OS POETAS  SYLVIO FIGUEIREDO E LII LEITÃO:  EPÍGONOS, SIM, MAS NEM TANTO.

RESUMO:Este ensaio  tem como  eixo central  realizar  um estudo  comparativo acerca de dois poetas fluminenses quase esquecidos, senão inteiramente  das  gerações, Sempre residiram em Niterói. Seus nomes: Sílvio Figueiredo (1 891-1972) e Lili Leitão (1901-1936), cujo nome por extenso era Luis Antônio Gondim Leitão .Grandes amigos, trabalharam juntos  com  o  objetivo de conseguir  publicar  os  seu  poemas  sob   o título  Sonetos (1913). Seu  desejo  foi cumprido  e os Sonetos finalmente,  publicados, em 1913, pela Livraria Editora Jacinto  Silva. Ficou mais que  comprovado  o papel saliente  de ambos no tocante ao que ocorria no restaurante  Café Paris, frequentado que era por boêmios, artistas, escritores do ambiente intelectual niteroiense. Era a época em que o Café Paris  atingiu seu apogeu durante  três décadas do século passado, quando o ambiente divertid.o  alegre e descontraído desses grupos  que lá  se juntavam  no período  conhecido como a Belle Époque, os anos vinte e trinta até, aproximadamente  os fins da década de 1931. Por conseguinte, os grupos de poetas divertidos e talentosos daquele período desfrutavam do prestígio da vida  intelectual niteroiense, sobretudo, considerando as duas figuras mais proeminentes  enfocadas neste ensaio que pretende empreender uma análise comparativa  entre a   poesia de um e de outro desses dois poetas de Niterói,  realçando-lhes  as diferenças  e similaridades,  quer na dicção, quer nos temas por eles explorados, i.e.,  examina  as estruturas,  estratégias  e   artifícios retóricos  de  cada um no tocante ao  uso de uma forma  fixa de  poema,  o soneto. Poder-se-ia acrescentar que esses grupos de escritores habitués do Café Paris oportunizam uma excelente pesquisa de um farto material literário a pesquisadores interessados em novos trabalhos acadêmicos  voltados  a investigar  a   poesia   e os valores estéticos  desses  poetas como também de outros mais que frequeantara  o Café Paris.

Palavras-chave: Café  Paris – poetas – Niterói – poemas -  sonetos

ABSTRACT.  This essay has its main axis focused on a compartive study  of two poets  almost, if not all,  forgotten  by  present generation.They  lived all their lives in Niterói, RJ. S Their  names: Sílvio Figueiredo (1891-1972)  and Lili Leitão(,890-1936),  whose full name was Luis Antônio Gondim Leitão. Both were close friends and even  worked together with the purpose  of  having  their sonnets  published   under the title  of Sonnets.This desire  was carreid  out and  the  book was finally  edited by  the  publishing  company in Rio de Janeiro, called Livraria Editora  Jacinto Silva,1913. It goes without  saying  that they played  important  roles  as far as  literary  life  is concerned   on what happened in a well-known and quite frequented restaurant, the Café Paris, by  boheimians, writers and artists from the intellectual circle of Niterói. The time  the Café Paris   had its pick of fame   dating  back to the three decades of last  century.both  of them gathereed together   in the night life of the Café Paris    formed an   amusing  and talented  group of  intellectual life   took  place   during  the life span  that corresponds  to  the so-called self-indulging  years of  Belle époque, a period between the  twenties and thirties  that elapsed around   the end of  1931  in our country.  Therefore,  both poets  were, so to speak,  highly regarded and   leading figures in the literay  life  of Niterói. This essay  aims at   presening  a comparativce study of the  two  friends by showing their similarities  and their diffrences traits,  of dictions and diversifed  themes. i.e.,  as to the  structure  of their poems and rhetoric  devices and strategies  in the as well  useo of a fixed form  of  literary  compostion, the  sonnet. One might add that the groups of  writers  who were Café Paris’s goers offers an  excellent and pleasant  opportunitiy  for researches interested on  the aesthetic values  of the these poets as well other poets who also   joined Café Paris  

Café Paris – poets – Niterói -  poema – sonnets

 

Amos Coêlho

11 de mai. de 2024, 09:24 (há 1 dia)

 

para mim

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       Tinham apenas vinte e dois anos e vinte e três anos, respectivamente, Sylvio Figueiredo  e Lili Leitão  quando publicaram,   em 1913,  pela Livraria  Editora  Jacinto Silva  a obra Sonetos, reunindo, na primeira parte, vinte sonetos do primeiro e,  na segunda parte,  igualmente  vinte sonetos de Lili leitão. Na capa, os nomes dos dois poetas    aparecem, na segunda parte, separada da primeira, surgem os sonetos. No corpo do livro, os sonetos de Syílvio Figueiredo  não apresentam  títulos. São  apenas indicados  por algarismos romanos de I a XX.. Na segunda parte,  separada da primeira apenas com a indicação Sonetos, estão reunidos os vinte sonetos de Lili Leitão, todos exibindo títulos em sua maioria dedicados  a alguém do convívio ou amizade do autor. 

           Sylvio Figueiredo e Lili Leitão são intelectuais que formaram parte do festejadp grupo de frequentadores noturnos da vida intelectual de escritores, artistas, jornalistas do velho Centro de Niterói, cujo espaço  compreendia   o Hotel Restaurante e o Café Paris, segundo  informações do historiador Wanderlino Teixeira a  Leite filho. A Roda teve duração de,  pelo menos,  três décadas visto  que só acabou  depois de um incêndio de  1933, que se alastrou até  atingir as proximidades do local  em que os concorridos  encontros se realizavam. Entretanto, em menos de dez anos,,  com a demolição de prédios  no entorno  e com a abertura da Avenida Amaral Peixoto, a famosa Roda deixou  de existir.

         À primeira vista, o conjunto de poemas oferece alguma confusão de autoria para o leitor caso não fosse este orientado pelas indicações de alguns sonetos republicados  na obra  humorístico-jocosa de Lili Leitão, Vida apertada (1923), ou por outras  pistas informativas  colhidas em  obras  de estudiosos desse admirável  escritor. Comediógrafo e exímio   improvisador  nascido em Niterói.

            Sabe-se que a breve coletânea Sonetos não foi bem recebida  por alguma crítica  da  época. Todavia,  Isso não é motivo  bastante  sólido para que se revisite essa obra  em aos olhos de hoje  se possa reavaliá-la sob novas  perspectivas de interpretação  e de julgamento  crítico.

          Alguém já afirmou  que a literatura  não se  forma apenas  de gênios,  de grandes  talentos. Escritores chamados menores  muito  têm a ensinar aos críticos e historiadores literários, até mesmo   no processo de  avaliação  crítica, no  estudo  comparativo entre autores, os menores, os que os ingleses chamam de minors,  para diferenciar dos majors,  dos maiores, são  balizas  necessárias à avaliação e,  por conseguinte,  jamais podem ser   subestimados    nem muito menos alijados das historiografia  literária. Outro dado contraproducente na avaliação dos  menores bem poderia   estar associado  ao critério  subjetivo e, portanto,  precário, de algum historiador ou crítico, ou seja, o que é  menor para alguns, não o é para outros. As nossas histórias  literárias, mesmo  as mais  qualificadas,  têm  com frequência   incidido  neste erro de classificação   valorativa de autores, quando não de  crassa  omissão de escritores  com reconhecido  valor literário. Poderia citar alguns exemplos dessa deficiência historiográfica. Confio, porém, na argúcia do estudioso  e pesquisador  para confirmar  ele próprio esse fato.

        Luis Figueiredo e Lili Leitão, no primeiro decênio  do século  20, imagino,   eram amigos e cúmplices nas incertezas da vida  literária e da própria  sobrevivência Um dia,  decidem editar, num mesmo volume, os Sonetos de 1913. Culturalmente, seu tempo se situa na chamada Belle Époque, a  qual, na Europa, terminaria com a Guerra de 1914 e, no Brasil,  se estenderia além de 1930.

      Os dois poetas  niteroienses se afirmariam, nos seus redutos  provinciais,  num período de grandes transformações nas artes ocidentais,  com o surgimento das vanguardas e com todos os seus  desdobramentos  em outros  países,  inclusive no Brasil. Literariamente,  aqui  no país,  passávamos  por um  tempo  literário  de coexistência de estilos  epigônicos,  como  o Neorromantismo, Neosimbolismo,  Neo-parnasianismo  de formas  e  temas, ou melhor,  de sincretismo   nas letras, na  poesia, sobretudo.

Sylvio  Figueiredo e Lili Leitão,  com as suas obras,  não  chegaram,    como  na maior parte de  autores  da província, em qualquer  estado brasileiro, com raras exceções,  a níveis   de  aceitação das maiores figuras  de escritores  que, no Rio de Janeiro, na Metrópole, conseguiram  a fama e o reconhecimento a ponto de, nas histórias literárias, serem  citados  e comentados.

        Da mesma forma que grandes nomes de escritores provincianos não ultrapassaram, em sua maioria, os limites  da província natal, os exemplos de Sylvio Figueiredo e Lili Leitão praticamente só se firmaram um  Niterói e nas suas  rodas literária e de grupos de boêmios noctívagos itinerantes, de talento sim, mas não a ponto de ganhar  notoriedade nacional ou pelo menos nesta caixa de ressonância que sempre  foi a cidade do Rio de Janeiro, na época, capital da República  Velha (1889-1930).

Isso, contudo,  não  me parece nenhum  desdouro  às figuras dos   dois escritores  objetos dessa  exposição.O sentido  deste  estudo, ao contrário,  é o  de  recuperar para o  leitor  atual  uma parcela  da  produção  desses autores  e dela  extrair o que  de permanente   ou de original  neles se pode  buscar na  oportunidade  em que  intelectuais  nascidos  ou  radicados  na “Cidade Sorriso” estão  empreendendo  uma  justa   retomada  da obra  um tanto esquecida  de dois autores  que sem dúvida  em  muito  ajudaram  a formar  o espólio   da produção  literária  e artística  de Niterói e do  estado  fluminense.

