POEMA "RETENHO A ALMA DA MINHA CIDADE ENCANTADA", DE DIEGO MENDES SOUSA - UM ESTUDO DE ANA MARIA BERNARDELLI
Por Diego Mendes Sousa Em: 22/05/2024, às 10H58
Retenho a alma da minha cidade encantada
e o coração
de seus viventes na armadura
de um farol que busca amplidões
no choque entre as pedras
mansas e bravas
que se desprendem do azul oceânico
de um céu vazio
As águas refeitas são nuvens
de presságios que se iluminam
na sede de um ser doído,
cansado da guerra
contra si mesmo
E toda palavra reside
em seu globo de luz
assim como todo homem que nasce
no litoral vive do seu
sopro de mar, da sua raiz
de fundos longínquos
parada no etéreo
Lumar! Lumar!
Poema de Diego Mendes Sousa, extraído do livro de poemas "Velas náufragas" (2019).
=====
O poema "Retenho a alma da minha cidade encantada", de Diego Mendes Sousa, é uma obra rica em imagens e simbolismos, que traz à tona temas de latente Romantismo tal a visível imersão na natureza que valoriza a paisagem natural como uma extensão do sentimento humano.
O farol que "busca amplidões" simboliza a aspiração por algo maior e a busca por significado, elementos comuns na poesia romântica. A idealização do espaço e do sentimento também está presente no "céu vazio" e na "raiz de fundos longínquos parada no etéreo" - o espírito dos lugares e a ligação emocional entre o indivíduo e seu ambiente.
O poema é profundamente subjetivo, refletindo as experiências internas do eu-lírico. Além da integração entre natureza e sentimento humano que espelha um panteísmo romântico, onde a natureza é vista como um espelho da alma humana e como uma força viva que comunica com o indivíduo.
No poema "Retenho a alma da minha cidade encantada", de Diego Mendes Sousa, o uso efetivo de adjetivos contribui significativamente para a construção de uma atmosfera rica em detalhes sensoriais e emocionais. O autor se esmera na criação de imagens vivas. Os adjetivos "encantada", "viventes", "mansas", "bravas", "azul", "vazio", "refeitas", "doído", "etéreo" e "longínquos" ajudam a criar imagens sutis que transportam o leitor para o mundo do poema. Enriquecem a descrição, permitindo que o leitor visualize e sinta a paisagem descrita. "Cidade encantada", por sua vez, sugere um lugar mágico e idealizado, imbuído de um charme especial; assim como "Pedras mansas e bravas" contrapõe a tranquilidade e a agitação, refletindo a dualidade da natureza e das emoções humanas.
Aparentemente descritivo o poema dá o tom de sentimento plural - adjetivos como "doído", "cansado" e "longínquos" intensificam o tom emocional do poema, destacando a melancolia, o cansaço e a nostalgia do eu-lírico. Contribuem para transmitir o estado de espírito do poeta, tornando-o palpável para o leitor. "Ser doído" comunica uma profunda dor emocional, reforçando a sensação de sofrimento interno; "cansado da guerra" transmite um sentimento de exaustão emocional e mental, uma luta interna constante. "Céu vazio" evoca uma sensação de desolação e introspecção, um espaço vasto e sem respostas imediatas e "Águas refeitas" sugere renovação e transformação, um ciclo contínuo de mudança. "Farol que busca amplidões" simboliza a busca incessante por significado e direção, enquanto "Nuvens de presságios" sugerem previsões ou sinais do futuro, adicionando uma camada de misticismo ao poema.
Tudo na mais perfeita leitura do universo íntimo de cada ser humano.
Os adjetivos contribuem, pois, para a construção de uma atmosfera específica, que é ao mesmo tempo mágica e introspectiva. Definem o tom e a ambiência do poema, que oscila entre o encantamento e a reflexão – o uso de adjetivos também enriquece os símbolos presentes no poema, como o farol, as águas e o mar. Aprofundam o significado simbólico desses elementos, tornando-os mais complexos e multifacetados - características que contribuem para a qualidade lírica e a profundidade emocional do poema, alinhando-se com os traços de um latente Romantismo e enriquecendo a experiência do leitor.
*Ana Maria Carneiro Bernardelli é poeta, ensaísta, crítica literária e palestrante. Graduada em Letras, é professora especialista em Literatura Brasileira e Portuguesa, atuando por mais de 40 anos como professora de Literatura e Produção Textual e exercendo magistério desde o ensino básico até a Universidade. Também é Musicista certificada pelo Centro de Artes do Rio de Janeiro. Formada em Língua e Literatura Francesa pela Université de Nancy, França. É Membro da Comissão sul-mato-grossense de Folclore e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.