Ribamar
Por Washington Ramos Em: 04/09/2020, às 13H15
[Whashington Ramos]
Um livro piauiense e universal, apesar de seu autor não ser piauiense. Essa é uma das impressões que me ficaram após a leitura de Ribamar, da autoria de José Castelo, romancista e crítico literário com bastante atuação no meio cultural brasileiro, tendo trabalhado em órgãos importantes como Veja, IstoÉ, O Globo, Estadão...
Trata-se de um romance piauiense porque é ambientado no Piauí, principalmente na cidade de Parnaíba, onde o narrador-personagem convive com primos e tios em busca de informações sobre seu pai, já falecido e cujo nome – Ribamar - é o título da narrativa também. Além disso, o pai é ainda o principal interlocutor do eu-lírico – o próprio José Castelo – que desenrola a meada narrativa. As conversas entre os dois são alguns dos fios a que o leitor se agarra para compreender esse livro, que não chega a ser exatamente um romance, pois lhe faltam mais ficcionalidade, mais ação no sentido aventuresco como estamos acostumados a ver nos romances tradicionais. Além da ambientação em Parnaíba, há ainda uma viagem até às proximidades de Teresina e União e um comentário sobre o brasão do Piauí com a tradução da frase latina que, dele, consta. Frase que, na verdade, é um verso de Horácio, poeta clássico da Roma Antiga. Portanto é marcante a presença desta província na obra.
Vários motivos fundamentam esse livro como um texto de caráter universal. Um deles é a Carta ao pai, de Kafka, base e influência de quase tudo que é contado. O próprio autor se considera obcecado pelo autor dessa carta, com a qual ele se identifica plenamente e vê na mesma o que ele devia ter dito a seu pai Ribamar e não disse. Mas a deu de presente a seu genitor, porém não sabe se algum dia o velho a leu. É ainda universal a relação entre pai e filho, que todo ser humano tem, até mesmo aqueles que não sabem quem é seu pai ou que o perderam muito cedo.
A estrutura musical do livro lhe confere também um forte sentido universalizante. No início de cada capítulo, está um pentagrama com as notas musicais de “Cala boca”, canção de ninar que é uma tradição na família, cantada pelos homens – bisavô, avô e pai – para acalentar seus rebentos. Ela foi transcrita em notas musicais para constar do romance.
Ribamar é um romance introspectivo, próximo da poesia ( a cena do narrador perto de uma cerca olhando para um canavial, em busca da casa onde o pai nasceu, e que não existe mais, é de um lirismo ímpar.), sem preocupação em querer mostrar a conturbada realidade brasileira. É uma narrativa voltada para dentro de si mesma, metalinguística, tentando desvendar o complicado relacionamento entre criador e criatura humanos, baseada em um autor universal como Kafka e citações de grandes escritores Como Horácio, Jorge de Lima, Baudelaire, Stevenson e uma referência a um trecho da Bíblia. Mais universal, quase impossível.
Quanto à linguagem e à introspecção, o autor fica muito mais próximo de Clarice Lispector e de autores modernistas de estilo telegráfico do que de Kafka. Este tem uma linguagem caudalosa, cheia de frases muito longas. Castelo fez bem em evitar períodos compridos, soube filtrar uma influência. O livro vale, é bom, eu o recomendo