        Um passo nessa  direção   já foi  dado com  a publicação recente, segunda edição (2009)   da obra Vida apertada de  Lili Leitão  pela Editora  Nitpress, num esforço meritório e oportuno  do   organizador da edição crítica, o professor e ensaísta Roberto Karhlmeyer-Mertens,[3] que reuniu sonetos humorísticos de Lili Leitão num volume  único  contendo – diria  quase   exaustivamente  -  o que de melhor  se poderia   recolher   da fortuna  crítica  do poeta com  importantes  trabalhos de cunho não acadêmico  e ensaios de especialistas  e críticos  de [4]literatura, a par de contar ainda com um indispensável  Glossário fundamentado no léxico de Vida apertada criteriosamente preparado pelo  professor e estudioso da lexicografia, Luiz Antonio Barros, com uma  cópia fac-similar da obra,  notas do  organizador,  cronologia do poeta, bibliografia ativa e passiva do poeta e índice onomástico e analítico.

      Não é meu intuito desenvolver neste  trabalho um estudo mais   comparativo, mais denso,  das poéticas de Luis Figueiredo antes examinar alguns tópicos  de natureza temática e  analítica   de tal sorte que poético  de ambos  os autores. Para isso, a linha de pensamento abrangerá, separadamente, cada um deles sem, todavia, negligenciar, quando me parecer necessário,  algum  cotejo  entre eles em aspectos formais  ou  temáticos   em que um se avizinhe  do outro.

       Poetas contemporâneos como seria   gratuita  a circunstância de  que cada um  escolhesse o soneto. A meu ver,  a condição  comum  de amizade, de ambiente  espiritual e intelectual (Sylvio Figueiredo era também  chargista,  poeta satírico, jornalista)  de que partilhavam entre si e a decisão de  trabalharem  em conjunto num  volume  único,   ou  até mesmo  por  razões  financeiras,  possam  explicar  ou dar alguma  pista  para  a concretização do lançamento desta pequena  obra nos idos de 1913.

A POESIA DE LUIS  FIGUEIREDO

         Lendo e relendo  os vinte  sonetos de Luis Figueiredo, o analista,  pouco a pouco,  começa a captar  alguns ângulos que lhe aguçam a atenção, aspectos  que  podem  apontar  para  confrontos  com  níveis de tratamento de temas e  procedimentos  formais além  ou aquém  do que  o pesquisador teria como expectativa.

        No caso de  Sylvio Figueiredo,  pelo menos  nos  poema que  dele conheço não seria  demérito afirmar  que ele pouco se diferenciaria  de tantos  poetas  de  seu  tempo no que  tange ao tratamento  do tema  do amor e das estratégias poemas, com segurança  se pode   adiantar ser ele, ainda com apenas  vinte e dois anos,  um  artista do verso que já  demonstra familiaridade com os elementos  intrínsecos da criação literária, com a economia  do verso e sobretudo com  um  raro talento  rítmico, ainda que  a significação temática  se mostre  um tanto  imatura  na arquitetura  geral dos  poemas.

     Como reforço a essa reflexão me vem um pormenor relativo à formação  cultural de Sylvio Figueiredo. Segundo informa o ensaísta Roberto S. Kahlmeyer-Mertens  o poeta era pessoa ilustrada, conhecedor de alguns idiomas modernos, que lia no original. Poetas  de renome para leitores  de sua  época teriam sido Baudelaire, Leconte  de Lisle, José Maria Heredia, entre outros

     Outro fato que me parece útil assinalar foi que Sylvio Figueiredo interrompeu seus planos de escritor, pois não foi um autor de um livro só, porquanto à sua atividade n a imprensa, ainda escreveu em prosa: Contos que a vida  escreve (1931), Quixote (1934) e Passos na areia (1962); em  poesia:  legou ainda Forja e Atlantes (1934), provavelmente escritas na década de 1930.

     Seu falecimento se deu em 1972, quer dizer,  não deixou, ao que tudo indica,  uma obra  extensa, mais  indicando que,  ou deixou de  publicar regularmente, ou o que tenha  escrito não tenha vindo ao conhecimento  do público, i.e., não se publicou. Seria este ponto obscuro de sua  biografia mais uma oportunidade  de pesquisa   a ser  desenvolvida  pelo historiador literário   apreciador  de sua  produção.

      Dos vinte sonetos de Sylvio Figueiredo, posso  distinguir duas  principais vertentes temáticas:  a amorosa e a jocoso-heterodoxa.. Optamos por denominar à segunda  vertente   jocoso-heterodoxa por  reunir  esta temas com predominância jocosa e   outros  temas que, embora  falando ou não do amor em contexto humorístico, representassem traços  de modernidade conexionados com  outros modos  de  construção poética indicando desvios  do tradicionalismo   literário e  utilizando  recursos de composição  como os metapoéticos,   os metalinguísticos,   a paródia,  a apropriação  de  textos  não-poéticos  A primeira abrange 11 sonetos:  I, III, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV e XIX; a segunda,  compõe-se de 9 sonetos: II, IV, V, VI, XIV, XV, XVII, XVIII e XX.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERTENTE AMOROSA,

      Como se vê, a primeira vertente tem no conjunto de sonetos  de Sylvio Figueiredo,  uma leve superioridade numérica sobre a segunda. Quer dizer,  a exploração  do tema do amor se multiplica  em motivos combinados a outros sentimentos pessoais neles imbricados, destacando-se: a sensualidade feminina (soneto I), a distância física do amor (soneto III) o amor sensual ou até mesmo com traços  eróticos (soneto VII), a efemeridade física da  beleza da amada (soneto VIII),  sensualismo amoroso ( soneto IX),  o amor não consumado (soneto XI), da   passagem do  amor sonhado  à posse do amor (X), a natureza em descompasso com o sentimento  do amor desiludido (soneto XII),  da incerteza do amor ( soneto  XIII), o desencontro amoroso (soneto XIV) o sentimento do amor ausente ou o receio da perda do amor (soneto XIX)

       Obviamente,  todas as nuances  amorosas de seu estro  fazem largamente coro com outras vozes  poéticas, notadamente dos  estilos literários românticos,  parnasianos e até mesmo simbolistas.Em outras palavras,  o lirismo que  perpassa os sonetos  de Sylvio Figueiredo, segundo  atrás  sugeri, mostra-se caudatário dessa mistura de estilos literários, desse sincretismo, o qual, à altura da  produção  do autor, final do século  19 e início do século 20,   ou seja, já em fase de epigonismo,  amolda-se  ao conservadorismo  literário  do Romantismo,  Parnasianismo e Simbolismo onde pontificavam grandes nomes da poesia  brasileira.

       Sem ostentar o nível alcançado por um Castro Alves, um Bilac, um Alberto de Oliveira, um Raimundo Correia, um Cruz e Sousa, Sylvio Figueiredo de certa maneira e consoante seu  poder de adaptação, de influência  de mimetismo,  inclusive por via direta dos poetas  portugueses e,  por via indireta,  das leituras  de  bons poetas  franceses muito lidos no original ou  em traduções no país de certa forma procurou obter o máximo daquela  adaptação  da tradição do cânone.

      Este espírito  de imitação no âmbito literário se estenderia a padrões de modas e  de cultura  francesa, muito  comuns durante a Belle  Époque no Rio de Janeiro, Metrópole cultural do país, que ditava, ou melhor, irradiava  essa submissão  cultural a outras cidades  brasileiras .Não é gratuito Niterói dar  nomes  franceses  a  restaurantes como “Café Paris”, ou cinemas com nomes  franceses como “Pathé” e mesmo  francesismos no corpo de poemas tanto de Silvio Figueiredo quanto de Lili Leitão.       

       Mimetizando a tradição do cânone poético ocidental, Sylvio Figueiredo não deixou de levar em conta alguns elementos estruturais  da  poética  ocidental: a dicção, a semântica do texto, o aparato ou solenidade  dos versos, temas de extração clássica, o ritmo, a musicalidade, o apuro estrófico. A despeito de existir, em  alguns sonetos, a posição  ideológica do o narrador lírico de fundo romântico, a moldura dos sonetos, em geral,  inclina-se para a forma  parnasiana.

       Posto tenha  o poeta  atuado nessa fase de cruzamentos ou coexistência  de estilos e, segundo tenho  reiterado,  em tempo de  epigonismo, até mesmo pela referência da forma  poética empregada, o soneto, muito  praticado  por  parnasianos, não vejo  que essa preferência  por aquela forma fixa seja necessariamente uma maneira  de o  poeta rebelar-se(falando-se aqui não  só de Sylvio   mas também de Lili Leitão) com os novos  ismos trazidos pelas vanguardas europeias e pelos primeiros avanços do Modernismo  brasileiro  que se avizinhava.

      O fato é que tanto Sylvio  Figueiredo quanto Lili Leitão, no primeiro decênio do século  passado, já haviam praticamente se formado no domínio das letras, ou seja,   nessa fase de transição da  poesia brasileira. Esta questão faz parte  do âmbito da sociologia da literatura, acrescida da circunstância de que ambos os  poetas, posto que vivendo  perto da Metrópole e separados apenas  pela Baía da Guanabara,  não se arredaram da vida boêmia e provinciana de Niterói.

