Politicamente correto
Por Bráulio Tavares Em: 30/11/2010, às 07H07
[Bráulio Tavares]
O quer significa ser “politicamente correto”, esta expressão tão em moda? É curioso como em poucos anos um rótulo passa de elogioso a ridículo. Existe alguém, hoje em dia, que afirme publicamente que age de tal ou tal maneira porque é politicamente correto? Deve existir, porque afinal o mundo é grande; mas o desgaste desta expressão, pelo menos na sociedade onde vivo, parece em certas horas ser maior do que o mundo.
A utilização consciente e sistemática do termo é uma coisa (me parece) do ambiente acadêmico, de esquerda, norte-americano. (Sim, o marxismo não morreu. Está vivinho da silva no interior da Tróia para onde se infiltrou na calada da noite. Fermenta nos cursos estruturalistas, nos programas de ação afirmativa, nas cadeiras que estudam o feminismo, a política do corpo, a semiótica de classe, a cyber-escravidão, a dialética do desejo, da submissão e do poder.) Surgiu como uma tentativa de resposta intelectual, argumentada, teorizada, às atitudes de menosprezo ou preconceito contra as mulheres, os negros, os gays, os índios, os imigrantes, os portadores de deficiência e outras minorias.
A teoria por trás disto é de que as estruturas de poder em nossa sociedade se exercem em função de uma ideologia produzida por e para uma minoria dona dos meios de produção, masculina, branca, heterossexual, patriarcal, de classe média para cima e (no caso específico dos EUA) de origem anglo-saxã e religião protestante. As minorias citadas antes são, no contexto dessa ideologia, grupos subalternos, que obedecem porque têm juízo. O mundo não foi feito para eles. Melhor ficarem caladinhos, sem reclamar, se não serão mandados embora do mundo.
O Politicamente Correto se revoltou contra esta situação e inverteu os estatutos de comportamento. Note-se que a expressão não é, p. ex., “moralmente, ou eticamente correto”. A inspiração dessa atitude é uma inspiração política, de trazer para perto de si os “partidos” pequenos de oposição, inexpressivos numericamente, mas, se agrupados numa aliança política, com poder-de-agito bastante para fazer uma diferença no jogo político. Foi isto que acabou por desgastar o rótulo. Porque muitos norte-americanos brancos que defendem os índios ou os negros na verdade não morrem de simpatia por eles nem pelo destino deles. Defendem-nos porque é politicamente correto, ou seja, é politicamente útil defendê-los.
Um membro de uma minoria desprestigiada (os “paraíbas”, p. ex.) sabem quando alguém sente uma simpatia natural e instintiva por eles, quando alguém não se julga superior a eles – por ter uma índole espontaneamente igualitária, ou por um princípio ético permanente. E sabe quando esse “alguém” se julga superior a eles mas não os ofende porque seria taticamente reprovável ofendê-los (ou seja, dizer o que realmente pensam), não seria politicamente correto, não seria politicamente útil. O membro da minoria ergue o rosto, cruza o olhar com ele e pensa consigo: “Esse aí, não”.