O PANTHEON DE CAXIAS
Por Elmar Carvalho Em: 09/06/2011, às 05H02
Elmar Carvalho
No domingo, dia 29 de maio, estive em Caxias – MA, aonde fui levar meu filho João Miguel para fazer concurso do TRE. Já estivera nessa cidade uns treze anos atrás, em viagem de lazer. Mais uma vez fui ao balneário Veneza, que na verdade é a vertente em que nasce o Itapecuruzinho, afluente do Itapecuru, um dos rios emblemáticos do Maranhão, cantado pelos seus poetas. Apesar do longo tempo decorrido, o poder público nada fez para embelezar e urbanizar essa nascente e local de lazer, exceto o início da construção de bares e restaurantes mais adequados ao turismo.
Além da forte ligação comercial que Caxias sempre teve com o Piauí, desde o período provincial, dois fatos históricos a ligam ao nosso estado. Segundo o insigne historiador padre Cláudio Melo, o seu idealizador é o marechal de campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, fundador de São Miguel do Tapuio e Campo Maior, no Piauí, e de São Bernardo, no Maranhão, onde encerrou os seus dias; seu filho Miguel de Carvalho e Aguiar é um dos fundadores de Barras – PI. Após o término da Batalha do Jenipapo, em Campo Maior, em que teve uma vitória de Pirro, inclusive tendo grande parte de sua bagagem bélica sido apreendida pelos heróis nacionalistas, João José da Cunha Fidié resolveu seguir para Caxias, onde se refugiou e tentou resistir, tendo fixado seu quartel no Morro do Alecrim. Todavia, terminou sendo sitiado e vencido pelos combatentes do Piauí, Ceará e Maranhão, que não lhe deram trégua. Nesse local existe o Memorial da Balaiada; não sei se existem peças e documentos sobre a luta contra Fidié.
Andando pela cidade, flagrei o poeta Gonçalves Dias a declamar seus versos, lavrados numa folha de papel que segurava, para uma praça deserta, encarapitado no topo do pedestal de sua estátua. Apenas eu, em meu íntimo, aplaudi o poeta. Ali perto, na praça de uma igreja centenária, vi uma estátua de N. Senhora, protegida por uma redoma de vidro. É que os pássaros e os vândalos não respeitam as esculturas e as obras de arte; os primeiros através de suas necessidades fisiológicas, e os segundos, mediante o uso de sprays ou de instrumentos que lhes danificam e mutilam. Há mesmo poetas que não querem essas homenagem, para que as aves não lhes sujem a cabeça esculpida.
Logo ali perto, no centro histórico, vi um casarão fechado, já um tanto em ruínas. No beiral, que outrora deveria ter sido belo, equilibravam-se árvores e trepadeiras, estas no bom e literal sentido do vocábulo. Sem dúvida, eram sinais ostensivos de abandono. Vi outros sobrados que também apresentavam fissuras, desbotamento de tinta e deterioração do reboco, que são as chagas, os achaques e reumatismo dos velhos prédios, abandonados pelos donos ou pelos responsáveis pelo espólio, no caso de complicados, turbulentos e infindáveis inventários. Nota-se que já foram belos, sobranceiros, quase soberbos em sua época de fastígio, quando os capitães da indústria e do comércio ditavam suas ordens e promoviam suas festas faustosas.
No meu périplo caxiense, encontrei o prédio de extinta fábrica têxtil, que outrora fora símbolo de poder e de orgulho, com os seus operários e administradores na azáfama do dia a dia. Como os engenhos do romance de José Lins do Rego, o seu fogo de há muito já era morto. Todavia, um penacho de nuvem por detrás da alta e soberba chaminé, que, como uma torre de Babel, parecia querer desafiar o céu, provocou-me uma ilusão de ótica, dando-me a impressão de que ainda soltava as suas últimas baforadas de fumaça, e eu tive a ilusão de que os operários ainda teciam as peças de pano, e que os teares ainda se movimentavam com seus dedos de fiadeiras mecânicas. Contudo, as plantas que nasciam na boca da chaminé me trouxeram de volta à triste realidade, e eu tive a nítida certeza de que o facho de vida da fábrica já estava morto e emborcado. Também em Caxias existiu famosa indústria de óleo de coco babaçu, já inativa há longos anos. Não pude deixar de me lembrar da fábrica têxtil de Teresina, onde hoje funciona uma loja do Armazém Paraíba, e das grandes indústrias de óleo do Piauí, como a Moraes S. A., a Livramento e a Gecosa, que foram sendo devoradas pelas indústrias mais modernas, e que usavam outros insumos e matérias primas mais rentáveis.
Por fim, cheguei à Praça do Pantheon, de belo, justo e adequado nome. Ao longo de seu quadrilátero, vi os bustos dos filhos ilustres de Caxias. Lá estava Gonçalves Dias, a que já me referi, um dos maiores poetas do Brasil, um verdadeiro homem de ciência, que se orgulhava de ser o amálgama de três raças: a indígena, a negra e a branca. Amargou o amor interdito por Ana Amélia, mas que lhe rendeu excepcionais versos líricos, que ainda hoje nos encantam. Lá estava o poeta Vespasiano Ramos, que concebeu famosos sonetos, que eram decorados e recitados nos saraus e nas conversas, seja de intelectuais, seja de botequim, dentre os quais o celebérrimo Samaritana. No Pantheon, mudo em seu pedestal, contemplei a imagem de Coelho Neto, hoje quase esquecido pelos historiadores da literatura brasileira, talvez por causa dos ataques ferrenhos de próceres do modernismo, que o crucificaram sem dó nem piedade. Segundo Josué Montello, o grande escritor preferiu recolher-se ao silêncio, sem revidar às bordoadas que lhe foram atiradas. No entanto, no seu auge, era um dos mais ativos e mais famosos escritores. Ficou com a pecha de ser um parnasiano da prosa, de ter um estilo excessivamente rebuscado. Entretanto, talvez volte a ser reabilitado, pois não há dúvida de que escreveu belos textos, e muitos de seus contos e romances hão de ficar, com o seu estilo rigoroso e castiço.
Não conhecia o outro grande vulto do Pantheon, o Dias Carneiro. Pesquisei na grande rede, mas nada pesquei que me desse segurança. Fiquei na dúvida sobre se seria o prefeito e industrial João Paulo Dias Carneiro, ou se seria o governador Antônio José Dias Carneiro, que era um bom homem, partidário da abolição gradual da escravatura, ou se seria o poeta e industrial Francisco Dias Carneiro. Ao que tudo indica, todos mereceriam figurar no Pantheon, mas um busto é individual, e não tricéfalo, de modo a poder representar os três. Portanto, para dirimir essa dúvida, recorri, através de e-mail, ao jornalista Lima Coelho, de quem recebi a honra de ter contos de minha autoria publicados em seu importante portal, e ao historiador Renato Meneses, que me informou que “trata-se do industrial e poeta Francisco Dias Carneiro o busto exposto na Praça do Pantheon. Fundador da Sociedade Industrial Caxiense, constituída em 1884 e fundada em 1888”. Vi apenas um poema desse último vate e capitão de indústria, mas considero que ele cantou belamente os rumores e as ramagens do Itapecuru, em versos sonoros, melodiosos, refertos de imagens e sentimentos.