O TEMPO EM RIATLA - ENSAIO DE NIRTON VENANCIO
Por Diego Mendes Sousa Em: 01/06/2025, às 21H25

O TEMPO EM RIATLA
Por Nirton Venancio
Muitos escritores erguem desenhos urbanos, como metáforas que traduzem a relação das pessoas com os lugares. Italo Calvino em sua obra máxima “As cidades invisíveis”, arquitetou a geografia afetiva de mais de cinquenta espaços que enunciam as condições e inquietações humanas, como memória, crenças, esperança, velhice, morte.
O poeta piauiense Diego Mendes Sousa edificou em sua obra a cidade imaginária Altaíba, em referência e reverência a sua musa, onde somente ele reside ao lado do “amor transcendido dos / manguezais femininos da Altair”, como registra em um poema do livro “Velas náufragas” (2019).
Sousa sedimenta em sua alma litorânea um burgo muito mais distinto do que Pasárgada, onde Bandeira era amigo do rei e escolheria uma mulher; urbe mais eterna que Itabira que se tornou apenas uma fotografia na parede e como doía em Drummond; aldeia muito mais polida do que Macondo, onde García Márquez viveu sua solidão centenária. A cidade do poeta no quimérico dos deltas é conjugação no indicativo presente.
O piuaiense da Parnaíba inventa mais um enigma geográfico em seu novo livro “A borda do mar de Riatla” (Editora Brigada Mandu Ladino, 2025). Cidade erguida entre o rio e o peso mitológico do mundo, como alude o topônimo, movido e evocado o autor pela distância e migração: “A saudade é sua memória”. E sabe e anuncia que de longe “o Tempo atravessará / a terra / e a terra em ânsia / será o rio novamente / a sangue-frio”.
E assim a latitude de mais uma cidade, a longitude de mais um sonho, as páginas de mais um belo livro com alveolismo de Gauguin na capa de edição em formato quadrângulo, como uma moldura que estampa a “imaginação / fecunda / de voar enterrado / no chão” e pontilha as cores anis das manhãs e os pinceis alaranjados das tardes.
Diego Mendes Sousa no chão anímico de Riatla refunda o tempo e o espaço, como disserta em “Aprofundamentos”, poema ali no meio da brochura, sol a pino de reflexão filosófica-existencial. Refunda “a água / pela sede” de procurar; “o nada / pela alquimia” de recriar; “a saudade / pelo estrangeiro” em pleno Planalto Central do país, onde os versos nasceram com o “banzo atordoado”.
O livro é um encantamento ao andar pela “cidade agarrada / aos sonhos marítimos / em suas ruas estreitas”. A água molha minhas retinas a cada página navegada que passo, seguindo o autor como “marujo embarcado no mar e no sol”.
Diego atravessa mares para afogar pesares; revisita em seus deltas o azul da infância; vislumbra na distância o cais - esse círculo da vida, chegada e partida de pedra e nuvem, onde tudo é memória.
Mas “Nunca se termina / o sublime desse rio”, mesmo regressando ao porto e sua história, onde acenam "a amabilíssima avó Maria José" e os "prepostos fantasistas". Aprende-se na navegação que “terminar não rima / com o oceânico”: a vida, o amor, a morte. E Diego cartografa esse sentimento e dimensão com a airosidade de uma escrita pulsante com o barulho do mar de Riatla que ouvimos.
Terminei a leitura e continuei pela cidade.
Essa é a grandeza da poesia: quando o poeta ausculta o coração do leitor, quando este cumplicia-se na “tristeza estremecida”, infiltra-se no “sono agônico” e delicia-se nos “verbos de viver”.
Em Rialta, o poeta, eu, tu e eles, “éramos nós que / passávamos e / não o tempo”.
Ensaio de Nirton Venancio, poeta e cineasta brasileiro.
==
(Diego Mendes Sousa e Nirton Venancio no lançamento do livro de poemas "A borda do mar de Riatla" em Brasília).