O TERCEIRO VOLUME DAS “REFLEXÕES PEDAGÓGICAS”

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro “Reflexões pedagógicas”, volume III: “Nascimento de um “Homem-Novo”?”, pelo Padre Artur Alonso S.J. Edições Loyola, São Paulo-SP, 1983. Capa: José Carlos Rossi.  Pórtico: Pedro Calmon.

 

Com um estilo erudito e inconfundível, o Padre Alonso, jesuíta, vai traçando com método e serenidade uma chocante mas necessária radiografia da moderna civilização, hedonista, anarquista, materialista, useira e vezeira na inversão de valores.

Essa radiografia vai fundo na questão, demorando-se em fatos estarrecedores mas que se tornaram, no fim das contas, banais.

Tudo tem a ver com a recusa de Deus e seus princípios. Logo no início o autor comenta:

“Maraux, encerrando uma sessão  acadêmica sobre o tema da morte de Deus, teve a seguinte expressão: “Ouvimos, meu senhor, ouvimos bem? Deus morreu, nasceu o homem!...”

Será realmente novo esse homem  supostamente nascido da suposta morte de Deus?”

O Homem, levado pelo seu primitivo orgulho, chega à aberração de falar  em “morte” de um ser que é imortal por natureza por natureza, já que é puro espírito, não sendo composto de partes. A crença em Deus traz em seu bojo obrigações morais. Se Deus não existisse, tudo de fato seria permitido por não existir uma instância final e infalível de Justiça.

Os comentários do Padre Artur Alonso são sagazes e oportunos. “Triste, pelo contrário, bem triste e desumanizante é a ilusória liberação do “homem-novo”, quando sonhando emancipar-se dos compromissos inerentes a uma esperança no Absoluto, passa a sofrer, em cada nova aurora, a mesma angústia da véspera, encurralado que vive, e em trágica oscilação pendular,como o descreve Gabriel Marcel, entre “O Desejo e o Temor”. Desejo e temor... Haverá expressão mais sintética para significar angústia? Desejo que — em sua lógica do absurdo — o agnosticismo condena a ficar, irremediavelmente, insatisfeito e frustrado, quando o define “infinito na tendência e, ao mesmo tempo, carecente de infinitude existencial”.

E o autor lembra alguns bordões da contra-cultura: “Prega, prega, pai, que por um ouvido entra e pelo outro sai”. E também: “Não pensar, para melhor gozar”. É a cultura da irresponsabilidade.

O livro fala muito sobre os distúrbios anarquistas na França em 1968, deixando bem clara a ausência de um projeto, um objetivo definido, que não o de mera contestação.

O saudoso Papa Paulo VI, contemporâneo dessas explosões anarquistas, é profusamente citado em suas preclaras declarações:

“Parece (audiência geral em 13/11/74) que um estado de incerteza interior, de incerteza acerca da própria definição pessoal, está a impedir o acolhimento fácil e confiado do plano espiritual.”

É a cultura do relativismo, que abandona o pensamento objetivo e aos poucos vai tirando a capacidade de pensar, de estabelecer ligações. Uma civilização que não pensa está em processo de auto-destruição.

Livro importantíssimo das letras nacionais.

 

Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 2024.