Cunha e Silva Filho


 1. INTRODUÇÃO.
 

                Duas diferenças de construção poética saltam à vista após a leitura das duas obras do jovem poeta piauiense Luiz Filho de Oliveira; a primeira, suscitada pelo livro BardoAmar (Teresina, Edição do Autor, 2003, 70 páginas) me conduz como leitor diretamente ao aspecto visual; a segunda, provocada pela leitura de Ondehumano (Teresina, Nova Aliança, 2009, 114 páginas) me leva sem esforço ao universo do léxico, i. e., da palavra, tomada aqui no sentido mais despojado de poiésis, do vocábulo elevado ao estatuto mais nobre do eixo da seletividade (paradigmático) sobre o eixo da combinação (sintagmático), segundo o pensamento teórico de Jakobson sobre o que pensava da função poética. Dessa junção lúcida e lógica advêm as chamadas estranhezas do discurso poético moderno.   

             Essa ideia do fazer poético corresponde, a meu ver, àquele conceito de “imprevisibilidade” de outra linha de pensamento crítico-teórico. Não quer isso significar que, no primeiro livro, o poeta abdique de suas preocupações com o verso enquanto discurso lírico. Longe disso, as duas diferenças são somente componentes básicos nas duas obras mencionadas.
           Neste estudo que ora inicio e que será apresentado em três ou quatro partes, vou-me concentrar no que os dois livros de poesia de Luiz Filho de Oliveira possam propiciar de novo ou de velho à lírica brasileira. Em carta do autor a mim endereçada, o poeta fornece alguns dados paratextuais sobre os motivos de sua experiência não só quanto ao início de seu interesse pelo gênero poético mas também como chegou a publicar seus poemas e mais outras razões que o fizeram trilhar a solitária aventura do que já se chamou a mais pura das formas literária.
         Já anteriormente havia lido alguns textos em prosa do autor, os quais me provocaram uma sensação de estar diante de um escritor avesso ao conservadorismo ou à gratuidade. Quer na prova vazada de estranhamentos, sobretudo no modo de colocação dos pronomes oblíquos e de outras excentricidades de usos gráficos e léxicos no corpo de seu discurso, que não sei se, no futuro, vai dessas expedientes se afastar - o que para mim seria melhor quando se tratasse do ensaio ou mesmo da crônica, com o faz tão bem Ferreira de Gullar na crônica ou no ensaio(ele que já foi tão subversivo e experimentalista na poesia), quer sobretudo na poesia, na qual sem esforço percebemos uma disposição de trabalhar a linguagem nos estreitos limites da literariedade e com uma vantagem a mais:respeito, ousadia e dignidade intelectual.
         Juntei as duas partes, os textos lidos na sua coluna do site Intertextos de Dílson Lages, e a leitura dos dois citados livros. O resultad,o no geral, é promissor. Além disso, acrescentaria um pormenor curioso. Segundo o autor, Ondehumano enfeixa poemas anteriores à experiência experimentalista de BardoAmar que, de certa maneira, inverte o processo de continuidade da segunda obra.

         Ou seja, enquanto vivência poética, o segundo livro cronologicamente deveria ser virtualmente o primeiro, visto que, segundo aduz o poeta , “e um livro experimental mais sóbrio” se comparado ao primeiro. Para simplificar, do meu ângulo de leitor, Ondehumano, a despeito de incluir grande parte de poemas anteriores ao primeiro livro,  é, todavia, o que, a meu juízo, servirá como coerente avanço no percurso poético de Luiz Filho ainda que seja um pouco cedo demais para um julgamento mais conclusivo das possibilidades futuras de seu estro, sem cair numa espécie de fatalidade que tem acometido poetas piauienses que, depois de publicarem um número pequeno de obras no gênero poético, ainda dispondo de muitos anos pela frente, silenciam praticamente ante o futuro de seu projeto poético no início tão promissor. Não resta dúvida, entretanto, de que Ondehumano é, até agora, a constatação mais consistente de um talento com indicativos seguros, vias nítidas e potencial criativo aberto e pronto a desenvolver novos temas e formas elaboração no domínio do verso.
         Delimitemos, porém, o alcance lírico de BardoAmar e procuremos, então, sondar—lhe as especificidades de um autor que deu seus primeiros frutos no difícil e competitivo (oh!, com estava longe da verdade contemporânea o historiador literário inglês John Burguess Wilson ( English literature - a survey for students, Longman, ninth impression, 1970, p. 11) ao vaticinar,  já na década de cinquenta, erroneamente, como, aliás, outros, o futuro da poesia: “Não existe um poeta vivo que consiga viver de poesia. Mau sinal que talvez acene para a inexistência de um futuro para a poesia.”) campo da poesia na faixa dos vinte anos, Sua produção editada é diminuta se confrontada com os anos de seu  convívio com a musas.. Isso, porém, não vem ao caso quando o que pesa para a literatura é a qualidade do que se escreve e, nesse particular, Luiz Filho com apenas dois livros já me permite um julgamento favorável, segundo anteriormente assinalei.(Continua)