas fazerem milagres em nosso organismo enquanto encaramos o teto ou bailamos com as manchas das paredes nos arredores da cama.
As doenças mentais são mais sofisticadas. Elas são resistentes e não são abatidas somente com alguns comprimidos, pomadas ou sublinguais. É preciso tempo, dedicação, cuidado em olhar para dentro e descobrir onde está o foco da dor. Às vezes sabemos onde está a raiz, mas ignoramos o conserto. Nessas horas também é importante repousar e olhar para o teto, mas sem constranger os amigos, eles não saberiam o que dizer. Talvez só lembrassem de quando também eles estiveram tristes. Virginia nos alertou que é assim com a gripe, e eu estendo para as dores emocionais. Estar doente é importante para se manter vivo.
Assim que necessitamos de uma cama [...] deixamos de ser soldados no exército dos eretos; nos tornamos desertores. Eles marcham para a batalha. Nós [...] rodopiamos no caos das folhas mortas no gramado, irresponsáveis e desinteressados e capazes[...] de olhar ao redor, de olhar para cima – de olhar, por exemplo, para o céu. (Virginia Woolf em Sobre estar doente)