Fonte: Pensador
Fonte: Pensador

[Carlos Castelo]

Machado de Assis não é John Lennon. Muito menos tinha uma Yoko Ono a seu lado (ainda bem). Mas, mesmo estando morto há 114 anos, sempre aparece com uma novidade.

No dia 21 de junho, seu aniversário natalício, foi anunciado que a editora Todavia publicará uma coleção, em 2023, com 26 volumes de poesias, contos e romances. Toda tinta que o Bruxo do Cosme Velho passou sobre algum pedaço de papel estará nas prateleiras em ordem cronológica. E, claro, na sequência virão os eventos, exposições, ciclos de filmes e peças baseadas nas obras do autor carioca.

No caso dele é merecido. Ainda mais num país em que muitas das joias literárias não passam de diamantes falsos. Berloques que preferem gastar mais tempo buscando granjear prêmios, e outras honrarias, a sentar as nalgas numa cadeira e parir uma obra digna. Ou que dominam mais a arte de pilotar redes sociais do que a destreza de transformar palavras em discursos não-utilitários.

Talvez por isso Joaquim Maria nos maravilhe tanto, até os dias de hoje. Inclusive porque, até quando praticava jornalismo, continuava sendo o Machado de Assis de Memórias Póstumas de Brás Cubas e de Dom Casmurro. Dito de outro modo, o midiático nunca superava o catedrático.

Para mim, um lavrador de crônicas, a maior novidade machadiana recente foi o lançamento, em 2019, de Badaladas e Dr. Semana. Machado escreveu semanalmente, entre junho de 1859 e março de 1876, crônicas na revista Semana Ilustrada. De cerca de 300 crônicas, com mais de 1.500 páginas, apenas umas poucas foram republicadas. O resto dormitava no abandono quase completo na Biblioteca Nacional. A professora e pesquisadora Sílvia Maria Azevedo, da UNESP, em detida pesquisa, deixou a Semana Ilustrada ainda mais letrada, dando-lhe novos ares. Um notável auxílio civilizante para o Brasil de 2022 (que anda tão precisado de elevação).

Juntamente com Aquarelas, Balas de Estalo e A Semana (já comentados aqui) agora podemos afirmar: afinal possuímos um alentado acervo de crônicas de M. de A.

Mas, afinal, por que Badaladas?

Em 16 de dezembro de 1860, começou a circular no Rio, a Semana Ilustrada, revista humorística voltada para a publicação de charges, caricaturas, sátiras políticas, crítica literária e teatral. Além dessas matérias, o hebdomadário oferecia espaço para crônicas.

As Badaladas estrearam em 20 de junho de 1869, sob a batuta de Machado de Assis – o Dr. Semana – que assim justificava o nome da seção:

“Que diriam de um homem que, no tempo de calção e meia, usasse calça moderna, ou fosse apertar a mão do visconde de Jequitinhonha envergando a túnica de Catão? Era um disparate. Cada homem deve ser do seu tempo. Uma coisa é a calça, outra o calção; uma coisa é Catão, outra o visconde de Jequitinhonha. A época é parlamentar; e o símbolo do parlamentarismo é a campainha, que, entre parênteses, está sendo muito agitada pelo presidente do senado. Os presidentes das câmaras, não podendo agitar questões nem pernas, agitam a campainha. A campainha é o símbolo do sistema representativo; quando este vier a falecer, e com ele os presidentes do parlamento, ficará a campainha no mundo para exemplo dos futuros governos.

Se a época é de campainha, por que não darei eu badaladas todas as semanas?”

Esperemos então que o Dr. Semana siga dando suas bimbalhadas diárias, hebdomadárias ou quinzenais. Ontem, hoje e sempre. All we need is Machadão.

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(Texto publicado originalmente no Estadão)