Cunha e Silva Filho


            Não há conserto para o Brasil. Um exemplo danoso vem, agora, de um dos três poderes, justamente aquele que deveria ser o mais rigoroso com a decência pública: o Supremo Tribunal Federal (STF) Um membro do Supremo que, por sinal, foi escolhido pelo ex-presidente Collor, concedeu uma liminar com a qual funcionários da Câmara dos Deputados que haviam tido seus faraônicos salários reduzidos para patamares mais modestos, recuperaram, agora, os mesmos altíssimos vencimentos.
           Se o ministro do STF argumenta que apenas cumpriu a lei constitucional, então esses funcionários foram reabilitados financeiramente de forma legal. Porém, não sabe o ministro que o legal não é muitas vezes justo. Não é correto, é imoral. E a Constituição Federal, posto seja o instrumento maior dos direitos e deveres do cidadão, não é obra de inspiração divina, mas obra humana e, portanto, falha, incompleta, injusta e passível de modificações e emendas que, à medida que o tempo passa, tem que ser atualizada com o objetivo precípuo de proteger a sociedade.
          O ministro em causa cometeu um tremenda injustiça com a cidadania brasileira, principalmente se levar-se em conta o quanto ganha um funcionário público federal, um professor universitário, um professor do ensino médio, um médico, um cientista, um pesquisador em diversas áreas do conhecimento humano, com diplomas de doutorado e até de pós-doutorado. Nem que estejam no último nível de atividade, esses profissionais, que tanto bem fazem ao Estado brasileiro e à sociedade, estão longe de receber vencimentos estratosféricos à custa do Erário Público.
        Quem são esses privilegiados, o que fazem pelo bem da nação, eles que trabalham em instituições representativas do povo e que, por isso, têm que dar exemplo de virtudes, de equilíbrio e de austeridade. A mídia noticiou o fato, entrevistou o homem comum na rua e a resposta foi sempre de indignação contra atos dessa espécie. Nenhum governo se faz respeitado quando permite que regalias deste jaez aconteçam. Os privilégios excessivos atribuídos financeiramente a funcionários marajás no país da impunidade, da violência extrema e da desfaçatez de políticos só infundem no espírito da nação sentimentos de rancor, de desesperança e de desprezo pelas instituições governamentais.

       Ora, salários de vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil reais e até mais só provocam repúdio total do homem brasileiro que trabalha duramente para, no final do mês, receber minguados salários e pensões miseráveis que não lhes permitem nem mesmo comprar remédios para a a saúde alquebrada e uma velhice cheia de carências de toda a sorte.
     Um país que age assim não pode ser levado a sério, nem pode atingir um elevado grau de civilização e de cultura. Não conheço tempos tão frívolos quanto os que enfrentamos atualmente no Brasil. Alguém pode rigorosamente chamar de democracia a um país que é tão desigual com seus filhos? A democracia se arranha profundamente quando nela persistem os sempiternos desmandos governamentais e abusos no uso da leis. A farra dos salários astronômicos de uma casta privilegiada de funcionários encravados nos três poderes de Brasília é um chute na cara dos cidadão brasileiros que constroem esta nação.
     Acabou-se o tempo da história republicana brasileira em que, no Senado e na Câmara dos deputados, pontificavam congressistas competentes, éticos e homens de palavra, políticos de vocação e voltados para o aperfeiçoamento do Estado brasileiro, ministros do STF e de outros setores federais que se distinguiram como figuras de grande reserva moral, com se dizia antigamente.A política brasileira ficou confinada, em grande parte, a politiqueiros, arrivistas e aventureiros que, no Planalto, se instalam para se locupletarem e se aproveitarem das mordomias de seus mandatos e da influência de suas funções. Daí tantos escândalos surgidos na política nacional em conluio com o setores privados resultando nos mensalões da vida.
     Enquanto persistirem os altos índices de analfabetismo puro ou funcional, de escolaridade de baixa qualidade em geral, de falta de consciência política e de cidadania, enquanto votos forem dados a candidatos demagogos, populistas, despreparados para suas funções de alta responsabilidade cívica, enquanto o voto continuar sendo “comprado,” "traficado," malbaratado pela ausência de patriotismo da sociedade, elegeremos políticos sem vocação nem dignidade - oportunistas que, ao final dos mandatos, deixam atrás de si a mancha nauseabunda da corrupção, do desrespeito ao povo, do autoritarismo e da indignidade popular. Isso não é nem será nunca o que entendemos como democracia no sentido mais genuíno de “governo do povo, pelo  povo e para  o povo.” (Abraham Lincoln, Discurso em   Gettysburg a 19 de novembro de 1863) 
    A história mundial no passado e no presente tem demonstrado que as democracias não se sustentam quando se sobrepõem à vontade da soberania popular, quando governantes esquecem o princípio fundamental, que é governar afinado com as aspirações da sociedade unida, coesa, solidária. As democracias só caem quando a sociedade se divide demais, provocando confrontos ideológicos, econômicos e dissimetrias exageradas de renda individual na sociedade, as quais podem se encaminhar para perigosas lutas de classes e profundos fossos sociais. A democracia pode cair ainda quando, no centro do poder, se aninham prerrogativas de abusos e regalias palacianas, que custam milhões aos cofres públicos em flagrante desrespeito e indiferença às condições precárias da vida social. O Brasil está vivendo esta realidade e não está dando a devida atenção a uma possível dura resposta das urnas que se aproximam minuto a minuto.