SAUDADE

 

     Hoje, não de teimoso, mas de muito saudoso, eu passo em frente do condomínio de casas de alto padrão onde tu moras. Não consigo ver tua casa. Aliás, não vejo casa nenhuma. Todas ficam lá para dentro, lá para bem depois do bosque de árvores frondosas e do morro todo apinhado  de ipês, aroeiras, cedros, caneleiros, jacarandás, sapucaranas, jucás e outras árvores que dão madeira de lei, madeira forte como teu caráter. Às vezes, alimento a ilusão de te ver passeando nesse bosque. Mas, nada! Nunca vejo a ti nem a ninguém passeando ali. Assim são os ricos, grupo do qual hoje fazes parte. Estão sempre se escondendo atrás de óculos escuros e dentro de arrogantes carrões de vidros muito escuros.

     Jamais comentei com ninguém a negociata que teu pai fez para que tua família enriquecesse. Não sabes que sei disso. Fica tranquila, nunca contarei aquela história feia a quem quer que seja. Não sou homem de ter nem de contar segredos. Desconfio de que nem tu mesma sabes tudo que sei sobre aquele caso.

     Hoje me lembrei do carro que teu pai, simples comerciante, tinha. Era um corcel I azul, já usado, comprado de segunda mão. Lembrei-me também daquele dia quando eu e tu voltávamos a pé de nossos empregos (eu trabalhava como mecânico na empresa de ônibus, e tu, no escritório), conversando animadamente, e teu pai parou e te chamou. Eu não estava sujo. Eu havia tomado banho após o expediente. Entraste rapidamente no corcel e não me chamaste. Não me ofereceste carona. Mas seria mais solidário oferecer, já que estávamos voltando juntos para casa. Eu não pedi e jamais pediria carona, mas no fundo não gostei daquela tua pressa em entrar no carro. Talvez tenhas ficado com vergonha de mim, um simples mecânico com cheiro de graxa e óleo queimado. Talvez tenhas ficado com vergonha de mim por causa de teu pai, que sempre foi um cara metido a elitista e não gostaria de te ver em amizade comigo. Uma vez me disseste que ele gostava de te apresentar a homens da alta classe média e da elite que às vezes apareciam no comércio dele.

     No dia seguinte, fui transferido para outra oficina da empresa e não tive mais nenhum contato contigo. Não deixei, porém, de te ver a distância nem de saber notícias tuas. Afinal, morávamos no mesmo bairro, embora nossas casas não fossem próximas uma da outra.

     Foi grande a festa que tua família deu quando te graduaste em Ciências Contábeis. Claro que não fui convidado. Eu era apenas um amigo distante. Mas foi uma festa que marcou época em nosso bairro. Disseram-me que, em teu convite de formatura, estava inscrita esta frase: “Meu negócio são os números.”  Bela frase!

     Tu não imaginas como eu ficava feliz quando sabia que recusavas mais uma proposta de namoro. Fizeste muito isso. Até que um dia caíste na lábia daquele cara nojento, que não te merecia. Isso me lembrou o título de um livro de autoajuda que nunca li: “Mulheres Inteligentes, escolhas insensatas.” Só foste perceber que ele não era digno de ti quando, já casada, ele, por pura preguiça, pediu demissão do emprego para ficar vivendo à tua custa.

     Separaste e foste viver com tua mãe, que já morava nesse condomínio de luxo. Ficaste menos de dois anos casada com aquele pilantra. O tempo passou. Já estás com mais de sessenta anos, mas continuas linda. Teu cabelo está branco, porém quase não tens rugas. É o que me dizem. Só te vejo de longe e muito raramente. Mas ainda te amo embora nunca tenha te dito isso. Não lerás esta carta. Não te enviarei. Ela continuará eternamente comigo para realimentar a saudade que me acompanha e da qual não tens a menor suspeita.