[Maria do Rosário Pedreira]

O mundo está cada vez desengraçado, sobretudo desde que, em plena democracia (pelo menos, em teoria, é uma democracia), o que começou por ser um politicamente correcto cheio de boas intenções passou de repente a crítica feroz a determinado tipo da linguagem, mesmo inocente, que leva depois a uma permanente autocensura e a um cuidado excessivo que nos retira qualquer espontaneidade. Li, consternada, a notícia de que num hospital do Reino Unido as parteiras foram aconselhadas a prescindir da expressão «leite materno» para não ostracizar pessoas transgénero e abranger famílias não tradicionais (e cito: «incluindo agenderbigender e genderqueer»), substituindo-a por «leite humano», que é uma coisa que, na minha modesta opinião, cheira quase a filme de terror. Mas, se a arte parecia uma coisa à parte, livre desta «censura» da linguagem, desenganem-se. O medo de ofender chegou à literatura (em certos países mais do que noutros) e deve estar presente na cabeça dos escritores norte-americanos todos os dias. Agora, que tenho mais livros de autores que publico em, Portugal traduzidos noutras línguas, nomeadamente em inglês, tenho verificado que certas metáforas até algo ingénuas (como, por exemplo, referências a índios e cowboys em brincadeiras infantis) são mal acolhidas pelos tradutores norte-americanos, que as acham inaceitáveis e ofensivas para os nativos, pedindo simplesmente para as omitir ou permitir a troca por outras, mais amigas das minorias. Se um autor estiver, por isso, apostado sobretudo em internacionalizar-se, cuidado, pois em certos países vai ter de abdicar de muito do que escreveu.

Deixo o link donde tirei a notícia para que alguns comentadores vejam que aqui as expressões são mesmo as que citei:

https://zap.aeiou.pt/hospital-pede-que-parteiras-nao-digam-amamentacao-e-leite-matern-380356?fbclid=IwAR1B4K9b3wP7RYMo27wfFK4hhe4QkUTgRCst-0NYA3VXUyckhChT-l0cQ7w