       Pesquisas desse lado  biográfico  do poeta Sylvio  - e o mesmo  serviria para  Lili Leitão -,   contribuiriam muito para estabelecer  nexos  entre a vida literária  de ambos e,  portanto,  em parte ainda seriam  bem úteis como  “elementos  extrínsecos”  à visão   mais ampla  da  poesia  dos dois autores. Com poucas exceções, este fenômeno de  comportamento  cultural de intelectuais da província se me afigura muito  ocorrente em outros estados brasileiros. Outro fator determinante provavelmente seria a condição social modesta dos dois.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE  A VERTENTE JOCOSO-HETERODOXA

      Conquanto a dicção da vertente amorosa se pauta pela nobreza de vocábulos raros,  na linha do sermo nobilis da palavra aristocratizante como moeda corrente dos  estilos parnasianos, simbolista ou mesmo românticos, a vertente jocosa satírica, irônica ou humorista se permeia pelo rebaixamento do sermo vulgaris, do antilirismo – sinal de modernidade -    como elemento fundante da  poiesis.

      Os sonetos dessa vertente desssacralizam,.por conseguinte, qualquer pretensão de seriedade em lidar com a tradição da vertente amorosa, na qual a  luta do eu lírico  canta a família às voltas com  problemas  de natureza  financeira, ressaltando-se, a par disso, a novidade introduzida pela mudança,   a que já aludi,  do aspecto de oralidade, aspecto este que equivale a um  turning  point em relação ao conservadorismo  literário.

      Destarte, podem-se  apontar, no soneto II,  vocábulos como “catadura”,  “berreiro”, “descompostura”,  “ferve”, os sintagmas,”  “vida torta, ” “tempo quente”, “pobre  diabo”, além da nomeação de um personagem visivelmente de extração  popular, Candido Barreiro . Esta ausência de um ambiente físico e humano interagindo com uma subjetividade  e evasão  romântica contrasta radicalmente com a atmosfera lúdica da comédia à moda de  um Artur de Azevedo, de um Martins   Pena. Ou seja,  a  poesia satírica se aproxima dos códigos prosísticos da representação dramático-jocosa:

                  [...]

Para mais aumentar tal desventura,

briga a mulher porque falta dinheiro

e lhe permite uma descompostura

se não for paga  a conta do padeiro4             

                 [...]

         No soneto IV, de forma análoga, os desencontros de uma família são objeto do eu lírico que, distanciado do quadro retratado, expõe as mazelas de um personagem protagonizando  uma situação  existencial grotesca devido ao vício da bebida, enquanto,  no lar abandonado por ele, “choram, filha e  esposa  na miséria.”  O elemento  do “enredo”,  também manifesto no  grotesco do vocabulário do poema reitera a ruptura entre o léxico elevado da primeira vertente em comparação com a segunda – traço também de modernidade lírica -  nos sintagmas  “boca suja”, “testa negra”, “desgraçado aborto”, nos lexemas  “adunca”, “asquerosa”, “imundo”, “miserável, “torto”.” Este campo semântico passa a ser uma recorrência de uma realidade física e humana degradante, valendo como  ressonância - poder-se-ia aventar - do  espaço  poético de um Augusto dos Anjos.

       A poesia de  Sylvio Figueiredo, a esta altura de  amostragem e comentários já me  permite  afirmar ter ela ultrapassado os  limites do mero epigonismo  para uma  fase aberta a formas de realizações artísticas   justificando-se o título deste  estudo e a qualidade do verso do  poeta que, absolutamente, não se restringindo apenas  a formas estagnadas do sistema   literário, contudo abriu-se a novas formulações de sua  poética.

       O soneto V não se desvia da verve do conjunto  de poemas da segunda vertente.

       O poema se realiza pela desconstrução do rival  por parte do eu  lírico em questões amorosas. Em consequência, o soneto se estrutura à base da demolição física e moral do adversário. Entretanto, logo no 1º quarteto, o retrato físico da jovem da vizinhança, motivo da  rivalidade amorosa,  embora seja  objeto de admiração do eu lírico, ao mesmo tempo lhe é objeto de critica. Com ela  não  existe  nenhuma  possibilidade aparente de uma aproximação  maior. O objeto de desejo amoroso se frustra desde o  início do poema, sem que exista nenhuma chance de  conquista, tal como faz notar  a citação abaixo:

                                [...]

             Eu, que no maior não tenho tal ventura,

             invejo a esse magano sem decoro,

             que o amor  possui de tão gentil criatura.

       A jovem  namora um homem que, aos olhos do eu lírico, não preenche dotes físicos ou morais. Sua descrição e corrosiva: é “gordo”, “paspalhão”, boçal, “magano”, sem modos. Isto é, o pretendente da mocinha bem criada, porquanto seu status social se indicia  pelo adjetivo “chic”, francesismo muito usual na poesia do  tempo de Sylvio Figueiredo, tempo de forte influência da moda, cultura e  convívio  com a  língua francesa.

            O lexema “magano” salta logo à vista pelo  historicismo de que se impregna desde a época colonial através da sátira ferina e debochada de Gregório de Matos:

                            [..]

           Que os Brasileiros são bestas,

           E estarão  a trabalhar

          Toda a vida  por manterem

           Maganos de Portugal[5]

         Ora, “magano” instaura no soneto um sentido de falta de ética, conducente a uma  existência conduzida sob o signo da malandragem, do querer levar vantagem. No entanto, um pormenor me chama a atenção logo no 1º quarteto. Na descrição dos predicados estéticos e físicos da jovem moradora da “avenida mais chic da cidade”, jovem “linda”, ela simultaneamente é aquinhoada com alguns epítetos nada moralmente abonadores:  uma moça “viva”, “astuta”, “repleta de maldade” e irrequieta, i.e., “não descansa” a “cabecinha”.

         Abre-se  aí um espaço no poema em que  uma  camada  submersa  vem à superfície e lhe dá melhor  potencial analítico:  o mundo  das ações, pensamentos e valores internos do poema surpreende o leitor em termos de  realidade e aparência, verdade e mentira, e esse espaço do subtexto não acaba só nesta gama de  desvelamentos ou virtualidades. Ao lado do tema do amor frustrado, esboça-se um quadro coreográfico nos domínios do universo da malandragem entre o magano e a mocinha esperta. Ambos possuem elementos para terçar armas a fim de levar a cabo a sedução pela picardia:

                                  [...]

           

              Tem namorado: um paspalhão de pança,

             que lhe fala, feliz, muito à vontade

             e que os ouvidos seus mimosos cansa

             com farta dose de boçalidade.

                         

        A malandragem da mocinha pode resultar vitoriosa e a aparência  ou  realidade de um espertalhão sem modos e balofo pode dar com os burros  na água

        Por conseguinte,  o narrador lírico,ao lamentar a carência de sorte e demonstrar inveja pode perder  no enganoso jogo do amor, mas bem poderia também lamentar se a sua  sorte no  amor fosse  a de um  “cretino”. Ou seja,   aparentemente formam um par  perfeito de malandrice cujo desfecho pode ter sucesso ou não. Tudo depende de quem seja mais matreiro.

        A qualidade do soneto  reside justamente neste cenário de comédia e de  humor  permitindo ao leitor uma   oportunidade de divertir-se com  o riso e o ridículo da comédia humana, no que diz   respeito ao tema do amor,  bem dentro daquele velho  preceito de Sêneca: Castigat ridendo mores (“Pelo riso corrigem-se os costumes”).

        O soneto descortina um veio  rico da literatura  brasileira, o tema da malandragem,   o qual remonta  aos  poemas  satíricos de Gregório de Mattos e atravessa sucessivamente  uma linha  que já tornou tradição,   muito mais na ficção do que na  poesia,  e que se fez contínua através de Manuel  Antonio de Almeida, Machado de Assis, Lima Barreto, Marques Rebelo e deságua ainda com força em  vários autores brasileiros  contemporâneos. Os mecanismos psicológicos e da escrita do humorismo, da jocosidade,  próprios da comédia,  desencadeiam a derrisão, põem a nu as vilanias, as fraquezas da alma humana, i.e., fazem o homem  rir-se de si mesmos.

        No soneto VI,  me deparo com um curioso exemplo de um poeta que, ao procurar elaborar um soneto de estofo romântico, onde  o lirismo possa ser a tônica, termina por “abandonar” o projeto poético, saindo, assim, da fantasia do  universo das musas para o ramerrão pragmático da vida “real”, quer dizer, a pena com que comporia o poema, o papel, a inspiração cederam  lugar a uma ação  prosaica meramente mecânica : fazer as contas de despesas.

        O soneto em questão me leva a  interpretá-lo como uma   possível  sátira às formas  de composição da tradição literária, do escrever bem uma peça  poética de feição romântica. Fisicamente, um poema se escreveu. Porém, como realidade abstrata,como  substância, i.e., no plano das ideias, o soneto não se realizou. Aqui se tocam  as questões teóricas  e complexas  entre  a realização  física do poema e a  da poesia.

        Compreende-se aí a “luta pela expressão”  entre a vontade de criar e a impossibilidade de fazê-lo em decorrência  da ausência do “fado”, da “inspiração -   questão  de monta  na poesia do Romantismo Ocidental. Tem–se nesse soneto aquela situação, que é um dado metapoético no qual o autor afirma a  impossibilidade da realização de um  poema  quando,  ironicamente, o poema se concretiza na escrita, na linha do verso Esse tópico da criação literária é bem  recorrente entre  poetas:

                                              

                                           [...]

                       

                     Na confusão dos ritmos me abismo,

                    Busco das rimas o alvo bando alado,

                    Nada consigo. Ponho a pena ao lado

                    E eis que de lado ponho o romantismo.

       No  soneto XIV, há uma hilariante situação  pessoal-amorosa na qual o eu lírico, relando-se um tímido diante da mulher amada, depois de um grande esforço, reúne força e coragem para lhe dar provas de todo o seu sentimento. No entanto, no final do último terceto, a chave de ouro lhe reserva uma surpresa, funcionando então como um exemplo de bathos, um recurso poético da teoria literária  que, na definição de  Terry Eagleton, seria “um movimento do sublime ao lugar-comum ou ridículo” [6]

               

  - Vou demonstrar-te o afeto que me empolga! –

   porém, sorrindo com o sorriso  louco,

   ela me disse: - Ó filho, dá uma folga! –

        Os demais sonetos do autor, XV, XVII, XVIII e XX reiteram esta linha temática introduzindo novas realidades comunicativo-poéticas, não somente no conteúdo como também na expressão literária.

O soneto XV tipifica  outra  dimensão jocosa, em verso  que  relatam a história de um convite para aniversário feito ao eu lírico que,, entretanto, não pode  ser atendido visto que a ele  falta a roupa adequada ao evento e nem a possibilidade de comprar uma nova,  em razão da “pindaíba” em que se enreda. É um soneto leve, divertido e que sinaliza para  outro tema  que rondará a produção  poético-humorística de Lili Leitão. Verei  esse  aspecto  quando tratar mais  adiante de sua  poesia: a falta de dinheiro como elemento constante e provocador de quase  toda a sua  obra  poética. Da mesma sorte, lexemas nada nobres da linguagem comum se fazem presentes no poema “bródio, “cuéca”, “candongas” e expressões proverbiais ou sentenciosas como “... em festa de jacu nhanbu não entra”, os quais, à semelhança  do que  ocorre no soneto II, comentado atrás, reforçam o nível de oralidade de usos  de  lexemas apoéticos como   sinais de modernidade.

        O soneto XVII, o mesmo tom peralta, entre sério e brincalhão, da perspectiva, é claro, do eu lírico, não do receptor, apresenta um diálogo entre um casal, em  descompasso de visões na relação entre  marido e esposa. O poema, de tema ainda bem atual em algumas camadas sociais, discute  a posição machista, patriarcal de um marido que não  aceita a possibilidade de a mulher  trabalhar em atividade que, segundo ele, só seria compatível ao  homem. Trabalho esse em “forja”, vestida de calça, atividade considerada pesada, grosseira, masculina, indigna da mulher e de sua fragilidade. A arquitetura do poema lembra uma cena teatral, num aparente monólogo do narrador lírico em interlocução com a mulher,  indicada pelo dêixis “tu”

                Tu, numa forja, por exemplo, à frente

                    da  fornalha! Imagina, ó meu  derriço,

                     pensa bem, anjo meu terno e roliço,

                     tu, no trabalho da barbuda gente!

          Concomitante, há ainda no   poema outra questão associada a mudanças de comportamento das mulheres. A polêmica questão  do “feminismo.” Para  o marido, uma estultice. Ora,  esta questão do preconceito contra a condição da mulher no trabalho se coloca como bem avançada para a época da escrita do soneto, início da segunda década do século  passado.

Poeta de fase liricamente transitória, conforme tive oportunidade de  acentuar mais de uma  vez nesta  exposição, Sylvio Figueiredo, não se  furta a artifícios   quer na dicção, na temática, no imaginário, quer nas situações de existência e nos  recursos retórico-métrico-estilísticos já  repisados com mais ou com menos sucesso por seus predecessores ou contemporâneos.

         Um desses artifícios que, de resto, não era comum na poesia simbolista, foi empregado por alguns  poetas tais como Severino de Resende, Marcelo Gama e Da Costa e Silva.[7] No que consistia esta retórica temática? Diria respeito a poemas tematizando descrições de animais, a exemplo dos “Poemas da Fauna,” da obra Mistérios (1920) do mencionado Severiano Resende, com o seu  conjunto de   poemas descrevendo tipos diversos de animais. O mesmo fez o piauiense Da Costa e Silva, com seus “Poemas da Fauna,”  da obra Zodíaco (1917) grupo de soneto descritivos nos  quais  figuram caranguejo, lagartixa, sapo, cobra, morcego, aranha, besouro, cigarra e vaga-lume.

        A ensaísta Francine Ricieri,[8] em substancioso prefácio à Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira, recorda que esses  poemas sobre animais bem podem ter sido espelhados em  Tristan Corbière,  na obra Les amours jaunes, onde aparece o poema “Le crapau” (“O Sapo”). Para  Ricieri,  esse  poema foi bastante traduzido para o  português,  acrescentando que o  poeta  baiano Pedro Kilkerry havia  até feito uma versão dele.

        No poema “Le crapau”, Corbière refere ao “sapo,” porém entendendo este como a figura  do  poeta, da mesma maneira que Manuel Bandeira, no poema  “Os sapos”, do livro Carnaval (1919) satiriza os parnasianos.[9]

No soneto XVIII, Sylvio Figueiredo retoma uma figura zoológica – o corvo –  assim  como Lili Leitão fará com “A coruja” para descrever tanto a ascensão do animal à “região do silêncio absoluto”, quanto  a sua descida à terra, num contraste de imagens que vão do sentimento de  euforia ao efeito disfórico. Ou seja, do ponto de vista  visual,  a descida sofre uma metamorfose de cento e oitenta graus. O corvo, antes descrito em tons de beleza, sofre uma redução estética qualitativa. Sua figura, agora, ante o olhar do  narrador poético reveste-se de  deformidades. O que atraía a visão  torna-se repulsão. A “abelha” que  exerce, visualmente, dependendo da distância  do olhar, uma  figura dupla,  passa a ser apenas um animal agourento, une-se ao domínio do escatológico. Alinha-se, enfim, com laivos satânicos remetendo o leitor a vozes de alguns  poetas malditos, como  Charles   Baudelaire ( com  sua obsessão pela morte)  Artur Rimbaud, na França,  Guerra Junqueiro, em Portugal e Augusto dos Anjos, no Brasil, com  o uso de um  léxico associado ao estado de putrefação:

                                       

                                           [....]

          

            pois, nu passo cadente, em lerdos empuxões,

           caminha, horrendo, lento e  lento, farejando

           a  delícia da morte e o horror das  podridões!

       Ao contrário dos  poemas da fauna de Da Costa a e Silva[10],  existe  um dado que se distingue neste   poeta: a descrição tende à objetividade parnasiana, ao passo que no soneto de Sylvio Figueiredo o mood do soneto expressa imagens oscilantes  entre a dicção  simbolisto-abstrata e a objetividade parnasiana sem descartar , outrossim, impulsos de um narrador poético romântico:

Riscando o azul do céu,  tranquilo, o corvo monta,

Galga, ascende à região do silêncio  absoluto;

E enquanto da terra imensa as belezas sem conta.

      Compare agora com uma quadra de Da Costa e Silva,[11] extraída do soneto “A cobra”:

Certo ninguém prevê, nem  ao menos suspeita,

Mas esse tronco anoso, ulcerado de galha,

De alguma árvore umbrosa, outrora ao   bem afeita,

Hoje, abrigo do mal, uma cobra agasalha.

      No soneto de Sylvio Figueiredo  o contraste, euforia seguida de disforia,  a que aludi se torna evidente ante a subida do pássaro e sua correspondente descida. romântica.  Vejam-se, para  comprovação desse  contraste ,respectivamente evidenciados  nos  seguintes  quartetos:

E a ave sobe e evolui e ergue-se, ousada e pronta:

lembra uma abelha sobre um terreno ermo e bruto.

olho-a e a vejo   tão linda, o olhar atento e arguto,

quando  penso que cai de fatigada e tonta.

Desce, entanto e é medonha e asquerosa e nojenta;

causa repulsa e dó se vai, calma, baixando

e a transformação aos homens apresenta [...]

É na subida  que a visão da natureza toma uma característica particular: a ave pelos olhos do narrador poético o não exibe nenhuma realidade grotesca, disfórica. No soneto esse segmento temporal vai do 1º ao 2º quarteto. Nesse ponto, a imagem física do corvo, um animal  reputado em geral,  repugnante e aziago, anunciador de acontecimentos  trágico, é vista até mesmo por uma  ótica  impressionista e positivamente, reitero, eufórica, segundo se percebe claramente no 1º  quarteto acima-citado, no qual existe até uma comparação indireta, ou melhor, uma associação estética de cunho eufêmico.

       O  maradr poético  o corvo lembra uma “abelha”. Ele chega   chega ao ponto de  exultar-se diante  da beleza e das suas qualidades  exaltadsa em clave romântica. Recorde-se, por outro lado, que nos ”Poemas da Fauna” de Da Costa e Silva, aquele sentimento em relação ao animal não exprime uma ideia de ser desprezível ou   asqueroso, ao passo que em Sylvio Figueiredo e Lili Leitão (“A coruja”), a  descrição do animal conota-se de  real sentido de asco. De modo  semelhante,   não se pode negligenciar o fato de que. no  universo do simbolismo, alguns seres, por exemplo, pássaros, insetos etc. expressam significações ambivalentes, quer dizer,  dependendo da cultura, da ética, da região da Terra, tanto podem definir-se por  qualidades  positivas, ou do Bem, como ainda  por atributos  negativos, ou do Mal. Os lexemas “corvo” e “abelha”  ilustram  bem  esta  questão[12]

       No poema  ‘The Raven” ( “O Corvo”) de Edgar Allan Poe, o pássaro ´´ simboliza   um anunciador da morte.No soneto de Sylvio  Figueiredo, a ave comporta  explicitamente essa  mesma acepção de elemento agourento além de  animal devorador de cadáver.A “abelha”,  segundo  já aludi,  na condição de duplo a partir,  é claro,  da perspectiva  visual-distancial do eu lírico,  afastada, lembra a sua condição de  inseto que, por seu turno, sofre a metamorfose,  i.e.,  retorna à sua  configuração  original de “corvo”.

