[José Ribamar Garcia]                                                                                                                                               

 

          Hoje, à tarde, eu e Roseli localizamos o famoso Pau-Ferro, objeto da crônica “Sugestões para presente”, de Carlos Lacerda, inserida no seu livro “Cão Negro”.  Fica em frente ao prédio número 64 da Rua Marquês de Olinda, em Botafogo.

           É uma árvore imponente. De madeira dura, de lei. Muito alta, galhos grossos e consistentes. Alguns retilíneos e outros arqueados, que se abraçam, se entrelaçam entre si,apresentando um conjunto harmonioso. Dois deles se juntam e formam naturalmente um círculo como se fosse um grande anel. A copa, segundo o cronista, tem 37 metros de diâmetro e sombreia o local, ensejando uma quietude convidativa à contemplação, à meditação. Plantada em 1864, por Antônio Soares Ribeiro, no quintal da sua casa. Esse senhor era sogro de Joaquim Nabuco, e foi nessa casa que o autor do clássico “O Estadista do Império” contraiu matrimônio. Demolida anos depois, para dar lugar a este prédio de vários pavimentos.

            Esse Pau-Ferro, de século e meio, é testemunha viva de pedaços da história da família Nabuco e, sobretudo de Botafogo.  Não do time de futebol que brilhava com Didi, Nilton Santos e o genial Mané Garrincha. Mas, do bairro que era de passagem e se tornou permanente, independente, desenvolvido social e economicamente. Houve época, que tentaram derrubá-lo sob o pretexto de que era grande demais.  Como se vê, não é de hoje o triste e lamentável hábito de não se preservar as árvores da cidade, e menos ainda seu patrimônio histórico. Diante da reação dos moradores locais, conta Lacerda que “um secretário da Agricultura” chegou a concordar com a derrubada, desde que não produzisse mais sementes.  Foi salvo porque ele ainda fertilizava – e de montão. Inclusive espalhando vagens pela rua e pelo quintal da casa dos Nabuco.

          Tanto que, no Natal de 1971, Lacerda recebeu de presente do seu amigo Maurício, filho de Joaquim Nabuco, uma “mudinha” da árvore.   Quando a cidade do Rio de Janeiro perdeu o status de capital da República, como consolo, elevaram-na à condição de Estado, passando aEstado da Guanabara. Carlos Lacerda foi eleito seu governador. Um dos seus primeiros atos foi ocupar espaços vazios com parques arborizados e evitou a destruição do Parque Lage, cobiçado pelos senhores Roberto Marinho e Arnon de Melo (pai de Fernando Collor). Queriamesses dois construir no local, a princípio um cemitério vertical, posteriormente, conjuntos residenciais. Isso é outra de tantas outras histórias daqueles idos de 1960. Como governador resolveu o problema crônico da falta de água, de luz, de telefones, que torturava os cariocas. Haja vista as denúncias e sátiras da época, contidas nas marchinhas carnavalescas e nas comédias cinematográficas da Atlântida. Atuou com probidade e eficiência em todos os setores (transporte, comunicação, educação, saúde...). Criou nova mentalidade no funcionalismo, com a adoção de concurso público e ascenção meritória. Mudou a cara e a alma da cidade. Pelo seu dinamismoe lisura no trato da coisa pública entrou para a História como o melhor governador brasileiro de todos os tempos.                  

         Não ganhei uma mudinha, mas ganhei um cacete de Pau-Ferro feito pelo meu amigo Antenor Rêgo Filho, que conservo ao lado da estante de livros.  Recentemente, um grupo de biólogos paulistas descobriu que a casca e as folhas dessa árvore têm efeitos medicinais, especificamente para a cura de úlceras. Portanto, sua utilidade vai além da simples ornamentação.      

       Esse Pau-Ferro carioca me levou a outro, ainda jovem sem uma copa definida, que havia no quintal da nossa casa em Teresina. Lá, ele atendia - ou atende - pelo nome de jucá.  Eu retirava dele um galho roliço com o qual fazia um cacete de quase 60 centímetros de cumprimento para brincar de espadachim. Esgrimia sozinho. Os movimentos e o invisível adversário ficavam por conta da imaginação.  Depois, percebi que serviria também de arma contra algum moleque maior do que eu que ousasse me atacar.  Sim ou não, aonde eu ia o levava comigo.  Num mundo em que a maldade já rondava livre, com o quê mais o menino solitário poderia contar?