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[Bráulio Tavares] 

(foto de Robert Frank)

Eles estão por toda parte. São pessoas que têm uma visão idealizada do mundo, uma visão excludente que procura o tempo inteiro distinguir o que se aproxima de um ideal estabelecido por eles, e depois descartar o resto. São chamados às vezes de elitistas, mas o seu elitismo social, que de fato existe, talvez não seja a origem de tudo. A origem de tudo é essa atitude filosófica, digamos, de quem diz mais ou menos: “Só o que é Bom merece existir”.

É uma atitude meio torre-de-marfim, sem dúvida, e que atrai com muita força aquelas pessoas ansiosas pela ascensão social, pelo reconhecimento intelectual ou pela criação de um ambiente utópico e superficialmente perfeito que lhes dê a ilusão de estar vivenciando O Mundo Como Deveria Ser. É uma atitude assim que deu origem àquelas expressões que vemos com tanta frequência em colunas sociais: “Sábado passado, a sociedade carioca esteve presente nos salões do Copacabana Palace para a festa de casamento de...”. Ora, “a sociedade carioca”, em termos realistas, pressupõe a totalidade dos 6 milhões de habitantes do Rio de Janeiro. Para quem se exprime assim, no entanto, “a sociedade carioca” são alguns milhares de pessoas que realmente contam, que têm de fato importância. O resto não existe.

No jornalismo cultural acontece o mesmo. Ele reflete a mentalidade das pessoas para quem rock-and-roll não é música, ficção científica não é literatura, cordel não é poesia, e assim por diante. Os defensores dessa visão definem cada uma dessas atividades a partir do perfil das obras que eles consideram importantes. Já que existem as grandes obras literárias, para o restante não basta dizer que são má literatura, é preciso dizer que não são literatura, que estão excluídos do campo literário, das discussões literárias.

Para esse idealismo, só “é” de fato o que corresponde ao seu ideal. Os idealistas têm uma concepção seletiva do mundo. Só existe o que se aproxima do modelo. São eles os primeiros a dizer: “Esse criminoso não é um ser humano”. Dizer que esse indivíduo não é um ser humano os autoriza a negar-lhe tudo que somos obrigados a conceder aos seres humanos por força da lei ou das tradições não escritas. Enquanto o ideal de ser humano foi o homem branco, considerava-se que as mulheres não tinham alma e que os negros eram animais.

O contrário dessa visão é a visão realista, que nos diz: cada grupo de seres inclui o que tem de melhor e de pior, e é pelo seu conjunto que deve ser julgado. De nada adianta um país ter dez milhões de milionários se nele ainda existirem dez mil miseráveis. O retrato de um país não é sua camada superior, é a justaposição e a comparação entre seus pontos extremos.