O Piauiês a caminho da ONU
Em: 04/09/2008, às 07H36
Por Edmílson Caminha
Ser piauiense é achar um riozão como o Parnaíba a coisa mais natural do mundo; é jurar que viu o Cabeça de Cuia em noite de lua cheia; é achar mestre Dezinho melhor do que Picasso; é tomar banho nu na Cachoeira do Urubu (só pra rimar...); é não trocar o Delta do Parnaíba pelo Pantanal do Mato Grosso; é aprender com o Cineas Santos a não dizer “menas”, e que Graça Aranha nunca foi a mulher de Oswald de Andrade; é sonhar com o Albertão lotado, para ver os dois Flamengos, o de Teresina e o do Rio, na final da Libertadores (e o nosso ganhar!); é ter sido freguês de caderneta do cabaré da Bete Cuscuz; é morrer de rir com as histórias do João Cláudio; é fazer amor com uma cunhã na beira da Lagoa do Portinho; é achar o capote da Dalva mais gostoso do que faisão dourado; é não só nascer no Piauí, mas também amá-lo com o orgulho que temos pela terra natal (como eu...) Ser piauiense, enfim, é andar de currulepo, é botar sentido no que tem valor, è às vezes acordar de revestréis, é morar xis com o resto do mundo...
Entendeu não? Pois vá correndo à Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês, do Paulo José Cunha, que está tudo lá... O dicionário chega à terceira edição enriquecido pelo talento do cartunista Jota A, com o selo de qualidade que a Oficina da Palavra põe em tudo que faz. Como quem não queria nada, meio de brincadeira, o jornalista, poeta, cronista e professor Paulo José Cunha acabou por elaborar uma obra séria, como as que escreveram Câmara Cascudo, Mário de Andrade, Leonardo Mota e Fontes Ibiapina, para lembrar apenas alguns mestres do folclore brasileiro.
Tanto quanto o curioso e o pitoresco das expressões divertidas, irreverentes, jocosas, revela-se no cearensês, no baianês, no gauchês, no piauiês - enfim, nos falares próprios das regiões e dos estados do Brasil - o desejo da individualização, da diferenciação, com que nos queremos identificar como cearenses, baianos, gaúchos e piauienses. Talvez porque não nos baste ser brasileiros: fazemos questão de assumir a aldeia em que nascemos, a cultura que herdamos, a história que vivemos, as raízes que nos prendem ao chão, como se sofrêssemos todos, na bela expressão do folclorista cearense Eduardo Campos, de um Complexo de Anteu, a extrair da terra a seiva que não nos deixa morrer.
Ciente disso, Paulo José Cunha danou-se a registrar termos que vão de fogoió a licute, de correr a lacuchia a queimar a priquita. Há um que parece até coisa de Machado de Assis, o solene e formoso percúndia, mas que é piauiês puro. Tão interessantes quanto os verbetes são as acepções que lhes dá o pesquisador: baixa da égua, “longe que só a porra”; cor de bosta serenada, “amarronzado, puxando para o mostarda”, com o que diz tudo, para economizar o tempo dos leitores que não vivem a enfiar peido em cordão (outro verbete, por sinal...)