Planos de leituras
Por Cunha e Silva Filho Em: 27/10/2009, às 19H13
Cunha e Silva Filho
Leitor, você não pode comparar o nosso tempo, que vive sob o signo da urgência, com o tempo do século 19 ou até mesmo o das primeiras décadas do século passado ou de todo os séculos que remontam à descoberta da imprensa pelo alemão Joahnnes Gutemberg ( c. 1390-1468), embora você me possa responder com justificativas indefensáveis que, em qualquer fase da história da humanidade, somos nós que fazemos os nossos horários, os nossos esquemas e planos de leitura, porque, afinal, este artigo tem como núcleo temático ou provocativo a leitura ou a falta dela e suas consequências danosas.
Agripino Grieco (1888-1973), o temível crítico impressionista, famoso até por ter morado no subúrbio do Méier, que é atravessado pela antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, afirmara num dos seus livros, ou artigo, não me lembro bem onde, que Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde, 1893-1983)) – outro crítico grandioso, de orientação expressionista, do Modernismo, era daquele tipo de escritor que, toda a manhã, praticava uma ginástica intelectual que se lhe tornara hábito e que consistia em dedicar aquele período do dia a intensas leituras, seja de escritores brasileiros, seja dos bons autores estrangeiros, que lia no original. Era o que se chama de leitor compulsivo, lia intensa e extensivamente.
Há outros escritores brasileiros devoradores de livros, sacrificando até horas de descanso para poderem dar conta da leitura de tantos volumes. Confesso que não estou na lista desses leitores contumazes. Leio muito, mas dentro de uma normalidade, sem desesperos nem compulsões. Entretanto, admiro quem o é.Sou mesmo um grande adiador de leituras, o que é um defeito. Mas, vou ver se me corrijo desse defeito. Não se pense, no entanto, que sou um leitor indolente, pois costumo retomar as leituras já encaminhadas e as concluo rigorosamente.
A quantidade de livros que saem a cada semana e os lançamentos estão aí pra provar -, é imensa. Basta contabilizar cada caderno semanal de literatura nos jornais que ainda felizmente encontram umas poucas páginas para uso exclusivo de publicar resenhas, entrevistas, crônicas e notícias sobre o que estão publicando no país para concluirmos que o número é assustador. Impressiona o volume de novos livros, nos diversos gêneros, que são colocados ao repertório do leitor.
Imagine-se o que pensariam aqueles dois críticos antigos se hoje fossem vivos. Livros por toda a parte, de todos os tamanhos, de todos os gêneros, livros para todos os gostos, até para a falta de gosto. Não importa. Cada um que se imagina autor lá vai preparando seu volumezinho ou mesmo seu calhamaço, e haja publicações, e haja impressora! Pouco importa a qualidade. A falta de autores virou excesso de autores que, por sua vez, redundou em carência de leitores. Escreve-se mais do que se lê.
Não deixa de ser fascinante um estudo que relatasse o que está acontecendo com a vida editorial no país. Daria uma ótima pesquisa de campo, quiçá uma dissertação ou tese que fossem levantar dados refletindo a realidade do universo da história dos livros, que examinasse a imensa quantidade de livros impressos e sua contrapartida, a história dos leitores desses livros. Um exposição do percurso do livro desde a saída das oficinas impressoras até chegar às mãos do leitor. Isso sem se falar dos estudos de estética de recepção, e de outras campos de investigação literária dos nossos tempos.
A par disso, há ainda a concorrência assombrosa da internet, através dos blogs, dos e-books, das grandes bibliotecas virtuais, espaços gigantescos que chegam mesmo a atordoar o leitor perplexo diante de tanta massa de textos que se lhes colocam à disposição, bastando para isso dominar um pouco o uso do computador. Ultimamente, li de um jornalista ou escritor, ou crítico, não sei ao certo, que ninguém lê blogueiros, que estes escrevem para si próprios. Não concordo com ele. Sua crítica não deixa de ser um tanto cáustica e, por vezes, injusta. Há blogueiros e blogueiros, como há bons autores impressos e péssimos autores impressos e ainda há autores ruins que, não sei por que motivos, em escala mundial, vendem milhões de livros. Me tornei blogueiro, em razão de uma vantagem que eles têm : o espaço amplo, ilimitado que os jornais não nos permitem ter, já que o espaço no jornal é muito caro. O grande problema do blogueiro é que sua visibillidade demora para surgir. É preciso que sejam bem habilidosos e consigam ampliar o leque de leitores que o irão acompanhar e lhe serem fiéis. Dado esse passo, o blogueiro se tornará respeitado e até pode alcançar um grande número de leitores. Porém, é preciso que seu texto seja honesto intelectualmente falando, além de ter que ser atraente.
Me desculpe, leitor, se fugi do tema central do artigo, pois falei no início de plano de leitura. Entendo por plano de leitura aquela situação do leitor que, tendo de fazer leituras de autores-chave não o fizeram ainda por diversos motivos: falta de organização, falta de recursos financeiros para a compra do livro, falta de tempo, indisposição física ou psicológica, doença etc. Há ainda o fato de que são tantos os autores de importância ainda não lidos que o leitor em falta fica receoso de não ter tempo suficiente de vida para realizar tais leituras, o que lhe causará frustração.
Por isso, vejo como um gesto lindo de leitor compulsivo o do professor e escritor piauiense M. .Paulo Nunes, que, de vez em quando, diz em artigos de jornais ou mesmo em livros: “Leitor, antes de morrer, não o deixe de ler estes autores ”.
Um plano de leitura convém fazer-se, ainda que algumas vezes, por uma impossibilidade ou outra, não possamos cumpri-lo na íntegra. Uma regra última: afastem de si, leitor, o fantasma do adiamento. Não somos eternos.