O  país é violento(5)                 

 

    Cunha e Silva Filho        

 

         A esta altura da vida  –  e eu já vivi um bom pedaço dela  -  não temo expressar uma opinião, a de que o Brasil  é violento em muitos aspectos da sua vida social: no trânsito, nos transportes, na rua, na política, na vida comunitária,  no trabalho, na  escola, na universidade,  nas repartições, nos relacionamentos interpessoais, na família,   entre famílias, entre religiões, nas prisões, no campo, na cidade.  A lista é,  pois,  imensa.  

        Violência que explica ser  o  país um dos que mais  detêm  prisioneiros no mundo. Nossas  cadeias estão entupidas, nossos presídios, idem. Imagine o leitor que   o número de  presos  aqui  ainda seria muito maior se não houvesse a impunidade nos seus vários segmentos  sociais e em suas diversas instâncias do governo. A impunidade – terrível  contradição -  está às avessas  até prestando um  “auxílio” ao sistema  carcerário, já que não existem  vagas suficientes  para  milhares de  criminosos soltos espalhados  por aí.         Ao mesmo tempo em que esta contradição  na qual a impunidade atualmente  “evita”  o crescimento de presos nas delegacias  e  presídios, a violência  tende a crescer assustadoramente.

       Ante  esta realidade  complexa, a  sociedade brasileira  se vê encurralada e refém dos delinquentes de todos os tipos, de tal sorte que  o Estado   brasileiro se encontra encalacrado, quase  impotente   na tentativa de  buscar  formulações  inovadoras  para atacar  a questão de frente. O que os meios de segurança  fazem são apenas remendos que não servem  para  solucionar  os graves dilemas de um país  atravessado  pelo seu mal maior: a violência. Quem acompanha  os programas de televisão  que se dedicam  a  fazer  reportagens sobre a violência  brasileira  sabe a quantas anda este  flagelo nacional.        

      Afirmar   que nosso  povo  é pacífico, cordeiro,  cordato, ordeiro seria   encobrir a realidade dos fatos  de nossa  história  social. Diariamente,  somos  bombardeados  por  notícias nos jornais,  televisões, rádios e outros  meios  de comunicação relatando  atos  cruéis,  covardes  e hediondos  praticados  por brasileiros de tal maneira que hoje em dia,  por qualquer motivo fútil,  um individuo  assassina  friamente  um outro, foge  e transforma frequentemente o seu ato homicida em impunidade. Outras vezes,  um criminoso  em potencial, dirigindo  irresponsavelmente seu carro,  atropela  inocentes e, na delegacia,  paga  fiança e é  liberado. Outra vezes ainda  o  criminoso nunca   é  descoberto mesmo  após  investigações  policiais.        

       Um psiquiatra ou sociólogo, não me lembro  bem,  na televisão,   admitia  que o recrudescimento da  violência brasileira  atingiu  níveis tão elevados  e com  altíssima frequência  que já se poderia  falar  que estamos  vivendo uma fase intolerável de   “patologia  social.”   Esta realidade social deformada que se criou por  diversas razões – negligência do poder  público, impunidade, conivência  entre delinquentes e  instituições de segurança, polícia  corrupta e homicida de braços  dados com  a criminalidade,  trafico de drogas,  armamento  contrabandeado através de nossas  frágeis   fronteiras com os países  vizinhos, entre   outros -  é que  tem  que ser  objeto   prioritário  da segurança  nacional através de seus principais órgãos públicos, desde os Ministério da Justiça, Polícia Federal, delegacias  estaduais, polícia civil até  organizações  privadas que se interessam  pelo bem-estar  da sociedade civil. Nessa luta  pela   diminuição da violência no país  todos os brasileiros  devemos estar  profundamente envolvidos.      

       O Estado  brasileiro  não  resolverá sozinho  esta questão crucial porquanto  na violência  estão  embutidas  outras  questões decisivas e complementares   no processo de encaminhamento  de  sugestões,  recomendações e  estratégias que bem poderão  ser buscadas na  melhoria  de nosso sistema de educação, na melhor qualidade de nossas escolas  públicas e privadas e sobretudo no seio da família. Desta  célula social muito depende a  melhoria  de  padrões  e comportamentos  morais e éticos, com  dobrada atenção na  criação dos filhos, na orientação destes e nos exemplos do bom  relacionamento  entre  os pais de família, sem cujo alicerce sólido, no seu conjunto geral,  a  “família amplificada,” na metáfora criada por Rui Barbosa (1849-1923) para definir  a pátria (Oração aos moços),   não terá  uma referência  digna de ser seguida pelos seus  rebentos.   

       Tal comportamento que se exige dos pais nada tem  de  retrógrado nem   está dissociado da contemporaneidade. Sei que vivemos uma realidade bem diferente  de décadas  atrás. Não é o nível social  da família  que  responderá  pelos fracassos dos filhos, pois encontramos   felicidade  e honradez ainda nas famílias  mais   desfavorecidas. “In medio consistit virtu,” (“A virtude está no meio”) costumava   dizer  meu  pai, repetindo    a máxima latina.
       A família  pode viver os tempos atuais  cibernéticos em paz se exageros  e permissividades não forem  consentidos  pelos pais. Para  que a cadeia  entre  pais, filhos e netos tenha sucesso do ponto de  vista  moral,  cumpre que  os pais  cuidem de suas  responsabilidades para com os filhos, ensinem  a eles o caminho do Bem,  das boas virtudes,  da solidariedade,  do respeito  aos semelhantes, aos amigos,   aos colegas, aos mais idosos em que qualquer  parte ou local  em que  os filhos   puderem  ser úteis, cordiais, civilizados. Por isso,  considero  a família   e a escola os dois  principais  pilares  na formação  do cidadão  de bem, do homem íntegro, do indivíduo  pronto a  exercer, segundo  sua  competência e qualificação,  uma função, um cargo,  uma responsabilidade  na sociedade.  No binômio família-escola,  vislumbro  um mundo  menos  violento para a humanidade