Prisão e livros
Em: 03/08/2005, às 21H00
Já estava no Recife quando irrompeu o movimento militar de 64. Viajei em 11 de fevereiro d’aquele ano. O golpe aconteceu a 31 de março.
Recebi telefonema de mamãe, indagando se havia sido preso. De Esperantina, logo de lá, informaram para ela, que eu estava detido. Tinha que sair de lá o boato. Os seus artigos são muito duros - meu filho - reclamava. Deixe de ler esses livros - recomendava. Sempre insistia. Eu sempre ponderava. Não compreendia aquelas admoestações. Ela tinha razão. Queria me proteger.
Trouxe alguns livros de minha biblioteca para Recife, deixando a maioria em Teresina, na casa de mamãe. Muitos foram queimados. Boataram, também, que iam devassar bibliotecas particulares, inclusive a minha. Sempre li de tudo. Até parte da coleção de Machado de Assis foi queimada no fundo do quintal da casa à rua Areolino de Abreu.
A Amazônia é Nossa, O Petróleo é Nosso, Pão, Feijão e as Forças Ocultas e outros livros foram queimados. E as cinzas enterradas. Queima de livros, tal qual queima de arquivos. Regime policial, ultraconservador, de direita.
Que terror! Que coisa horrível?! Queimar livros? A memória do País. Nunca
imaginei que incomodava tanto.
Escapou do terror da queima e da devassa à mineira o Livro “Senhor Deus dos Desgraçados” de Gondin da Fonseca, já na quarta edição. Trouxe-o para o Recife. Se tivesse ficado no Piauí era cinza e enterrada no fundo do quintal.
É isso mesmo.
Os movimentos ditos revolucionários e revolucionários com ditadura civil ou militar, de direita e de esquerda, agem da mesma forma, com os adversários. Não há ditadura, golpe, guerra e revolução suaves. Todos praticam as mesmas atrocidades, com os inimigos. Aqui, e em qualquer país do mundo. Basta ser conflito, para ser desumano e bruto. Quem quiser se iluda do contrário. Sempre foi assim. As instituições internacionais, quando não apaziguam, são meras espectadoras de seus efeitos, acolhendo os exilados e contabilizando as causas perversas. Enquanto a Justiça não fôr o fim colimado pelo homem, nada disto deixará de acontecer
Magno Pires Alves Filho é escritor, advogado e membro da Academia Piauiense de Letras.