PEDRO NAVA E O POETA DO "VELHO MONGE"
Por Jose Ribamar Garcia Em: 01/01/2024, às 22H25
PEDRO NAVA E O POETA DO “VELHO MONGE”
José Ribamar Garcia
O escritor e médico Pedro Nava (1903-1984), nasceu em Juiz de Fora e faleceu no Rio de Janeiro. Suicidou-se com um tiro de revólver na cabeça, sob a sombra escura de um oitizeiro da Rua da Glória, no bairro homônimo da Zona Sul carioca. Quase em frente ao prédio em que morava. Deixou uma obra memorialista de sete volumes, que o elevou ao time principal desse gênero literário. Tanto pelo estilo quanto pela forma da narrativa.
Foi em Belo Horizonte, final de 1914. Tinha 11 anos quando conheceu Da Costa e Silva (1885-1950), levado à sua casa pelo tio jornalista e escritor Antônio Sales, amigo do poeta. E Nava, assim, registrou o encontro:
“Nunca me esqueci da noite em que acompanhei tio Sales a uma casa perto do Anglo, onde ele foi visitar homem de feia catadura, casado com uma linda moça. Era o poeta Antônio Francisco Da Costa e Silva, cuja cara amarela parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca. Estava recém casado com a bela Alice Salomon, a dos cabelos mais negros que a asa da graúna, das pupilas noturnas, do rosto oval, da pele de leite, do pescoço de cisne e do colo-de-alabastro-que-sustinha. Linda, assim, mesmo linda, não via o Quasímodo e apaixonara-se pelo talento e pelo estro do vate simbolista - cuja fisionomia trancara-lhe a carreira diplomática. Era o que corria...”
E prossegue, contando a discriminação preconceituosa perpetrada pelo Barão de Rio Branco contra Da Costa e Silva:
“... Fora (Da Costa) várias vezes indicado para o Itamarati e sempre com boas proteções. Rio Branco, contra. Até que o nosso Dá, exasperado, enchera-se de razões e de coragem e fora interpelar o implacável Barão. Ousou perguntar-lhe, afinal, o que tinha contra ele. Eu? nada, meu caro amigo. Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belos homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamarati, não! o senhor aqui não entra. Tire seu cavalinho da chuva. Hoje, que o Paranhos virou estátua, podemos replicar. Belos, belos – vá lá... Quanto ao talento, nem tanto, Barão. Um ou outro... Pois foi nessa visita à casa do aedo que passei por grande vexame. Já saí de casa inundado de água com açúcar. Na cidade, tio Sales pagou-me água de coco. Em casa do poeta, a D. Alice ofereceu refrescos de maracujá aos grandes e deu-me uma garrafa inteira de soda. Setecentas e cinqüenta gramas daquela delícia efervescente. Eu estava encantado, ouvindo a conversa das xarás – que minha tia também era Alice – e a palestra dos dois Antônios. O cearense ouvindo, o piauiense apontando a distância, declamando e conclamando: ao Zodíaco, ao Zodíaco... Mas qual Zodíaco. O que eu comecei a sentir foi a ação diurética de tanto líquido, mais, mais, mais forte, ao zodíaco, ao zodíaco e, num último esforço vão, abandonei-me e inundei minhas calças, a cadeira, o chão da casa – para as gargalhadas do Da Costa, vergonha de minha tia, indignação de meu tio. Por que não pediu? menino! A D. Alice, maternal e risonha, é que me levou para dentro e entregou-me à criada divertida que enxugou minha roupa a ferro enquanto eu esperava enrolado num lençol. Nunca mais pude encarar o poeta nem a beldade sua esposa. Quebrava esquina. Estudante de Medicina, essa história ainda me perseguia, contada em Belo Horizonte, pelo Evaristo Salomon”. ( Em “Balão Cativo – Memórias/2”, de Pedro Nava, 2ª Ed., p. 179/171, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1974)
O que a vida sonegou ao Da Costa e Silva, nascido em Amarante-Pi e falecido no Rio de Janeiro, concedeu ao filho Alberto da Costa e Silva. Este ingressou no Itamarati por concurso público e alcançou o topo da carreira. Tornou-se um grande embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras.