Pepe Legal, o anti-herói politicamente correto
Por Flávio Bittencourt Em: 05/11/2009, às 00H26
Pepe Legal, o anti-herói politicamente correto
Anti-herói dos desenhos animados de Hanna-Barbera, o personagem Pepe Legal era, entretanto, bem intencionado e politicamente correto.
D. Quixote e Sancho Pança. Ilustração de Gustave Doré.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Don_Quixote_de_La_Mancha)
"(...) Dom Quixote pode ser apresentado como mais digno de admiração, porém Sancho é mais cativante, porque sabemos que ele está mais próximo daquilo que nós somos. Sem ele, não teríamos Dom Quixote ou suas aventuras quixotescas." (Santiago Real de Azúa, http://www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?thisid=3559)
“- Dr. Smith é um personagem estranho: covarde, péssimo caráter. Mas recebi e ainda recebo centenas de cartas muito simpáticas, principalmente do Brasil, pelo meu papel em Perdidos no Espaço.”; “- Muito obrigado. Eu gostaria de ser tão bom artista como você” (Jonathan Harris (1914 - 2002), depois de Hebe Camargo apresentar-lhe "sua voz" por aqui, dirigindo-se ao imortal dublador sul-matogrossense Borges de Barros (1923 - 2007), http://www.mofolandia.com.br/mofolandia_nova/perdidos.htm). Obs. - Dublador de Pepe Legal no Brasil: Orlando Drummond Cardoso, hoje com 90 anos de idade.
Dedicatória
Aos geniais artistas Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho (Chico Anysio) e Orlando Drummond Cardoso - o "Seu Peru", da Escolinha do Professor Raimundo - , voz de Pepe Legal no Brasil, por ocasião do transcurso de seu nonagésimo aniversário, como expressão de máxima admiração, abraçando-os efusivamente e desejando-lhes muita saúde e vidas longas!
Dedico o presente esforço comparativo entre o livro de Miguel de Cervantes e o desenho de William Hanna & Joseph Barbera Pepe Legal, também, aos infelizmente já falecidos Jonathan Harris (nome artístico de Jonathan Charasuchine), ator estadunidense, e Fileto Borges de Barros, voz do "Doutor Zachary Smith" entre nós, dublador e comediante. Flávio Bittencourt
Brasília, 5.11.2009 - Como sempre repetia seu amigo burrico - que era mentalmente ágil e tinha sotaque mexicano - cujo nome era Babalu, o lento Pepe Legal (Quick Draw McGraw, na versão original, de William Hanna & Joseph Barbera) era inteligente, "mas lhe faltava pensamento".
Se as crianças tendem a se identificar com super-homens - procedimento marcado pela tentativa fantasmática de superação daquilo que Freud denominou castração -, o que as fazia vibrar com personagens desadaptados, numa sociedade envolvente nada favorável, ou seja, com personagens por todos considerados perdedores?
Há uma diferença fundamental entre Pepe Legal e, por exemplo, Zé Grandão [o urso bronco das estórias de Quincas, Mabel, o boneco de pixe e João "Honesto" ("'Uncle Remus' and his Tales of Brer Rabbit" ou "'Uncle Remus', His Songs and His Sayings: The Folk-Lore of the Old Plantation", 1881), sendo que os personagens citados são os da tradução brasileira dos relatos populares que Walt Disney recontou, a partir das citadas compilações do escritor Joel Chandler Harris (1845 - 1908)]. E a diferença entre eles é que Zé Grandão nunca tinha boas intenções. Era lento e mau aquele urso, completamente diferente, por conseguinte, de tudo aquilo que Pepe Legal significava no universo ficcional em que reinava, ao lado de seu amigo Babalu.
Há um lado gauche mesmo nos meninos que se consideram superpoderosos. Vivemos cercados de perigos. A escola é castradora. E os adultos, muitas vezes, oprimem os pequenos.
Politicamente correto por mostrar o personagem hispano-americano Babalu com sinal positivo, o sucesso, nos anos 60, dos desenhos animados com Pepe Legal e Babalu merecem estudos que estejam à altura do marco que significou esse discurso de ficção destinado ao público infantil e infanto-juvenil, onde impera aquilo que denomino "o elogio do banal". Mas a expressão não é adequada, uma vez que Pepe Legal era atrapalhado, mas não era banal. De outra forma, não teria cativado seus admiradores mirins. Nem os adultos, exaustos da obrigação de sempre se mostrarem vitoriosos, lá onde o "parecer" ultrapassa o "ser".