O soneto esteticamente valoriza-se pelo poder de visualização, porquanto, no decorrer da sua descrição, aduz-se  com facilidade, como se víssemos  por  lentes de alcance gradativo, à semelhança  de uma  objetiva: a imagens  distanciando-se e as imagens. em seguida, se aproximando do ponto de observador atento. Segundo o movimento,  tem-se uma ou outra forma  do animal.

       Provavelmente por essa forma de  realização do soneto é que me  vejo  compelido a ajuizar  pela sua   superioridade  de técnica e   criatividade.

            O soneto XX, não  possui a elevação aristocratizante do verso  parnasiano nem as dores e frustrações do amor  romântico, nem tampouco os voos dos nefelibatas. Ao contrário, trata-se de uma  peça leve, de humor em clave menor.

         Sua leitura, em alguns aspectos,  me faz vir à tona um divertido  poema de Alphonse de  Lamartine,”Mon habit”” da obra Chansons [13] no qual o eu irico se  dirige, como se o objeto de atenção fosse uma  pessoa querida,  a uma  velha casaca, testemunha fiel  de muitos fatos e feitos. Da velha casaca não quer se desfazer de forma alguma, assim como o soneto de Sylvio Figueiredo. Veja-se, primeiro, em Lamartine em tradução minha considerando apenas  os versos que mais de perto  atendem ao cotejo:

                              

                               [...]

 Ó pobre  casaca amada, sede-me fiel!

                              [...]

Bem me recordo, pois,  memória boa tenho

Do primeiro dia que  te vesti.

Era meu aniversário e, por cúmulo da glória,

Elogiado foste por meus amigos.

                              [...]

Prontos   estão todos a nos festejar.

Nada de adeus, velho amigo meu.[14]

Agora,  coteje-se com os versos de Figueiredo:

Quando a primeira vez te  enverguei, meu fraque

fiz sucesso na zona e andei de boca em boca.

Ficou louco  por mim  muita menina louca,

Tornei-me nos saraus figura de destaque.

 

                        [...]

E se te visto, enfim,  triste, num desalento,

Tu, relembrando, acaso, altas  glórias passadas,

Soltas, alegremente, essas abas ao vento!

         Se existe certa afinidade em alguns pontos dos dois poemas,  há também diferenças entre os dois autores, o tom  soa mais saudosista com  travos românticos próprios do poeta Alphonse  de Lamartine.

         O de Figueiredo, mais se aproxima de um tom farsesco, solto, humorístico, divertidamente  provocativo. Porém, sempre  misturando  sensações díspares, o  eu lírico posa de boêmio  conquistador de corações “na zona”, em companhia de seu velho  “frack”, sempre disponível a outras  aventuras ainda que    anuviadas de desencanto romântico.

       O que une ambos os  poemas é a louvação  do objeto-fetiche indissociável da vida do seu  proprietário e do seu  passado. Num, um casaco; noutro, um “frack”.  Na composição literária,  Figueiredo  emprega o soneto; Lamartine,  um  poema de 16 versos -  uma canção - composto de duas oitavas.

A POESIA DE LILI LEITÃO

       Ocupar-me-ei, agora, dos sonetos de Lili Leitão que,  consoante  assinalei no  estudo de Sylvio Figueiredo,  se encontram na segunda parte da obra Sonetos.

       Custa-me imaginar, ante  a grande vocação   do humorista, satírico, comediógrafo, repentista, jornalista Lili Leitão que esta figura de intelectual, superiormente    dotada para o humorismo, tenha também produzido   versos sérios, poesia  amorosa e de qualidade. De resto,  humorismo,   vazado em  sólidos   conhecimentos de  versificação,  de  originalidade  de estilo,   domínio da língua  portuguesa e, acima de tudo isso,  genialmente  combinando poemas    humoristas  com  poemas sérios, principalmente da sua dimensão amorosa, escritos com   perfeição  e  rara capacidade musical. Seus poemas, lidos em voz alta, primam pela qualidade rítmica, melódica.   Óbvio que não se pode nem deve  negar a superioridade deste autor para a manifestação poético-artística da irreverência,  ironia, farsa, humorismo – virtudes que o tornaram  famosos no seu tempo na Niterói das três primeiras  décadas do século  passado.

       Não entendo tampouco  por que  Lili Leitão,  com toda a sua posição de liderança  entre os amigos  intelectuais, residindo tão perto da Metrópole carioca,  não tenha  sido voz  satírica  influente na vida intelectual  carioca nem tenha tido  a merecida  visibilidade que  outros poetas de verve  menos  dotados do que ele  tiveram. Mistérios da história literária ou seriam outros motivos inconfessáveis que impediram  injustamente  que   o grande  humorista tivesse popularidade nos círculos  intelectuais  da cidade de São Sebastião? Cabe à história literária  procurar   respostas  a estas  indagações.

        Felizmente, a privilegiada  veia mordaz – somente o tempo pode fazer justiça a um escritor -  de Lili Leitão agora se vê consubstanciada  na obra Vida apertada sobre  cuja edição crítica  recente já me   pronunciei na primeira  parte  deste ensaio.

        Diante dessas  observações  preliminares,  ao refletir analiticamente sobre o   legado  poético que compõe a segunda  parte  do pequeno volume dos Sonetos, pretendo neste trabalho considerar como diretriz metodológica,  duas linhas  temáticas diferentes  ou seja, divisando duas vertentes  temáticas sobre a poética de Lili Leitão, à semelhança do que  fiz com respeito a Sylvio Figueiredo: a amorosa, cobrindo 11 sonetos e a vertente que,  para este estudo, denominei, à falta de outro  termo  melhor,  jocoso-heterodoxa., sendo esta constituída de 9 sonetos.

        Pelo visto, em comparação com a classificação temático-expressional que adotei   para o estudo de Sylvio  Figueiredo,  deu-se, no  que concerne à divisão temática dupla, perfeita  coincidência  no  quantitativo de sonetos em ambos os autores. Mera coincidência ou  tácito acordo entre os dois  poetas? Por outro lado, sendo um volume organizado a quatro mãos, não seria de todo impensável que os dois amigos pudessem chegar a esse consenso na seleção e organização dos Sonetos.  Fica a pergunta no ar. Não resta dúvida, todavia, que a semelhança ou a afinidade sejam instigantes (ou intrigante) ao pesquisador.

       Seguindo o mesmo procedimento da primeira parte, abordarei primeiro a temática  amorosa de  Lili Leitão e  se não me proponho agora a analisar  exaustivamente, poema por poema, algumas formulações estético-formais pretendo extrair do pensamento  poético de Lili Leitão. Isso no que tange a essa temática. No entanto, me estenderei a análises mais  abrangentes de alguns  poemas  da segunda vertente, tendo  em vista que, a despeito de os  poemas  amorosos atingirem um bom nível de realização estética, os poemas da vertente jocoso-heterodoxa, por suas características singulares de desvios de formas convencionais  advindas  do sincretismo   da época  do autor, efetivamente são os que mais  riqueza estratégico-formais oferecem ao analista  da  poesia.

       Entendo e enfatizo como vertente jocoso-heterodoxa um somatório de tendências de formas de  composição no gênero do soneto, às quais se  podem  agregar temas não centrados em situações  meramente amorosas, mas em  contextos gerais  da vida, no cotidiano, em fatos  pitorescos, hilariantes, trágicos,  soturnos,  recursos  metapoéticos,   metalinguísticos, intertextuais, cenas emolduradas, paródias,  anedotas. Em outras palavras,  trata-se de um grupo de sonetos que subvertem a tradição  canônico-literária e se dirigem a um variegado  universo  que, pelas suas  virtualidades  de formas  e de   técnicas e estratégias  da linguagem,  abrem flancos em direção a uma postura  poética cujos sintomas não mais têm quase a ver com o passadismo estreme  ao discutir a  poesia  de Sylvio  Figueiredo.

      Neste sentido, posso antecipar ser Lili Leitão muito mais subversor do cânone literário do que seu companheiro de livro..Nos poemas amorosos Figueiredo e Lili Leitão não assinalam diferenças de monta no que se refere às formas métricas do verso. Ambos usam o verso decassílabo e o alexandrino.  

     Contudo,  Lili Leitão vai além, compõe sonetos de redondilha maior, como é exemplo  o “Cromo.”Na leitura em voz alta, aduzo  que Lili Leitão consegue, em alguns poemas,  alcançar efeitos   rítmicos e musicais mais felizes do que Silvio Figueiredo.Por outro lado,  segundo foi  já  salientado  por Roberto S. Kahlmeyer-Mertens,,[15] Figueiredo se mostra mais  erudito, exibe mais   bagagem   literária do que Lili , que é mais inventivo, espontâneo e possui maior habilidade e maleabilidade do instrumental técnico-estratégico da arte do  verso.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERTENTE AMOROSA

        Na ordem em que  estão distribuídos os sonetos amorosos,  a seguir  identifico os temas explorados  por Lili Leitão:

  a)   O amor impossível (soneto “Pequenina”);

   b)  A mulher inacessível (soneto “Quando ela  passa”);

   c) A oposição amorosa entre o passado e o presente (soneto  “Recordação”);

   d)   A transcendência  amorosa  (soneto “Olhos d’alma”);

    e) O amor apenas acessível na forma  poética (soneto                “Supremo   brinde”);

    f)    O reencontro da felicidade (soneto “Nosso amor”);

    g)   O amor desfeito pela morte (soneto “Noive morta”;

    h) O amor como sentimento mutável no tempo                                 (soneto”Noivos”);

    i)   Amor sensual (soneto”Contraste”);

    j)   Amor e erotismo (soneto “Súplica”);

    l)   A falência erótico –amorosa com o passar do tempo      

           (soneto “Eu e tu”)

         

       À vista da divisão  acima, os temas amorosos em Lili Leitão pouco se diferenciam do leque de temas dessa vertente em Silvio Figueiredo. O que os separam são alguns elementos de natureza retórico-estilístico-semântica, conforme se pode verificar no soneto “Pequenina”, no qual certos jogos de lexemas homônimos e homógrafos mostram-se  engenhosamente  empregados na economia  do poema. Para ilustrar, tomo o lexema “Pequenina” extraído do título do soneto, onde desempenha função  temática nuclear no poema, notadamente se o leitor  atentar para o aspecto semântico,  pois é a partir dele que o soneto adquire consistência estetica e perfeição artesanal.

