Quando eu morrer

[Chagas Botelho] 

Há um ano bati o retrato que ilustra esta crônica. É um registro do bairro Dirceu Arcoverde I. Esse gigante populacional que tatuei em minha vida. Sim, nele uma lista de acontecimentos foi construída. Ei-la: 

No Dirceu, fui craque de bola. O famoso ponta direita, camisa 7, no time do seu Adão. Era tão leve e habilidoso quanto o jogador Bebeto. 

Neste chão sagrado, que leva a alcunha de Itararé, minhas espinhas brotaram no rosto. Também presenciou o primeiro beijo dado na vizinha. Eu e ela ficávamos íntimos quando sua mãe saia para trabalhar. 

O bairro Dirceu Arcoverde I registrou a celebração da minha Primeira Comunhão. Solenidade promovida pelas belas irmãs do Colégio das Irmãs, entre elas a professora Susana, hoje a senhora esposa do cantor Enes Gomes. 

Foi no Dirceu que tirei a minha primeira carteira de identidade. Assim, como o CPF. Consequentemente vieram o título de eleitor e a tão sonhada carteira de trabalho. O Dirceu viu quando comprei o meu primeiro vinil, ainda me lembro, o compacto do cantor Michael Jackson. 

A primeira transa aconteceu em outro bairro, no entanto, foi no Dirceu que fiquei dias e mais dias rememorando o grande feito. Aquele homérico porre com conhaque Dreher, as animadas sessões no circo Amazonas, as incríveis noites de domingo no clube recreativo Francisco Alves (Chico Alves), tudo se deu num dos bairros mais populosos de Teresina. 

Não posso me esquecer, que no Dirceu perdi meu irmão. Que também resolvi morar sozinho. Foi o lugar onde mais senti solidão, insegurança e exaltados perrengues com a família. Por outro lado, vivi muitas alegrias no bar Bom Galeto, sobretudo, quando as alunas da Fundação Bradesco e suas saias plissadas desfilavam pelo passeio da avenida principal. 

E o que dizer dos momentos aprazíveis e noturnos no trailer do Moraes? Dos rolês na Praça dos Correios? Do escurinho da Praça dos Bambus? Deus do céu! Meu passado tem cheiro e cor de Dirceu Arcoverde.

Então, em exaltação a esse bairro que me viu crescer, permita-me plagiar e alterar algumas palavras do belo poema Quando Eu Morrer, do genial Mário de Andrade: 

 

Quando eu morrer 

Não contem aos meus inimigos, 

Sepultado em meu bairro, 

Saudade. 

 

Meus pés enterrem na Praça Cultural, 

No bar do Sampaio meu sexo, 

Na Avenida Principal a cabeça 

Esqueçam. 

 

No Pátio do Colégio Pires de Castro afundem 

O meu coração descontente: 

Um coração vivo e um defunto

Bem juntos. 

 

Escondam no Halliby o ouvido 

Direito, o esquerdo nos comércios e lojas, 

Quero saber da vida alheia,

Sereia. 

 

O nariz guardem nos rosais das hortas, 

A língua no alto da torre da Telemar 

Para cantar a liberdade

Saudade…

 

Os olhos lá na Joaquim Nelson 

Assistirão ao que há de vir, 

O joelho na UESPI, 

Saudade… 

 

As mãos atirem pelo Almeidão 

Que desvivam como viveram, 

As tripas atirem para o Diabo, 

Que o espírito será de Deus.

Adeus