Paredão sonoro
Por Bráulio Tavares Em: 29/03/2012, às 12H43
[Bráulio Tavares]
O poeta Jessier Quirino desencadeou um movimento, na cidade de Itabaiana, em defesa do carnaval pacífico da população, ameaçado por uma prática tenebrosa do mundo de hoje: a invasão das ruas, das praças e das praias por carros munidos de gigantescas e ensurdecedoras aparelhagens de som. Segundo Jessier, os responsáveis por essa calamidade estacionam os carros, colocam seus “paredões” um ao lado do outro e fazem uma disputa pra ver quem consegue tocar música num volume mais alto. Não é preciso dizer que qualquer bloco ou troça carnavalesca não consegue ser ouvida (ou ouvir a si própria) se estiver no raio de algumas centenas de metros desse apocalipse sonoro. Resultado: ninguém na cidade brinca mais carnaval, somente uma dúzia de donos de “paredões”, que se instalam no centro da cidade, e produzem um tsunami de decibéis de tal ordem que algumas casas de Itabaiana tiveram suas paredes rachadas.
Isso não passa do crescimento de uma tendência que há muitos anos vem incomodando a Paraíba. (Incomoda o Brasil inteiro, mas fiquemos por enquanto no nosso raio de escuta.) Qualquer sujeito que tem dinheiro para comprar um carro e enchê-lo dos altofalantes mais potentes do mercado considera tão importante essa façanha que a cidade inteira precisa tomar conhecimento dela. Em João Pessoa estou cansado de ver, no calçadão da praia, o carro estacionado no meio-fio, todas as portas abertas, a tampa da mala levantada, o som bradando num volume insuportável, e o cara sentado na mureta, tomando cerveja sozinho e olhando pro carro. Não existe imagem mais patética da solidão urbana.
Claro que não são somente os solitários. Tem os folgados que andam de turma. Encostam o carro num bar cheio de pessoas conversando, escancaram as portas do carro, ligam o som em todo volume. Sentam os 4 ou 5 numa mesa, pedem duas águas e um prato de tiragosto. Trazem do carro um isopor cheio de latas de cerveja bem geladas e ficam ali, bebendo e ouvindo Chico Buarque ou Mozart em todo volume. E ai de quem for pedir para que eles abaixem o volume. Na melhor das hipóteses, ouve um “Você sabe de quem eu sou filho?”. Na pior, leva uma camada de pau.
Aliás, não é Chico Buarque nem Mozart que esse pessoal escuta, mas, mesmo que fosse, a grosseria e a estupidez seriam as mesmas. A poluição sonora produzida por esse pessoal (e juntem a eles os insuportáveis carros-de-som de propaganda, que fazem o que querem) é o indício de uma época em que manda quem tem dinheiro e truculência. No século 20 temia-se que as hordas selvagens (os pobres da periferia) destruíssem a sociedade. No século 21, as hordas são de ricos; o mundo será destruído de cima para baixo