Poesia: metáfora, música ou espanto
Por Dílson Lages Em: 12/02/2023, às 12H58
[Dílson Lages Monteiro]
@gora vivo tent@ndo descobrir-me – ou me espantar – em nov@s met@for@s!
“Se não houver o espanto, não há poesia”, disse Ferreira Gullar, certa feita, em entrevista. Aprendi a me espantar, desde cedo, mediado pela intuição de que as percepções do mundo constroem sentidos indispensáveis.
A natureza desenhou-se como a primeira chama de luz nos olhos e nas sensações. Olhar para o céu, como olhar para o teto; às minúsculas fendas na altura da casa. Luz-espelho. Luz do vento. Luz do dia. As janelas abertas; portas para a rua clareando o mistério do desconhecido de quem vivia, por proibição dos mais velhos, da calçada para o interior do lar.
A poesia nascia ali e se estendia para a imaginação nas brincadeiras do quintal. Árvores tinham nomes. O forno de bolos construía-se como caverna para outros mundos. Dava medo olhar para dentro. O chuveiro no banheiro externo, cascata de sonhos e perguntas: “De onde vinha a água do céu? A mesma água do rio ao lado da rua de minha casa?”
Era dobrar a esquina; era uma vez... e o rio me abraçava. Corria os 50 metros da rua íngreme para atirar-me às águas. Antes a areia, quente ou gelada, energizava-me o fôlego: de mãos no nariz, mergulhava fundo e abria os olhos para curiar peixinho perdido ou com medo dos muçuns que assombravam as lavadeiras em suas lajes de pedras ritmando suor, alvura e poesia.
Nos cânticos da igreja, naqueles sábados de missas para as crianças, mistério e medo do além, metaforizavam o desconhecido. Formavam novos espantos. A história de José ou de Golias, ou Jesus montado em seu jumentinho, saudado por ramos, tinham carne e osso. Gente fora das fabulações religiosas, para entrar nas fabulações da vida! Tristeza e esperança de todos nós.
O tempo passava como bolha de sabão. Na sozinhez da adolescência da cidade grande, a paixão não sabida pela amiga de escola (quanta imaginação!). Perderia a lógica se ela soubesse? Melhor mesmo guardar comigo, né não? Guardada ficou no Caderno de Sonhos, que perdi fisicamente, para todo o sempre, na mudança de endereço. Ou atirei fora, como se o lugar daquele sentimento e dos versos mal rascunhados fosse mesmo, para viver infinitamente, o fundo mais fundo da lembrança.
Vieram Pessoa e Manuel Bandeira me fazer companhia. Depois, chegaram Drummond e Brecht. Murilo Mendes e João Cabral. Tantos outros, para o mundo não ser mais o mesmo. As leituras teóricas, devagar, devagarinho, no ritmo do entusiasmo imorredouro, fizeram pontes e tive coragem de me dizer em metáforas o que não mais me pertencia. A associar-me novamente à natureza. A dizer intimamente que palavra tem cor, cheiro, textura, voz, gosto. Que palavra me substitui. Ou me completa! Maiskóviski, Ezra Pound. Roman Ingarden. Bachelard...
@gora vivo tent@ndo descobrir-me – ou me espantar – em nov@s met@for@s!