Observe-se que em Dom Quixote de La Mancha, publicado pela primeira vez em 1605, o personagem principal, Dom Quixote, deixa na sombra seu fiel escudeiro Sancho Pança. Em Pepe Legal, uma espécie de anti-Quixote, o "personagem principal", um "cavalo" - e Pepe Legal é um cavalo que anda à cavalo-não-antropomorfizado - funciona quase que "como escada" para o "secundário", que brilha diante dos desastres provocados pelo "cavaleiro" a que, também fielmente, serve. Evidentemente, o modelo de Pepe Legal é Dom Quixote, mas com a diferença apontada.
Santiago Real de Azúa, em seu artigo "Sancho Pança: a redenção do homem do povo" - http://www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?thisid=3559 -, deixa claro que "(...) Na profusão de artigos, palestras, conferências, gravações e filmes dedicados ao Cavaleiro da Triste Figura [por ocasião do transcurso dos 400 anos da publicação da primeira edição do clássico romance de Miguel de Cervantes y Saavedra (1547 - 1616), ou seja, em 2005], pouca ou nenhuma atenção foi dada a seu abnegado escudeiro, cuja forma roliça parece ter sido completamente eclipsada pela sombra alongada de seu patrão.
Prossegue o jornalista e crítico literário: "Esse não é um fenômeno novo. Sempre foi mais fácil e sedutor louvar o idealismo magnânimo de Dom Quixote, suas loucas façanhas e fiel devoção a seu amor abstrato do que valorizar seu companheiro sem brilho, com suas idiossincrasias e preocupações mundanas, seu raciocínio baseado em provérbios e sua família de carne e osso ('Quero voltar para minha casa, minha mulher e filhos, porque com eles, pelo menos, eu posso conversar e falar tudo o que eu tenho vontade… é uma coisa difícil… andar atrás de aventuras a vida inteira.')".
E conclui S. Real de Azúa: "Há algo injusto e simplista nessa tendência a associar todas as virtudes enaltecidas à figura de Dom Quixote. Os leitores devem lembrar que, para que tais virtudes se desenvolvessem e florescessem, elas tiveram de ser equilibradas por uma personalidade contrastante, e até oposta. (....)".
A esse autor não incomodaria um "Dom Quixote" perto do qual um igualmente hispânico "Sancho Pança" não ficasse eclipsado. A idéia é essa: Pepe Legal não incomodaria o crítico Real de Azúa, se este último se dispusesse a refletir sobre aquele personagem "equino" dos desenhos animados de antigamente.
Pepe Legal era mesmo um gauche na vida, enfim. Ou um "sapo cururu", como talvez o poeta Manuel Bandeira pensasse que com ele, o cururu, um grande excluído da lagoa, Pepe Legal se parecesse, se batráquio fosse. Bandeira, aliás, apresentou o famoso poema "Os sapos", de 1918 (publicado em 1919), retratando-se como um outsider, um excluído, um solitário, tornando-se um dos co-fundadores do Modernismo Brasileiro. Mas Pepe Legal não era um solitário, seu amigo Babalu sempre o apoiava. Como Sancho Pança fazia com Dom Quixote de La Mancha.
Personagem, hoje já com 50 anos de idade, dos desenhos animados do faroeste americano: Pepe Legal. Um dos heróis de minha infância, Pepe... legal!
"Pepe Legal - Quick Draw McGraw
Pepe Legal (Quick Draw McGraw) é o nome de um desenho animado de um cavalo antropomorfo, que era apresentado dentro de uma série animada que tinha seu próprio nome The Quick Draw McGraw Show, que foi a terceira produção de desenhos animados produzidos e criados pela Hanna-Barbera, depois de outros dois sucessos "The Ruff & Reddy Show" e "The Huckleberry Hound show". Ela foi apresentada originalmente nos Estados Unidos, entre 15 de setembro de 1959 a 3 de setembro de 1966, pela rede CBS entre 1959 a 1964 e depois pela ABC entre 1964 a 1966, em 7 temporadas de 30 minutos cada programa.
A voz original de Pepe Legal era executada pelo ator Daws Butler e a maioria de suas histórias foram criadas por Michael Maltese. O personagem Pepe Legal era um oficial do Novo México e usava a insígnia de Xerife. O personagem era muito parecido com esses filmes de baixo orçamento sobre o Velho Oeste americano e como xerife demonstrava ser totalmente inapto. Ele falava devagar porque era muito lento para pensar e quando finalmente conseguia sacar sua arma, ficava equivocado e geralmente acabava atirando nele mesmo.
