Por uma topologia narrativa
Por Bráulio Tavares Em: 09/09/2009, às 18H21
Por Bráulio Tavares
A Topologia é um ramo da geometria que cuida de certas propriedades dos corpos, entre elas as posições relativas de objetos ou pontos, que não se alteram por mais que o objeto seja deformado (mas sem ser rompido). Imagine uma faixa circular de elástico, daquelas que servem para prender os cabelos. Nessa faixa, a gente escreve as letras A, B, C, D e E (ou quantas preferir). As letras estão dispostas ao longo de faixa nessa ordem. É intuitivamente evidente que podemos esticar e deformar o elástico para aumentar a distância entre, por exemplo, A e B, ou quaisquer outras. Mas é impossível fazer com que o ponto C passe a se situar entre A e B (ou quaisquer outros) sem romper a faixa. A topologia estuda tudo que decorre disso: de submeter um objeto às maiores deformações, esticando-o, moldando-o, encolhendo-o, mas sem poder mudar sua estrutura básica.
Um exemplo histórico de Topologia está no mapa do metrô de Londres criado em 1931 por Henry Beck. Até essa época, os mapas de metrô tentavam reproduzir a ordem das estações, a distância relativa entre elas e as mudanças de direção das linhas. Beck raciocinou que isso era desnecessário. Como o metrô segue trilhos fixos dentro dum tubo fechado, a única coisa que importa ao usuário é a ordem das estações. A distância entre elas podia ser representada como uniforme, e as linhas ser representadas por retas. Faz-se assim até hoje.
No metrô do Rio, por exemplo, quem pega o trem da Estação Botafogo rumo ao centro tem que passar, nesta ordem, por Flamengo, Largo do Machado, Catete, Glória, Cinelândia... O mapa do metrô precisa mostrar apenas a ordem em que as estações se sucedem. A distância entre elas é irrelevante. Botafogo-Flamengo e Glória-Cinelândia, por exemplo, são distâncias mais longas que as demais citadas. Mas o mapa precisa mostrar apenas a ordem em que elas aparecem. O estilo “topológico” de Beck foi adotado por metrôs no mundo inteiro.
A narrativa literária também pode ser vista assim. Quando contamos uma história com enredo, desenlace, etc., certos episódios devem necessariamente vir antes de outros. Ocupam uma estrutura topológica que não pode ser mudada. Isto é bem visível em gêneros como a literatura de detetive, em que é preciso haver primeiro um crime (A), depois uma investigação (B), e por fim a solução (C). O resto da narrativa é não-topológico, ou seja, pode aparecer em qualquer ordem; mas estes elementos têm que vir nesta ordem, e não em outra.
Se bem que basta um teórico como eu afirmar uma coisa assim para meia-dúzia de leitores correrem ao teclado com o intuito de desmentir a Teoria, e produzir uma história de detetive na qual nos é oferecida uma solução (C), acompanhamos em seguida uma investigação (B), e no final depois presenciamos um crime (A)... Não sei se funcionaria, mas realizaria o sonho de Jean-Luc Godard, que, indagado se um dia faria um filme com começo, meio e fim, respondeu: “Talvez, mas não nessa ordem”.