[Maria do Rosário Pedreira]

Nas Correntes d'Escritas ouvem-se sempre histórias belíssimas, dessas que, claro, podiam estar dentro de um livro; e o problema é que geralmente são tantas em tão pouco tempo que esta minha cabeça senil já não consegue identificar quem contou o quê e, neste caso, o autor da história que me perdoe por não ser aqui nomeado. Numa das mesas, alguém falou de uma avó antiga, que já estava velhinha e viera viver para a cidade para estar mais perto dos filhos, em casa de quem, por falta de coisas para fazer, rezava todos os dias o terço. No início, rezava pelas amigas que ainda estavam vivas, mas, ao fim de um certo tempo, as amigas foram morrendo,  e a avó decidiu que podia rezar pelas pessoas da sua aldeia com quem tinha convivido e de quem tinha muitas saudades. Começou, pois, rua por rua, a ver quem morava em cada casa e a rezar pelos respectivos habitantes. No entanto, ao fim de algum tempo, chamou a filha, preocupada, e disse-lhe que se calhar o melhor era passar a rezar pelos mortos. E, quando esta quis saber o porquê daquela decisão, respondeu apenas: «É que lá na aldeia há ruas inteiras que já morreram.»