O profeta Gentileza e a intolerância de hoje
Por Elmar Carvalho Em: 04/06/2020, às 05H44
DIÁRIO
[O profeta Gentileza e a intolerância de hoje]
Elmar Carvalho
04/06/2020
Tenho a impressão, aliás compartilhada por alguns amigos com quem já discuti o assunto que agora trago à baila, que muitas pessoas se tornaram mais impacientes e mesmo intolerantes após a quarentena, um tanto compulsória, imposta pela covid-19, que ainda vivenciamos, não sei por quanto tempo ainda. Ao que parece, a máscara ainda será um adereço a ser usado por um bom tempo.
Muitos dos que se autoproclamam da direita discutem de forma acirrada com os autorrotulados da esquerda, e estes revidam da mesma forma e no mesmo grau de intensidade, por causa, muitas vezes, de ninharias, de insignificâncias.
E, o que é mais curioso, um lado chama o outro de intolerante, quando ele próprio também o é, ao menos no conceito do antagonista. Reivindicam o direito à livre expressão, mas não dão ao outro o mesmo direito. Querem deitar falação, algumas vezes estapafúrdia e incoerente, mas não admitem que a outra parte tenha o mesmo direito. E ambas não admitem escutar o que a parte adversa tem a dizer. E se acusam, reciprocamente, de radicalismo e intolerância. São os “radicais livres”, com relação à sua própria liberdade, que desejam ilimitada.
Invocam o constitucional direito de livre expressão, mas se esquecem de que esse direito, como qualquer outro, não é absoluto, e que termina onde e quando começa o do outro, ou melhor, o de nosso semelhante. Também parecem não saber que, através da livre expressão, crimes e pecados podem ser cometidos, tais como “assassinatos” de biografias e reputações, injúrias, calúnias, difamações, falsos testemunhos e declarações inverídicas, falsidades ideológicas etc.
Todavia, quando se consideram vítimas de eventual abuso do direito de livre expressão se revoltam e, então, sabem procurar a Justiça em busca de reparação a danos e prejuízos, e de que esses abusos sejam coibidos.
Muitos postam ou compartilham as chamadas fake news, sem atentarem para os malefícios que podem estar causando a outrem. Contudo, quando falsas notícias lhes causam prejuízo, passam a compreender que a livre expressão não pode ser um direito absoluto, e que deve estar sujeita às regras limitadoras de nosso ordenamento jurídico.
Já soube de casos de pessoas que se “intrigaram” com parentes próximos e amigos por causa de questões ideológicas e por causa de certos políticos que idolatram, tanto da chamada direita como da esquerda, cujos nomes não declinarei, mas que acho só merecem a execração e o desprezo de pessoas de bem. Muitos deles são apenas mentirosos, vendedores de ilusões, demagogos e populistas, preocupados apenas com a vaidade do poder e com o ter, e que nunca cumprem o que prometem em suas campanhas eleitorais e programas partidários e de governo.
Vejo agora muitos jovens e não tão jovens depredando prédios públicos e particulares, assim como tocando fogo em carros e outros bens. Ora, sempre soube que não é com a destruição dos ricos e das riquezas que se irá resolver o problema da miséria. Ao contrário, a dilapidação de patrimônios e de empresas só irá gerar mais miséria, mais fome e mais pobreza e desemprego. Construir sempre foi muito mais difícil e mais caro que destruir. O próprio tempo, por si só, é um artífice do caos e da destruição.
Por causa de tudo isso e de mais alguma coisa que julguei desnecessário abordar, me lembrei do Profeta Gentileza, cujo nome era José Datrino (1917 – 1996). Com a sua túnica branca e a sua longa barba de profeta, cheguei a vê-lo, no final dos anos 80 ou começo dos 90 do século passado, na esquina do relógio da Praça Rio Branco, em Teresina, com um grande painel, que prefiro chamar estandarte, a pregar o amor, a bondade, a tolerância e a gentileza.
E como hoje estamos a precisar de que essas virtudes sejam cultivadas e praticadas por cada um de nós, ainda que só no espaço de nosso pequeno quadrado. Gentileza, que fora na juventude um amansador de burros brabos, se tornara um “amansador dos burros homens da cidade”, como ele se denominou.
É necessário que nos tornemos mansos, tolerantes, pacíficos e cordiais, como pregava o nosso profeta, que também advertia: “Gentileza gera gentileza, amor.” Em gestos de pura gentileza, oferecia flores e rosas a pessoas que sequer conhecia. Aos que o chamavam de louco, respondia simplesmente: “Sou maluco para te amar e louco para te salvar.”
E, para que a pregação do Profeta Gentileza não seja a voz de alguém que tenha clamado no deserto, basta que se siga a regra de ouro deixada por Cristo, que é uma síntese de tudo quanto ambos ensinaram: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas [Mateus 7:12:].”
E como corolário, observemos o sublime mandamento, por muitos considerado o dom supremo: “O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei [João 15:12].” Se isso acontecesse, a humanidade não precisaria mais de leis, e as masmorras poderiam ser demolidas.