        Uma jovem bela e de porte pequeno é objeto da admiração do  narrador poético que a ama e por ela não é correspondido. Disso tem certeza, como certeza tem de que nem mesmo ao nível do pensamento interior, do amor  sentido,  há para ele  qualquer  esperança.

         Todavia,  como bom  soneto de corte romântico, o  narrador  poético faz  da impossibilidade do amor físico, a possibilidade de  um amor platônico, quando reconhece estar aquém do poder  da conquista do amor  carnal.

         Uma plêiade de atributos de beleza cerca a amada, atributos que ascendem até ao plano místico, ao proclamá-la “santa. Vejam-se o 1º quarteto e o 1º terceto, respectivamente:

Pequenina, a formosa pequenina,

De pequenina boca e pés pequenos

É a deusa que idolatro,  a púrpura

Constelação dos sonhos meus amenos.

                 [...]

Em parte, tem razão: - Como essa santa

Há de adorar-me com loucura tanta,

Sendo eu tão pobre e tendo  pobre sina?

         A repetição, por boa parte  do  poema do  lexema “Pequenina” (título do soneto), nome da  amada, como substantivo  próprio,  seguido de “pequenina”, substantivo comum,  e de “pequenina”, adjetivo no  sintagma “pequenina boca”,  a par da forma  variante adjetiva no sintagma “pés pequeninos,”  reforça, do  prisma do sentimento   da amizade, a fragilidade desse sentimento entre  a amada e o  pretendente  desprezado. A reduplicação do desvalor, do ser do narrador  poético,  através da  enunciação “pequenino,” este último  lexema, colocado no fecho de ouro do soneto, concorre ainda mais para  rebaixar a condição  humilhante em  que, no  poema, se encontra  o narrador  poético :

              

                            [...]

 É pretensão demais, de louco amante,

Pois eu devo lembrar-me, a todo  instante:

- Sou pequenino para  Pequenina!

        A reduplicação em número de sete vezes, variando a grafia e  a semântica do  lexema liderado  pela forma primeira do  titulo, e aliada à aliteração da  oclusiva bilabial surda “p” no conjunto das ideias da peça literária, não deixa de ocultar algo do texto enquanto fatura  poética de extrema ludismo linguístico e mesmo    uma atmosfera   patética  de auto-comiseração.

      Convém, ademais, notar a dominância da   oclusiva “p”, que ainda se faz presente nos lexemas “pobre”(1º terceto, 3º verso),  a predisposição do poeta (e mesmo  precocidade)  para  o relevo que Lili  Leitão atribui  à linguagem  sobre a linguagem, i.e., a  metalinguagem. Releva  recordar que  o humorista joga muito  com o trocadilho, o inusitado da língua,  a anfibologia, como no caso da anedota ou da piada, que exigem  certo esforço mental  para entender jogos de sentidos,  empregos de  nonsense e outros  expedientes que  põem o ouvinte/leitor em estado de alerta  à compreensão da mensagem..

       O tema da impossibilidade da conquista amorosa por razões  financeiras  ou de nível social   superior, caracteriza um soneto de corte  romântico. Recorde-se  que a vida  pessoal de Lili Leitão  foi pontuada  de  aperturas  financeiras A relação entre Romantismo e   biografia  do autor  é  uma questão polêmica  recorrente  envolvendo  os liames entre autor e literatura. 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERTENTE JOCOSO-HETERODOXA.

             

         Para a vertente jocoso-heterodoxa, escolhi como  objeto de análises quatro sonetos de poeta com  os quais pretendo concluir este ensaio: “Um poema”, dedicado à mãe do autor; “As fitas,” explicitamente classificada por Lili Leitão como uma paródia ao soneto parnasiano “As pombas” de Raimundo Correia; “Analisando” e “Na loja”.

        “Um poema”, a começar do título, conota-se primordialmente de motivos que combinam dois constituintes temáticos fundamentais: o sentimento de amor materno e a velha questão da criação literária – este último sempre retomado por poetas, escritores, ensaístas, críticos e teóricos da literatura. O primeiro constituinte motivacional  do sentimento  profundo de amor à mãe não vem  enunciado somente na superfície dos  lugares-comuns  dirigidos à mãe  do  poeta.

         Como se sabe, a mãe é símbolo  primordial da criação do homem na Terra, desde as referências  bíblicas da criação do  mundo, da costela de Adão, da vida no Paraíso e da queda da inocência pelo   pecado de Eva – a primeira  mulher, a que dará frutos para sempre,  a mulher-símbolo da fertilidade, da reprodução,  do caminhar da humanidade e  da  perpetuação  da espécie.

         O segundo constituinte motivacional, enquanto  houver  a capacidade  humana para  criar  Arte, será retomado pelos poetas e todos os autores de outros gêneros literários  e inelutavelmente  conduzirá a dois caminhos teóricos: o da inspiração, que é de procedência romântica, e o da construção do poema ou outro gênero  literário como resultante do trabalho  lógico, consciente, produto da imaginação, da emoção   e do conhecimento técnico a serviço  da linguagem-objeto, do  que os formalistas  russos  designaram como literariedade.

           Por conseguinte, na criação literária do soneto  e no correspondente  desvelamento  analítico do  “Poema”  reside a  força- motriz da essência do sentimento profundo do amor à mãe.Repare-se que, no  desenvolvimento  dos versos tem-se a tensão dialética  entre o  que o narrador  poético  anseia concretizar e  a formalização  poética no processo de construção pela escrita.

          A dificuldade que se põe  perante o narrador  poético estará  entre conseguir escrever um poema de homenagem à mãe e o receio de que não seja capaz de externar esse sentimento extremoso de forma  ideal e artisticamente  compensadora, i.e., que esteja  à altura  da nobreza  do ato  da escrita do poema.

         O campo semântico do soneto é francamente romântico, especialmente pelo desejo manifesto de louvar as virtudes maternas. O esforço do eu lírico soa até com intensidade épica no quarteto  inicial:

Tentei fazer um poema, em que pudesse

Despejar flores sobre o teu regaço,

Revelando o teu nome a cada passo,

Com todo o ardor que a inspiração me desse.

        No 2º quarteto, a dificuldade da comunicação poética mais se intensifica quando o narrador poético se defronta com o elevado nível de emoção, o qual se torna até obstáculo à realização do poema. Em outras palavras, a emoção sufoca a razão, a ponto de, no 1º terceto, sofrer uma interrupção do processo criativo:

                                [...]

Parei, porque nem sempre a pena exprime

Tudo que é  puro e tudo  que é sublime.

         O 1º terceto mostra, claramente, um dos grandes problemas da criação literária: a de que nem sempre a expressão comunicativa é lograda pelo artista.

         Neste diálogo silencioso entre o “eu” do poeta e o “tu”, a destinatária da mensagem, a mãe do poeta, a confissão se reveste de aparente sinceridade no sentido de que a obra literária virtualmente pode atingir seu objetivo, só que no plano abstrato, no plano do pensamento.

        A função conativa, em tom  de desculpa pela impossibilidade de realização  estético-emotiva do poema,  reitera a  contradição entre o que se  construiu  fisicamente como  poema – o soneto de título  “O poema” – e o tumultuado coração romântico do poeta;   Vale, por fim,  acrescentar que a chave de ouro do soneto em causa, longe de negar a existência do poema  a ser produzido, o confirma pela presença  do enunciado do discurso   poético, ou seja,  por todos os seus elementos  configuradores : versos, ritmas, estrofes,  acentuação, métrica, sintaxe, imagens, metáforas, disposição grafemática do poema de forma fixa, enfim, tudo  distribuído no espaço que lhe é próprio,  que é o espaço físico, visual,  da poesia:

                         [..]

Mas não te zangues, não, nem fiques  triste...

O poema que mereces, ele existe:

Ficou guardado no meu  coração!.

        No soneto “As fitas”, claramente definido pelo autor como  uma paródia ao soneto “As pombas”,[16] de Raimundo Correia, famoso vate   parnasiano, ao  explicitar o texto original do qual  Lili Leitão faz um exercício  parodístico, ele dessacraliza todo o clima  aristocrático do uso de  lexemas  raros, solenes,  “o  lavor do verso” como queria Bilac por influência de Gautier que, por sua vez,  redundou no seu “Profissão de fé”, embora  seja  preciso  sublinhar  um fato: Raimundo  Correia, tendo sido  parnasiano,  não o foi  nos  exageros formais e marmóreos  deste estilo  literário. Até chegou mesmo a confessar certa hostilidade a essa forma    de linguagem.

       Tendo-se como princípio de que a paródia tanto serve para  descaracterizar  criticamente a forma  do texto original quanto  se emprega para  prestar  homenagem ao  autor  parodiado, na situação  de Lili Leitão, meu ver, e conhecendo-lhe  alguns  traços  de  sua  poesia  como  de sua  própria  personalidade inclinada ao  humorismo, não é difícil concluir  que  sua paródia  decalcada  do soneto “As pombas” mais  se deve  à sua habitual  vocação satírico-humorística – o prazer do jogo lúdico com a linguagem em si  -  que mais   explica histórica e  socialmente o   poeta  Lili Leitão do que   algum componente   de cunho corrosivo da paródia  em si.