Cada episódio da série era de aproximadamente seis minutos, o que permitia ser apresentado quatro episódios por programa de meia hora, incluindo os comerciais. Pepe Legal era freqüentemente acompanhado pelo seu ajudante, um burro mexicano chamado de Babalu, com um sotaque mexicano bem acentuado, que também era sonorizado por Daws Butler. Apesar de ser um burro, Babalu demonstrava ser muito inteligente. Uma de suas frases prediletas dizia "Pepe Legal é inteligente, o que lhe falta é pensamento", justificando as confusões que Pepe Legal sempre se metia.
Pepe Legal foi uma forma que a Hanna-Barbera encontrou para satirizar os westerns, que naquela época faziam muito sucesso, principalmente entre o público norte-americano. O personagem Pepe Legal era bem intencionado, mas ele geralmente mais atrapalhava do que ajudava. Na maioria das vezes era o seu ajudante Babalu, que era bem mais astuto, que acabava resolvendo o problema. Pepe Legal também era cheio de refrões do tipo "Oh Babaluuu", " .... e no no no se esqueça disso!" e outros, que se tornaram famosos.
Além de Babalu, o nosso herói tinha um cachorro chamado Rafeiro, que era o fiel amigo e companheiro de Pepe Legal, desde que ele recebesse um delicioso biscoito canino. Assim que ele recebia, ele ficava se contorcendo todo, cheio de felicidade. Fechava os olhos e começava a flutuar, depois descia suavemente acompanhado por um som celestial.
Outra coisa muito curiosa deste personagem era o fato dele ser um cavalo, mas andava somente com as patas traseiras e as patas dianteiras funcionavam como se fosse a mão, como um ser humano, assim era também com o Babalu. Muitas vezes Pepe Legal aparecia montado num cavalo de verdade, ou era visto abrindo os créditos do espetáculo dirigindo uma diligência puxada por um time inteiro de cavalos realísticos.
Em alguns episódios da série, Pepe Legal também assumia a identidade secreta do vigilante mascarado conhecido como "El Kabong", que era evidentemente uma paródia ao mascarado Zorro. Como El Kabong ele atacava os seus inimigos, não com uma espada, mas sim com seu violão e dando o seu grito de guerra onomatopaico "KABOOOOOONG!" ou às vezes "OLAYYYEEEEEE!" e sempre lançando seu violão chamado de "Kabonger" sobre a cabeça de seus inimigos.
Pepe Legal dividia as apresentações com outros dois segmentos dentro do programa The Quick Draw Show, o Bibo Pai & Bóbi Filho (Augie Doggie & Doggie Daddy) e um par de detetive chamados de Olho Vivo & Faro Fino (Snooper & Blabber). Depois que o programa The Quick Draw Show foi encerrado, Pepe Legal ainda continuou a aparecer em outras produções da Hanna-Barbera, inclusive em "Yogi´s Gang", "Yo Yogi", "Scooby´s All-Star Laff-a-Lympics", "Caspe'r´s First Christmas" e também em "Samurai Jack" e em "Yogi´s Space Race".
Pepe Legal apareceu em "Harvey Birdman, Attornye at Law" onde ele ia preso por fazer sátiras políticas sobre armas norte-americanas com seu violão. Mais recentemente ele fez participação como convidado especial num dos episódios de "Johnny Bravo". No Brasil esta série foi apresentada desde os anos 60 em várias emissoras e reprisadas desde então em diversas épocas.
Principais Fontes Bibliográficas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pepe_Legal
http://www.imdb.com/title/tt0244156/
http://www.tv.com/show/20183/summary.html
http://www.toontracker.com/huck/quickdraw.htm
http://www.toonopedia.com/quikdraw.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Quick_Draw_McGraw
http://es.wikipedia.org/wiki/Tiro_Loco_McGraw".
(http://www.tvsinopse.kinghost.net/p/pepe.htm)
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Sobre o autor citado:
"Santiago Real de Azúa é chefe da Seção de Imprensa do BID" (Banco Interamericano de Desenvolvimento). [O artigo de Real de Azúa foi publicado na Web em agosto de 2005 (http://www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?thisid=3559), já a foto reproduzida à esquerda e outro texto, este sobre jornalismo contemporâneo, estão no link adiante mencionado.]
Leia, se tiver tempo e interesse, artigo "Defesa melancólica de uma profissão em rápida transformação - Célebre jornalista polonês [Ryszard Kapuscinski] reflete sobre o futuro da imprensa", na Web em: http://www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?thisid=2747. A reflexão aludida encontra-se, de acordo com Real de Azúa, em Os cinco sentidos do jornalista, um opúsculo de 90 páginas, escrito pelo repórter R. Kapuscinski.]