Perdido e redescoberto
Por Maria do Rosário Pedreira Em: 09/09/2021, às 22H24
[Maria do Rosário Pedreira]
Toda a gente concorda que os horrores de Auschwitz e o Holocausto se tornaram um moda literária, fazendo com que se tenham vendido milhares de livros, sobretudo nos últimos anos, dedicados ao tema; e que essa circunstância levou a que se escrevesse todo o tipo de produtos melosos, xaroposos, perigosos e pouco rigorosos sobre um assunto que mereceria ser tratado com total respeito (graças a Deus, há muitas excepções). Mas este romance de que hoje vos falo, editado pela Cavalo de Ferro, deve ser lido por todas as razões, incluindo porque a prosa do seu autor, Ulrich Alexander Boschwitz, tem ressonâncias de Robert Walser e Knut Hamsun, e também porque ele sabe do que fala, pois foi um judeu contemporâneo do nazismo (morreu num navio no qual tentava fugir mas que foi torpedeado por um submarino alemão perto dos Açores). O romance, cujo manuscrito tinha sido enviado à mãe, acabou por ser discretamente publicado em inglês nos anos 1940 com pseudónimo, mas só recentemente foi redescoberto na Biblioteca Nacional Alemã e dado à estampa na sua versão definitiva. O Passageiro de que o título fala é um judeu que consegue por milagre escapar à Noite de Cristal (chegam a ir buscá-lo a sua casa, mas confundem um homem que o visitava com ele, permitindo-lhe fugir) e que, sem saber para onde se virar, deixa tudo para trás (a família e os negócios) e resolve apanhar comboios sucessivos e viajar sem destino preciso, numa aventura que tem muito de Kafka e, segundo o Figaro, mas não achei assim tanto, de Chaplin. A tradução é de Paulo Rêgo e este não é só mais um livro sobre Auschwtiz.