      Apagando do texto de Raimundo Correia as imagens e construções mais grandiosas no que  diz  respeito  ao conteúdo de  ordem filosófica ou moral  do soneto “As pombas”,  as quais são inerentes  ao Parnasianismo,   o poeta  de Vida apertada manteve   o  essencial  - espécie de   vigas mestras compostas de palavras que indicariam  as “marcas” do texto  original,  que foram empregadas  no texto  parodiado,  de que resultou  a seguinte figuração  espacial :

Vai-se a primeira  x x,

Vai-se outra mais ... mais outra xxx

 x  x   vão-se, x x, apenas,

x  x  x  x.

E x x x x x,

x x x x x  elas, x,

Voltam todas x x x.

Também dos x x x,

x x x x x

Como x x x x.

x x x x x x x x Soltam

x, x x, x x voltam

e x x x não voltam  mais !

           Os símbolos representados por x constituem as palavras do texto parodiado. A pontuação figurada é  a utilizada   por Lili Leitão. Pelo  visto,  os lexemas  retirados do  poema-fonte são  reduzidíssimas ressaltando que, no 3º verso do 11º quarteto, o lexema “apenas” que parece no texto de Correia, aí foi deslocado, no soneto de Lili para o princípio do 4º verso deste quarteto. Da mesma maneira, o esquema rimático obedece à mesma disposição no texto  parodiado.

         Não pretendo neste estudo por ora  examinar  pormenores da estrutura versificatória em Lili comparando-a, no âmbito do soneto, com a de Raimundo Correia. Apenas posso  antecipar que os dois sonetos  se  realizam em versos  decassílabos, nos quais o elemento rítmico e rimático em  ambos mantém rigor  no discurso   poético.

         A grande diferença entre o texto de Correia e o de Lili se patenteia na desconstrução do pensamento filosófico elevado do primeiro, em que  os sonhos idealizados pelos corações  na adolescência são, mais tarde, desfeitos, ao passo que, em Lili Leitão existe um intencional  comportamento caricatural ligado à diversão.  Na mudança  de  ambientes  completamente diversos  de um soneto (“As pombas “) e outro ( “As fitas”), e dos seres neles  envolvidos, num  os pombais  com as suas pombas que deles partem e voltam mais tarde; noutro,  os cinemas  que, em sessões de horários noturnos   diferentes,  exibem  velhos  filmes assistidos  por seus  habitués noturnos.

        A paródia tem sido um velhíssimo recurso intertextual  muito  utilizado na história literária ocidental. Num capítulo  sob o título  de “Limites da Intertextualidade”, da obra  A retórica do silêncio, o poeta e ensaísta Gilberto Mendonça Telles[17]  enumera algumas situações   de relações  formais e semânticas entre  textos que guardam entre si  relações  de semelhanças, contiguidades formais, semânticas, retóricas,   que implicam  discussão de  conceitos de texto-fonte  e textos derivados, modificados,  influenciados, imitados, plagiados e até  textos  que se relacionam a um  outro por servirem  como referência  cultural,  forma de diálogo ou chancela  de uma  autoridade reconhecida e respeitada., tais são os exemplos de  epígrafes,  prefácios, posfácios,  manifestos, paródia, introdução ou apresentação de obras. Mendonça Telles, nos exemplos enumerados  por ele, os chama de  “discursos paralelos”. 

       O princípio da paródia  se estabelece nesta  mudança, neste  deslocamento, numa descida  de tons,  de  ambientes cênicos,  da linguagem que da pompa  retórica desce à vulgaridade coloquial, da anulação  praticamente  do seu  nível  conotativo, da  subtração das imagens  finamente  elaboradas do texto-fonte. A paródia, no soneto de Lili Leitão atinge seu clímax de  rebaixamento moral-existencial quando, no último terceto, citado mais adiante na conclusão  desta análise, contrasta a ideia central  dos sonhos juvenis desfeitos do soneto de Correia com o  lamento carnavalizado do gasto  minguado dos cinco tostões  na compra  das entradas  ao cinema,  num   patético gesto de um  mendigo.       

       Neste aspecto, o soneto de Lili se enquadraria  nos três tipos de paródia da classificação de Joseph T. Shipley,  os  quais  extraí do citado  livro de Mendonça Telles:

1)  A  verbal, “ ... na qual a alteração de uma palavra torna trivial uma peça literária:

2)  A formal, “na qual o estilo e os amaneiramentos de um escritor se usam como tema de zombaria. Estes dois  níveis  são humorísticos;

30 A temática, “em  que a forma e o espírito do escritor são caricaturados .”[18]

      Entre o tom de impassibilidade  parnasiana e a veia satírica de Lili a metamorfose, no tocante ao tema,  rebaixa a linguagem, a situação existencial  de um eu lírico que, além disso, sinaliza uma  recorrente situação da temática da obra humorística  de Lili Leitão, de resto  aludida  anteriormente neste trabalho: o problema da fome, das  aperturas financeiras, o que  explica  os seus desacertos de intelectual  boêmio em constante  combate quixotesco contra os “tostões” que a vida madrasta lhe negou e como é  exemplo   paradigmático  o soneto  em exame citado abaixo no seu último  terceto :

                                [...]

           Nas trevas da gaveta o timbre  soltam,

           Porém, noutra sessão, as  fitas voltam

           e esses cinco tostões não voltam mais!

          

           O soneto “Analisando...” é bem curioso pelos desvios estratégico-compositivos. Foge aos  paradigmas poemáticos  tanto dos estilos literários conhecidos em que poderia se moldar como  sobretudo pela introdução de um breve diálogo. Mais se ajustaria a uma breve  peça  de palco de revista. A conversa se trava entre um professor, o eu lírico, e uma aluna.Veja-se o 1º quarteto do  poema:

              - Sei eu conheces bem a língua  portuguesa.

              Vamos analisar um pouco uma oração.

              Aí tens: “O nosso amor domina o n osso  coração”.

              É um trecho bem comum, de máxima clareza.

            Tudo é muito simplesmente desenvolvido, sem rodeio,nem  artifícios  retóricos, sem  aparente  poeticidade. Seria, a princípio,   um soneto apenas nos seus elementos extrínsecos com  intenção de aliar a função  metalinguística à alusão do amor, lexema recorrente  sobretudo no Romantismo. O soneto ganha em invenção, leveza  e originalidade na medida em   que joga, como disse,   com a forma de composição  poética.

Aqui repousa  em grande parte a significação básica do soneto, assim como cria  uma ambiguidade: saber se “o nosso  coração” ultrapassa as fronteiras de uma simples aula de  língua portuguesa ou se o pretexto da frase adrede escolhida como objeto de análise sintática esconde alguma  intenção de natureza sentimental entre mestre e discípulo. Poesia é plurissignificação, mesmo quando subentende ludismo, humor e irreverência – recursos iterativos e identificáveis a quem se familiariza com os textos de Lili Leitão.

          A atmosfera do soneto segue sem voos poéticos. Apenas toma   forma poemática para mostrar  como a construção de um soneto  pode-se valer  de um pequeno diálogo teatral  que, servido dos protocolos   técnicos do verso, do  poema, consegue fazer-se   poesia. Alguém já disse que a poesia moderna  está em  todas as coisas. Dos grandes e pequenos temas ou  mesmo  de  tema algum,  Girando  em torno de si mesma, a poesia  ainda   encontra amplo   espaço  para  ser menos  tema, menos assunto e mais  literatura, mais linguagem.

           A ruptura que o Modernismo de 22 desencadeou,  no que dizia  respeito a temas, formas  e linguagens próprias do conservadorismo literário até pelo menos a fase epigônica da  produção  poética brasileira, fez emergir uma nova  postura anti-aristocratizante e, aos poucos,  foi  substituindo o uso de   vocábulos  solenes por  vocábulos fora dos circuitos  e temas elitistas e eruditos, como seriam  dois bons  exemplos um  poema de Manuel  Bandeira, o que estaria dentro  da nova  postura  bandeiriana  que  se iniciou com   a sua conhecida “Poética.” da obra  Libertinagem (1930) e ainda nesta mesma direção com  o  poema “Nova Poética”, da obra Belo Belo (1948)[19]

         Para os  objetivos da   minha análise  do poema “A loja” de Lili Leitão recorro a uma  fonte de  comparação e de referência devido a pontos  comuns na  natureza do  material  empregado na  composição  do     soneto  de Lili e  daquele  poema de Bandeira extraído de uma notícia  de jornal. Reporto-me ao “Poema tirado de uma notícia de jornal”[20], do mencionado livro Libertinagem, obra editada já em plena ebulição modernista. .Bandeira já havia aderido às formas modernistas da poesia, com o livro O ritmo dissoluto (1924), que anunciava um divisor de águas de sua  poética  ainda presa  aos cânones tradicionais.

        O poema criado a partir de uma notícia de jornal exemplifica aquele  preceito  proclamado   pelas vozes modernistas segundo  o qual não existem temas  especiais  para a poesia. Esta se pode  achar em  qualquer  espaço físico ou mesmo em  qualquer fonte não necessariamente  “ poética.”.

         Ao utilizar uma  matéria  narrativa  no espaço  poético, Bandeira transfunde o prosaico em  poético e, por cima  disso, ainda  constrói um pequeno  poema criativo, com   traços até pré-concretistas, porquanto a organização estrófico-espacial por ele  empregada produz emoção e apelo visual-espacial (os verbos  “Bebeu.”  “Cantou.” “Dançou” verticalmente  dispostos) fruição lírica e até agrega ao lirismo  uma dimensão trágica. Não há nada semanticamente no poema que na superfície faça o leitor  pensar estar diante  de poesia.  Só pelo poder da manipulação das imagens, dos artifícios “técnico-compositivos”, como diria Aguiar e Silva[21], ao sintetizar as ideias de Paul Valéry sobre o complexo  ato de  escrever um poema, aproveitando  um  assunto  digno de matéria sensacionalista  de jornal,  consegue o  lírico de Itinerário de Pasárgada realizar um  poema  de impacto e de natureza eminentemente  poética.

