O poeta e seu labirinto, de Elmar Carvalho
Por Carlos Evandro Martins Eulálio Em: 21/05/2023, às 14H43
Carlos Evandro M. Eulálio*
É com imensa satisfação que nesta radiosa manhã de outono, na Terra dos Carnaubais, participo do lançamento da obra “O poeta e seu labirinto”, do renomado escritor Elmar Carvalho, livro que singelamente o autor denomina opúsculo. Do latim, opusculum, é diminutivo de opus, obra. Tipo de publicação de caráter literário ou científico, bastante utilizada no final do século XIX e início do século XX, contendo geralmente entre 20 e 30 páginas. O opúsculo possui ainda outra característica, o fato de ser escrito e editado como uma obra isolada. Para exemplificar, cito A Paz Perpétua, opúsculo de Kant, sobre o finalismo, publicado em 1795. Na literatura brasileira, um dos primeiros e mais conhecidos opúsculos foi da autoria de José de Alencar: “Como e Por Que Sou Romancista,” de 1873, autobiografia literária em forma de carta, com a finalidade de oferecer informações a respeito de si mesmo, a Inocêncio Francisco da Silva, autor do Dicionário Bibliográfico Português. No Piauí, O. G. Rego de Carvalho, seguindo o modelo de Alencar, deixou-nos o opúsculo "Como e Por Que me Fiz Escritor", editado pelo Projeto Lamparina, em 1994. Com esses dados, queremos apenas ressaltar a importância deste gênero de publicação, bastante utilizado por notáveis escritores da literatura brasileira de todas as épocas.
Em O Poeta e seu Labirinto, o autor reúne 21 poemas que extrai de sua monumental obra Rosa dos Ventos Gerais. O termo labirinto, com base no imaginário coletivo, leva-nos num primeiro momento a concebê-lo como um complexo de caminhos enredados, de difícil saída. Na poesia de Elmar Carvalho, o labirinto constitui a metáfora da própria existência que, apesar dos tortuosos caminhos que percorreu, há sempre uma luz no final do túnel. Assim canta o poeta:
Minha estrada
é a esteira de luz
que o sol traça no mar.
Meu arco-do-triunfo
é o arco-íris
que o sol pinta no céu.
(CARVALHO, 2023, p.29)
No nosso ensaio sobre os poemas do livro Rosa dos Ventos Gerais, já em sua terceira edição, após tecer algumas considerações sobre o cenário sociopolítico e literário brasileiro, no qual situo o poeta e as suas primeiras manifestações literárias, enfatizo também seus vínculos com a modernidade poética, sem abandonar a tradição literária e dela extraindo sábias lições que refletem e refratam originalmente em suas criações poéticas, mediante emprego de recursos linguísticos, plásticos e sonoros, nas mais diversas e expressivas combinações. A seleção de poemas inserta neste opúsculo foi feita criteriosamente pelo próprio poeta, com foco nos temas que abrangem a vida, o amor, a mulher, o poeta, o poema, o sexo, o tempo e memória.
A lírica funde-se ao épico e ao dramático para desvelar uma poesia de caráter mítico e histórico, não porque narra eventos históricos, mas porque dialoga com os homens de todas as épocas, por meio da intertextualidade. Assim é o diálogo com a mitologia no poema Na Noite, pelo qual o eu lírico, isto é, a voz que enuncia o poema, resgata um dos mitos gregos mais conhecidos: O labirinto de Creta, edificado por Dédalo, para nele encarcerar o monstro Minotauro, meio homem, meio touro, alimentado com jovens a ele oferecidas. E Teseu, guiado por Ariadne, marca o caminho com um fio de novelo, a fim de destruir Minotauro. Eis o poema:
Na noite
um sapo coaxa.
Uma puta triste
acha graça. Acha graça.
Um galo
às desoras desfere um canto
fora de hora. E chora.
Um cão ladra por nada:
nenhuma cadela no cio.
O silêncio
grita como louco
na concha acústica
dos labirintos dos ouvidos moucos
por onde um Teseu lasso caminha
em busca do Minotauro – perdido
sem o fio de Ariadne –
conduzido por outro fio
que parte / se parte e
se reparte entre o ser
e o não ser.
E os gritos de Teseu
arrancam ecos
que já ecos de si mesmos
se repetem se repetem
até a mais completa
absoluta exaustão.
(Na Noite)
A poesia de Elmar Carvalho, reconstitui pela linguagem cenários, flagrantes de uma existência, imagens do passado que são ícones de uma época que já vai longe de todos, mas impregnam a mente com o vigor da recordação liricamente recuperados. Assim canta o poeta em trecho do poema Eterno Retorno:
[...] recordações de fantasmas
que já nos abandonaram
de amigos mortos
que nos acompanham
cada vez mais vivos
de sustos e gritos
de proscritos e malditos
de agouros e assombrações
de desdouros e sombras vãs, malsãs,
oriundos dos porões escavados
nos subterrâneos dos sobrados
subterfúgios e refúgios
da memória.
Os poemas de Elmar transmitem ao leitor inesquecíveis ensinamentos. Nesse sentido surpreendemos em sua obra um aspecto que reputo da mais alta importância: o caráter pedagógico de seus textos, como assinala Mário Faustino nos Diálogos de Oficina: “Os grandes poetas sempre se interessaram ativamente pela Filosofia, pelas ciências e pela política de sua época, encontrando-se em cada um deles o retrato mais ou menos fiel e minucioso do que se passava e do que se fazia na dinâmica social do tempo em que viveram. [...] Toda poesia verdadeira é didática. E nenhum meio de comunicação ensina tão profundamente e de modo tão inesquecível quanto a poesia” (FAUSTINO, 1977).
Ao conhecer o poeta Elmar, no início dos anos 1980, tive o privilégio de assistir à gestação do épico Dalilíada, poema inspirado na obra de Salvador Dali. Ao acompanhar de perto o seu trabalho, constatei que acabara de conhecer um erudito. Um poeta que não se rende aos apelos da inspiração, porque concebe o poético como produto de um trabalho elaborado e planejado. Assim vejo o poeta e os seus poemas. Estes não brotam de um momento circunstancial, ou como um Deus ex machina, isto é, como aparição do inesperado, mas do trabalho de oficina, eivado de reflexão e sabedoria. É o poeta fabro, ou seja, o poeta fazedor, o poeta artífice da palavra, cujo trabalho também contribui para elevar e aperfeiçoar o nosso idioma.
*Carlos Evandro Martins Eulálio, professor de Latim e de Língua portuguesa, é membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira 38.