O OUTRO
Por Margarete Hülsendeger Em: 17/02/2014, às 14H39
Qualquer um que não se choque com a Mecânica Quântica é porque não a entendeu.
(Físico dinamarquês, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1922 e um dos pais da Mecânica Quântica)
Percorria um extenso corredor. Uma espécie de urgência o obrigava a permanecer em um ritmo acelerado. O silêncio do lugar era interrompido apenas pelo barulho dos seus sapatos batendo contra o piso. O mais estranho, no entanto, era a forte sensação que experimentava de estar sendo observado. Era como se alguém ou algo invisível prendesse o fôlego, esperando para ver qual seria o seu próximo gesto.
Estava no meio do corredor quando se deparou com duas portas abertas. Elas eram estreitas, mas não o suficiente para impedi-lo de passar. Sentiu – sem entender bem o porquê – que precisava escolher uma delas. O que iria encontrar do outro lado não lhe interessava, a questão toda era que devia – ou melhor, tinha! – decidir entre a da esquerda ou a da direita.
Estava-se perguntando qual seria a porta certa quando, de repente, ouviu uma voz:
– Passe pela esquerda. A esquerda é a correta!
Com um susto, olhou a sua volta. Nada. O lugar estava vazio.
– Vamos! O que está esperando? Passe pela esquerda! – voltou a ouvir.
Que brincadeira era aquela? Alguém estava querendo amedrontá-lo. Tentou descobrir onde estava escondido o dono daquela voz. No entanto, por mais que procurasse não viu ninguém. Resolveu se acalmar. O melhor era entrar no jogo, assim teria a oportunidade de desmascarar o responsável por essa brincadeira de mau gosto.
- E você? Quem é? – perguntou.
- Eu sou eu. E você? Quem é?
- Eu sou o proprietário deste lugar e você o está invadindo.
- De jeito nenhum esse lugar é meu e é você que está invadindo.
Logo percebeu que aquela conversa não o levaria a lugar algum. Aquilo era uma maluquice. Cansado da brincadeira, decidiu ignorar a voz, não tinha tempo a perder com uma pessoa que achava engraçado perturbar estranhos em um corredor vazio. Voltou, assim, sua atenção para as portas que estavam à sua frente. De imediato, pensou que o melhor seria passar pela da direita. Essa, com certeza, era a escolha mais lógica.
No mesmo instante, voltou a ouvir a voz misteriosa:
- Não! A melhor opção é a da esquerda!
- Meu Deus! – gritou aborrecido – Dá para ficar quieto? Essa brincadeira já não tem mais graça! A decisão é minha e eu faço o que bem entender!
- Você é que não entende nada. A porta da esquerda é a mais adequada e é por ela que você deve passar.
- Não, meu caro. Se você quer continuar com esse jogo idiota, o problema é seu. Eu já decidi, será pela direita que vou passar!
- Passe, então, não me importo. Mas, depois não venha dizer que eu não avisei.
Do outro lado, o silêncio foi quebrado pelo ruído de uma porta sendo fechada. Nervoso, espiou, procurando o responsável pela voz irritante. Nada encontrou. O lugar continuava vazio. Ele sabia, fora tudo uma brincadeira estúpida de algum doido desocupado. Ainda bem que não lhe dera atenção, sabe-se Deus onde teria ido parar se tivesse resolvido levar em conta as suas sugestões malucas. Sorrindo com satisfação seguiu o seu caminho, convicto que a sua escolha – a porta da esquerda – havia sido a mais correta.
Publicado originalmente na coluna QUEDA LIVRE do site ARGUMENTO.NET, em novembro de 2008.