Quando o tempo vira ar

Dílson Lages Monteiro

Para Adalgisa  de Carvalho e Silva Pires Alves (em memória)
 
“E quando dezembro chega, todas as vezes que adentro àquela casa, ainda vejo Dasinha, divinamente gorda, sentada na rede a confeccionar rosas ou a rezar. Ainda vejo os morcegos em peripécias na ante-sala, o gosto embriagante dos jasmins no tato de cada compartimento; o quadro, em que reluzia como ilustração um buquê de flores e as palavras santas: “O senhor é meu auxílio, não temerei!”. Ainda vejo a cidade, contemplando as cores do presépio da velha Senhora,  cujo destino optou pela silêncio da fé”.
 
 
            Dezembro desabrocha no chão
            de onde a terra leva e leve
            o cheiro da chuva e dos jasmins
 
            da porta ao quintal.
 
            Dezembro de Dasinha e das dores
            da Senhora Nossa da Conceição
            no peregrino passo
 
            os olhos molhados de preces
 
            Ah! Dezembro no teto (des) habitado
            de morcegos onde a manhã estrelas desenha
            onde os vitrais se alargam palpitantes
 
            onde a porta-a-sala-e-a-casa:
 
            A cidade se abre
            para Jesus renascer
            segurando as mãos de Dasinha
 
            onde imagem-ação, o esperar do ano novo.
 
            Ah! O ar de agora e de sempre
            no Pai Nosso e em Cada Dia
            do quintal à porta
 
            onde a bisavó armava
 
            as margaridas nas janelas
            e o carmim do céu
            para o vento (ex)altar a procissão.
           
            Dezembro em tijolos
            na cabeça do povo
            os dedos derretendo em velas
 
            e a luz do fogo em filas
 
            e os férteis pés e firmes
            na comum-união de todos as classes:
            dezembro e a promessa
 
           de que o tempo vira ar.