vacaria

 

da vacaria do Angelim - estrada de Palmeirais -

vinha o branco leite todo dia santo

o galo e seu canto clareando a manhã

de gente e vasilhames em fila: nós meninos

 

*   *   *  *

 

cada dia um de nós a cumprir seu dever

aqueles eram tempos, tempos de haver

(pai, mãe, algazarras, meninos, brinquedos)

o creme de leite fresco gerando manteiga

de se pôr em garrafas

 

 

lagoas marginais do rio Poty

 

os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas

os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas

essas quedam soterradas exatamente onde ergueram-se

luxuosos shopping centers e ventilados apartamentos

com varandas amplas, de onde pode-se contemplar

o majestoso pôr do sol, o resplandecente tapete verde de aguapés

sempre bem alimentado pelos esgotos não tratados

os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas

os aguapés e os sapos não moram mais nas lagoas

 

 

redemoinhos

 

o rio Parnaíba tragou o vizinho da rua 24 de janeiro. minha mãe nos falou: “o rio é perigoso, não tem cabelo. cuidado, muito cuidado”.

nós, meninos, não tivemos coragem de ir ver o corpo inchado, achado pelos bombeiros dias depois do desaparecimento.

naquele dia, dormimos com medo do rio. melhor, passamos a noite em claro. apavorados.

 

 

campeonato intercolegial de volleyball

 

sim

você pega a kombi

com o restante do time

 

chega naquela quadra quente

às duas da tarde

(para quê aquecimento?)

de um colégio público no bairro Sacy II

 

bate bola em dupla

faz uns saques

treina uns cortes junto à rede

 

agora é hora de começar o jogo pra valer

ficam os seis escalados

para iniciar a partida

 

o árbitro da federação piauiense de desportos apita

autoriza o saque adversário

você olha para o lado da quadra

e vê o Padre Ângelo esfregar as mãos

e falar: “vamos, vamos!”

 

Publicado na Revista da Academia de Letras do Brasil, Ano 2, Número 4, jul./dez., 2020, ISSN 2674-8495.