        No  soneto “A  loja”  de Lili, consta,  todavia,   observar  que o autor, apropriando-se de uma anedota,  a qual, em certa medida, se alinha  entre  todas aquelas  formas  escritas (ou orais) como a piada, a ironia, a sátira, a zombaria, o chiste, a transfere para uma  forma  poética tradicionalmente  de natureza canônica, sem que,  no trabalho de elaboração criativa e original, o soneto deixe de perder sua  intenção  humorística. Já no  exercício  da paródia, cujo exemplo é o soneto “As fitas,”, a transferência  se   concretiza  diretamente de um  poema  de formalização séria que,  pela  paródia,   provoca o estranhamento  de natureza cômica. Neste caso,  valeria  esta citação de André Jolles:

 

[...] Certas formas de zombaria – penso na paródia -    oferecem uma  certa semelhança com a imitação. Elas repetem aquilo de que  zombam, mas sublinhando, pelo cômico,  o que continha  os germes  de um desenlace; reptem-no de uma maneira   que o desfaz como um todo.[22] [...]

        Mantidas as  proporções devidas, o  poema  “Na loja”  presta-se a comparações  pertinentes. Se no poema de Bandeira há uma “notícia” de jornal, e no de Lili  textualmente  se declara  a origem da fonte do tema,  uma  “anedota,”  mas   nem um nem outro reproduzem a fonte, já que ambos os  poemas se apresentam  feitos diante do leitor.

       O material em ambos  é apropriado de uma realidade não–poética. Em Bandeira, "João Gostoso" é o protagonista da “narrativa,” que se suicida   jogando-se nas  águas da Lagoa  Rodrigo de Freitas. No soneto de Lili, a personagem, uma jovem “meiga” e “bonita,” entra numa loja em companhia da avó a fim de comprar uma fita de cetim azul-marinho. Ao perguntar pelo preço, o vendedor, um galanteador, não se demora ecomo  resposta lhe  diz que o preço seria “um beijo” para “cada  metro”.

       A mocinha se queixa do preço, mas acaba pedindo ao vendedor que “lhe corte dez metros”. O caixeiro, prelibando  o prêmio em forma  de dez beijos, rápido, exultante, atende ao pedido da jovem.

       No momento de pagar, em chave de ouro, a mocinha malandramente dele se despede e conclui com essa tirada  imprevisível : a  avó pagaria  a conta:

               [...]

- Pronto, formosa! O pagamento, agora...

E a moça lhe  responde, sem demora:

- Adeus! Quem paga as compras é vovó!.

       

CONCLUSÃO

        Na leitura dos poemas humorísticos de Lili Leitão, a chave de ouro mantém regularmente um insuspeitado final cuja consequência por  parte  do receptor da mensagem é o humor, a galhofa, o intento carnavalizado.

        Tomando o ensaio como tentativa de não esgotamento das virtualidades estéticas dos dois poetas, Silvio Figueiredo e Lili Leitão, nos  aspectos da pesquisa ora concluída, posso  reafirmar que a obra de  ambos em muitos ângulos mostra  uma certa unidade  poética, seja pelos  temas dominantes  em Sonetos,  seja pelos seus valores  literários.

        Este estudo não confirma absolutamente serem os sonetos  reunidos de qualidade  secundária ou dignos do  limbo, posto que, em termos  de avaliação  crítica, diria que Lili Leitão,  por ser dotado de maior talento inventivo e de dispor de mais  recursos  estratégicos compositivos,  por vezes atinge um nível de qualidade superior a Silvio Figueiredo, malgrado este dispor de  mais sólida  formação    cultural, segundo  já  referi neste  trabalho.

        Por outro lado, a leitura de ambos bem merece ser objeto de maior  reflexão e, no meu entender,  ainda  se presta  tanto  aos rigores  da crítica de hoje, quanto   maior divulgação junto ao   público ledor.

       O passado da literatura é também um modo de inscrição histórico-social que ao presente importa como conhecimento, experiência e acumulação do saber. Incursionar pelo pensamento poético, imagens e formas de linguagens destes dois poetas da Belle Époque daqueles recuados tempos das três décadas do século passado   é uma oportunidade que o leitor não   pode  perder  de vista.

       Ainda que distante do seu contexto literário e os Sonetos  podem bem  ainda   propiciar  um   proveitoso momento de leitura  para os  amantes de  poesia, sobretudo  porque – releva lembrar – a poesia destes  dois  poetas honram a intelectualidade  boêmia e inesquecível  dos frequentadores  notunos, em Niterói, do  célebre  Café Paris.

            

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NOTAS:

[3]KARHLMEYER-MERTNS, Roberto.,  (Org.) .. In: -- LEITÃO. Luiz ; Vida apertada - sonetos humorísticos. 2 ed Niterói: NITPRESS, 2009, p

Ver, também. na mesma obra, . BARROS. Lui Antonio.. .. .Glossário  estabelecido por Luiz Antonio Barros. P; 255-263.

4 Todas as citações de versos de Sylvio  Figueiredo e de Lili Leitão, para os propósitos deste estudo, foram por mim atualizadas  com a ortografia em vigor.

[5] MATOS,  Gregório de. Obras de G. de M. – IV – Satírica, vol. I. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1930, p. 137-142.

[6] EAGLETON,  Terry. How to read a poem. Malden, MA. USA: Blackwell Publishing,  2008., p. 165..

[7] Cf. RICIERI,  Francine.  Antologia da Poeisa  simbolista e decadente brasileira. Seleção e notas de Francie Ricierei.  São Paulo: Companhia Editora Nacional,  2009, Op. cit.,. Ver página 24.

[8] RICIERI,  Francine. Op. cit.,  ibidem.

[9] BANDEIRA,  Manuel. “Os sapos”. In ---. Poesia completa e prosa. Vol. Único. Org. pelo autor.. Rio de Janeiro: Editora Nova  Aguilar S.A., 1986, p. 158-159.

[10] SILVA, Da Costa e Silva; .In: - Poesias completas. .

[11] SILVA,  Da Costa e.  Poesias  completas.2 ed.  Ver e anotada por Alberto da Costa e Silva. Rio de Janeiro: LIVRARIA Editor  Cátedra; Brasília: INLMEC, 1976, p. 177-186.

[12] Ver CHEVALIER,  Jean e GHEERBRANT. Dicionário de símbolos. Trad. de Vera da Costa e Silva et alli.  8 ed.  Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1994. Ver os verbetes  “Abelha”, p.3-4 e “Corvo,”  p. 295.

[13] Apud BURTIN-VINHOLES, Suzanne. Cours de français. 1er. Anné. Porto Alegre: Globo Editora,  s.d., p. 244-245.

[14] Cf. O  poema no  original em francês: Sois-moi, fidèle, ô pauvre habit que j’aime!/Ensemble nous devenons vieux/Depuis dix ans, je te brosse moi-même/Et Sócrates n’eut pas fait mieux./Quand le  sort à ta mince étoffe/Livrait de nouveaux combats/Imite-moi, résiste en  philosophie:/Mon viel ami,  ne nous séparons pas./Je me souviens, car j’ai bonne mémoire/Du premier jour ou je te mis,/C’était ma fête, et, pour comble de gloire,/Tu fus chanté par mes amis./Ton indigence que m’honore,/ne m’a point bani de leurs brás,/Tous ils sont prêts à nous fêter encore :mon vieil ami, ne  nous séparons pas.

[15] Cf. nota  3  deste estudo.

15. CORREIA,  Raimundo. Poesias completas. Vol. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional,  1948, p. 38.[16] Eis a íntegra do soneto de Raimundo Correia: Vai-se a primeira pomba despertada.../ Vais-e outra mais... mais outra... enfim dezenas / De pombas vão-se dos pombais, apenas/Raia sanguínea e fresca a madrugada.. //E à tarde, quando a rígida  nortada/Sopra aos pombais de novo elas, serenas,/Ruflando as asas, sacudindo as  penas,/Voltam todas em bando e em revoada...//Também dos corações onde abotoam,/Os sonhos, um por um, célebres voam,/Como voam as  pombas dos  pombais //No azul da adolescência as asas soltam,/Fogem... Mas aos  pombais as  pombas voltam,/E eles aos corações não voltam mais...

[17] TELLES, Gilberto Mendonça. A retórica do silêncio. – tória e prática do texto literário. São Paulo: Cultrix/INL?MEC,  1979, p. 21-37. Para um breve e consistente estudo sobre a paródia , assim como da paráfrase e  ouras temas correlatos, seria bom  consultar  o livrinho Paródia, paráfrase &  CIA, de Affonso  Romano de Sant’Anna.  5 ed. São Paulo: Ática, 1995, especialmente os capítulos 3, p.11-13, e o capítulo 12, p.6567 sobre o conceito de “Intertextualidade,” no qual desenvolve  um  brevíssimo  e  útil comentário sobre o  “Poema tirado de uma notícia  de jornal,” de Manuel Bandeira.

[18] TELLES,  Gilberto Mendonça. Op. cit., p. 28

[19] BANDEIRA,  Manuel. Op. cit.,. p. 20, referente  ao poema “Poética.” p. 28, referente ao  poema “Nova poética”.

[20] Idem , p. 214. Por falar no poema de Bandeira “Poema tirado de uma notícia de jornal,”, conviria  consultar  uma análise monumental que Davi Arrigucci Jr desenvolve sobre esse poema, na seção 3, sob o título “Poema desentranhado” da Primeira  parte  da obra A poesia de Manuel Bandeira: humildade, paixão e morte. São Paulo: Companhia das Letras,  1990, p. 89-119.

[21] SILVA,Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Volume 1. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina,  1984, p. 216.

[22] JOLLES,  André. Formas simples. Trad. De Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976, p. 214.