Palavras perigosas

Gabriel Perissé


As palavras dizem mais do que queremos expressar. São mais sinceras do que nós. Desnudam, às vezes sutilmente, às vezes despudoradamente, aquilo que gostaríamos de ocultar. Ocultar dos outros e de nós mesmos.

Certa vez, conversando com o diretor de uma faculdade, ouvi a comparação: “Olha, professor, este curso é o nosso carro-forte...” Estranhei. Na hora não entendi a minha própria estranheza. Mais tarde a ficha caiu. O diretor quisera dizer “prato forte” ou, quem sabe, “carro-chefe”... Como, na verdade, o interesse era mais comercial do que acadêmico, a linguagem se encarregou de denunciar: o curso em questão era o carro-forte mesmo!

Recentemente, um automóvel roubado foi recuperado por policiais na rodovia Régis Bittencourt, em São Paulo. Na placa adulterada, a pista, a prova do crime. O número MHM 0058, tudo bem. A localidade, porém... “Frorianópolis”, e não Florianópolis (veja a foto da placa em http://img.terra.com.br/i/2006/06/16/356762-3659-cp.jpg). O crime ortográfico não compensa...

Há alguns anos, um amigo terminava o mestrado (estava com o prazo esgotadíssimo), e pediu para que uma pessoa digitasse a dissertação. Era um interessante estudo sobre as relações entre economia e comportamento humano. Analisava o modus vivendi em países como Rússia, China, Polônia, a tentativa de empresas ocidentais aproveitarem a brecha, mais ainda, a queda do Muro. E a moça da digitação se enganou várias vezes, trocando “consumismo” por “comunismo”. Frases inesquecíveis quase levaram meu amigo à reprovação.

No ano passado, num daqueles estarrecedores interrogatórios transmitidos pela TV em cadeia (opa!) nacional, perguntaram a Delúbio Soares quando ele e Marcos Valério haviam se conhecido. A resposta não poderia ter sido mais reveladora: “Nós nos conhecemos em meandros de 2002...” Silêncio... Ouvimos o que ouvimos? Não teria sido em... meados de 2002? Entrevemos os meandros do poder, o escuso, o retorcido, os conúbios. E a linguagem, cheia de lábia, furando discursos premeditados, pensando o que pensamos sem pensar...

Palavras perigosas. A partir de agosto ficarei atento aos discursos dos candidatos às eleições presidenciais. Quero ler nas linhas e nas entrelinhas o que têm a dizer. Ou melhor, o que não gostariam de nos contar, mas, sem querer querendo, acabarão por nos dizer.

Conversava na semana passada com um motorista de táxi, no Rio de Janeiro, e perguntei-lhe em quem iria votar este ano. Ele me olhou, avaliou o interlocutor, e soltou, com sorriso matreiro, o palavrão disfarçado: “É rocha!”.