Ricos, porém burros?
Por Paulo Ghiraldelli Jr Em: 25/05/2012, às 21H16
[Paulo Guiraldelli Jr.]
De um colega: “não é racismo, mas o certo é cada um com seu par, o branco com a branca e o negro com a negra, não é?” Ora, se isso não é uma forma de racismo, então o que é?
De uma dona de casa da classe média: “não tenho nada com a vida dos outros, mas essa minha vizinha sai com todo mundo, parece uma puta!” Imagine então se tivesse a fim de opinar sobre a vida alheia, heim?
De um estudante: “ele é um cara legal, é meu amigo, é certo que não paga ninguém, mas não é que seja caloteiro, é o jeito dele que assim mesmo”. Alguém que não paga ninguém não é “caloteiro”?
Todas essas frases são comuns. Ouvimos isso em nosso cotidiano. As pessoas não percebem que estão, em um mesmo enunciado, afirmando e negando, e que isso não vale. Não entendem algo comum até pouco tempo, que era a preocupação de falar sem se desmentir. Tratava-se da preocupação do senso comum de evitar aquilo que no âmbito filosófico chamamos de contradição. Mas agora, isso foi para o espaço, ao menos no Brasil. O que está ocorrendo?
Não é que de um modo geral estamos com um país que está emburrecendo. Mas é quase isso. O que ocorre é que uma parte da população que não consumia, agora está consumindo e, portanto, está aparecendo em lugares em que não aparecia, está ganhando visibilidade social. No passado, quando havia algum momento de melhoramento de vida e de incorporação de mais grupos sociais no consumo, era fácil de ver a ascensão social coligada com a ampliação da escolarização de qualidade. Então, mais gente consumindo não significava o surgimento rápido, no campo de visibilidade social, de pessoas incapazes de usar a linguagem com uma propriedade mínima. Todavia, não é isso que ocorreu agora, nos anos FHC e Lula. Muita gente que não tinha visibilidade social ganhou rosto, e esse fenômeno, o da visibilidade, foi potencializado pela existência da Internet. Mais de um terço da população brasileira tem Internet em casa. Esse pessoal chegou ao mercado e à visibilidade, mas sem qualquer escolarização de qualidade. Essas pessoas estão entrando em contato direto, em conversação, com setores com os quais nunca tiveram contato, ou seja, a classe média melhor escolarizada e até mesmo os intelectuais. O resultado disso é, então, o confronto visível de grupos muito díspares quanto ao uso da linguagem. Assim, não é difícil para a classe média melhor escolarizada ficar estarrecida com a facilidade com que muitos, em redes sociais, se dêem o direito de escrever qualquer coisa, sem saber o que estão escrevendo. Muitos desconhecem as palavras que usam e, portanto, afirmam coisas que em seguida negam. Aparecem como mais estúpidos do que são realmente. Quando corrigidos, ficam enraivecidos e se afastam, perdendo então a oportunidade de aprender
A foto que acompanha este texto é um exemplo claro dessa situação em que alguém pode achar que “vegetariano” é um nome chave para restaurantes, fica bonito, tem a ver com alguma coisa que ele, o dono, viu na TV ou na Internet, mas, enfim, sendo restaurante, que possa ser um restaurante que sirva tudo que a população local queira comer – caso contrário daria prejuízo! A semântica é posta de lado, pois a cultura oral e visual suplanta a cultura raciocinada, ciosa da lógica. Isso é falta de escola, ou seja, de boa escola. Mas, sabemos bem, o Brasil tem optado por crescer economicamente, tem se preocupado em ampliar o consumo das pessoas – e isso é muito bom –, mas nenhum setor social percebeu ainda, com seriedade, que há limites para o país se desenvolver se não formos capazes de conversar com lógica, se não respeitarmos a semântica e se, enfim, não soubermos mais o que estamos falando.
Falta dinheiro para investimento em educação? Ora, mas quando, no passado, quisemos ter dinheiro para o esporte, fizemos a “loteria esportiva”. Claro que o dinheiro acabou sendo usado para mais coisa que o esporte. Mas, é certo que a quantia que ficou o esporte fez com que o país, depois de três décadas, visse surgir ao menos um ginásio de esportes em cada cidade – e nosso melhoramento nas Olimpíadas ocorreu mesmo. Bem, não é possível uma loteria assim só visando o benefício da escola pública básica? Não seria isso um apoio imediato, que resolveria de vez o problema? Pois o problema da escola pública é, em parte, um único: as boas cabeças jovens da sociedade não se dirigem mais para o magistério, pois o salário de professor é o mais baixo entre todos os que fazem o ensino superior. Então, com professores cada vez piores e com falta de professores, não há chance de alguma pedagogia funcionar a contento.
Soluções desse tipo são fáceis de adotar e, em boa medida, resolveriam o problema. Mas, é evidente que os nossos governantes, todos eles, não estão mesmo interessados nisso à medida que a sociedade não tem se mostrado preocupada com tal coisa. O Brasil, mais uma vez, vai acabar optando não pela criação própria de mão de obra para o seu crescimento, mas pela importação dela. Assim, seguindo essa linha, seremos uma nação que poderá sair do Terceiro Mundo, mas de um modo único, talvez inédito, de modo a criar um país rico com um povo de classe média, mas bem mais burro que qualquer outra nação, do Primeiro ou do Terceiro Mundo. Será interessante saber como será essa “nova civilização brasileira”.
Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
O Museu de Alphonsus
tuas sensações
de luzes e mistérios
cúpulas e catedrais
em meus olhos parados
nas linhas tortas
de tuas letras
desenhando o nome divinal:
Constança
("Asas que Deus lhe Deus").
a paixão levitando em versos
no peito no mesmo lugar
de imaginações infindas,
Mariana.
na casa de muitos filhos
na casa de luares
na casa mística
de melancolia
onde ressoam os sinos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
e os trilhos da história
para sempre
nas pontes da memória
de teus visitantes.
Dílson Lages Monteiro, escrito em janeiro de 2013.
Fliporto 2015: Manuela Nogueira, sobrinha de Fernando Pessoa, conversa com Antônio Saraiva