POEMITOS DA PARNAÍBA
Por Elmar Carvalho Em: 18/04/2020, às 08H39
POEMITOS DA PARNAÍBA
Texto: Elmar Carvalho
Charges: Gervásio Castro
21. Bernardo Carranca
Bernardo Carranca
com sua carranca de artesanato
artefato – mas não
arte de fato – de cantor/ator/à toa
atropela uma música
com seus gemidos e grunhidos e ganidos.
E canta: “De noite eu rolo
na cama...” E sai rolando, se enrolando
se contorcendo e se retorcendo pelo salão
por entre mesas e pelo chão
– bailarino de mola
sem molejo de cintura –
criador e criatura
de sua própria loucura.
22. Zé Bispo
O “milionário” Paulo Afonso
coiceou com um seco não
o boêmio e compositor Zé Bispo,
quando este lhe foi dar
um filho como afilhado.
Bispo, numa música em que dizia
que o Deus do “milionário” era
o mesmo seu e que o ouro
dele não o levaria ao céu,
sua branda mágoa de protesto
nas placas de bronze do tempo lavrou.
O ouro de Paulo Afonso
como o orgulho e a soberba
pelo ralo da vida se foi.
A música de Zé Bispo
cantando na boca do povo
é folha verde/viva que a voragem
do vento do tempo não levou.
23. Conde Falido
AristorRatos
AristocraRia de
ba(r)rão falido
de (es)conde de (ex)conde
de (vil)conde de (vis)condes
de barrão/barrado/borrado
conde falido = falo k ido
conde falado = falo alado mas depenado
conde falecido = falo de morto
conde falingus = falo da língua
24. Maria Onça
– Maria Onça!
– Onça é a tua mãe,
filho de uma égua.
A cara feia de Maria
transformava-se na
carranca de uma onça.
Não de uma onça pintada,
não de uma onça rajada,
mas de uma onça
pobre, feia e desbotada.
E Maria Onça seguia
como um bicho acuado
por entre os apupos
da molecada.
E Maria Onça chorava
no meio da molecada.
25. Cego Bento
Não morrerás,
meu quimérico e homérico cego.
Um mito não morre:
um mito se encanta e permanece.
Teus dois percursionistas
são dois anjos da guarda
de asas dissimuladas.
Um te abriga com a sombra
de seus olhos também sem luz.
O outro é tua estrela guia,
que te conduz em tua noite sem dia,
pelas trevas espessas de teus olhos,
como um Virgílio da nova mitologia.
Não morrerás,
não por seres Bento,
mas por teu talento.
A música escorre de teus dedos,
saltita sobre os teclados,
palpita e resfolega no fole,
cabriola no molejo moleque
do leque da sanfona,
evola-se pelos ares,
remexe as ondas dos mares,
sacoleja as folhas dos palmares,
se quebra e se requebra pelos bares
e remelexe no chamego e aconchego dos pares.
Não morrerás, cego Bento.