Que seja no Piauí

[Chagas Botelho] 

Oh, minha pobre alma. Como só me sinto bem onde não estou, que tal se fossemos morar em Luís Correia? Lá, o calor é ameno. A brisa é abundante. O caranguejo tem mais sabor. O coco mais, água. Há belas estalagens. Ah, e a morena que vagueia distraída pela areia da praia, sem canga, apenas com um biquíni sumário, arranca suspiros. Uma cidade desta natureza, à beira mar, assento de revigoramento, é o bálsamo de que necessitamos.

A alma nada diz

Pois, olha, querida alma minha, se amas tanto as cidades férteis de alegria, promotoras de inesquecíveis carnavais, queres ir morar em Floriano, regaço de dionisíacos foliões? Que também, inclusive, fora escolhida como rés do chão por sírios e libaneses? Talvez te divirta nesse Olimpo cujas festividades tanto te encantam pela tevê. Que achas de realizar passeios, com este teu olhar oblíquo, pela avenida Beira-Rio, onde se concentra a maior movimentação noturna da Princesa do Sul?

Ela, minha alma, continua muda

Já sei! Já sei, alma estimada. Tu gostas mesmo é de um torrão repleto de riqueza histórica e religiosa. De ruas lajeadas, de um galo que canta todas as manhãs no alto de um casarão tombado pelo IPHAN, das cerimônias sacras da Semana Santa, sobretudo aquela de Bom Jesus dos Passos, é ou não verdade? Então minha joia, se é assim que sonhas, vamos montar um lar em Oeiras? Lá onde um dia foi a fazenda Cabrobó, a Vila da Mocha e, posteriormente, designada como a primeira sede do governo piauiense. Vamos minha flor, vamos fincar moradia na Capital da Fé?

A alma não responde

Não queres me responder, não é? Todavia, vou te oferecer outro convite, afeiçoada alma. Vamos juntar nossos cacarecos em Barras? Talvez lá, em meu torrão natal, tu te encantes mais. Além disso, meu docinho, a cidade inteira se embebe das balsâmicas águas do Rio Marataoã. Eu deveria aqui, enumerar outras tantas paisagens tropicais, mas, desejo que tu mesmo as veja. E ao conhecê-las desfrute de tudo o que não desfruta em nenhum outro lugar. E aí, me deixa te satisfazer na Terra dos Governadores?

Nenhuma palavra. Minha alma estaria morta?

Terás chegado ao estado de letargia que só se satisfaz em cidades maiores? Neste caso, fujamos agora mesmo para Picos. Assumo o compromisso, minha digníssima alma, que na terra do mel tu serás tão feliz como aquela mulher que se penteia, ajeita com esmero véu e grinalda, para se entregar ao homem amado. Ou então, vamos mais longe, vamos eternizar laços na longínqua Bom Jesus do Piauí. A vida por lá abunda em soja. Se possível, nos tornaremos rei e rainha da soja e dos cerrados. Outra, Bom Jesus é rica em águas subterrâneas. Ao mesmo tempo, podemos tomar longos banhos no rio Gurguéia. Ou conquistar grandes amizades com gaúchos, paranaenses, uruguaios e demais povos que desbravaram esta cidade de nome divinal.

Finalmente, minha alma intervém e exclama com sabedoria: — não importa onde! Não importa o lugar! O essencial é que seja no Piauí.

 

*Crônica baseada no texto Anywhere Out Of The World de Charles Baudelaire.