“O menino amarelo”, de Saracura

Décio Torres Cruz[1]

“Menino amarelo” é uma expressão usada no Nordeste com diversas acepções. Designa pessoa inocente, sem experiência. “Coisa de menino amarelo” significa coisa de menino “besta”, coisa de menino bobo, coisa de menino teimoso, ou, coisa de menino “abestado”. O termo se refere ainda a menino com verminoses, sem viço, aquele que come terra, perde a cor rosada e incha a barriga. E também é usado para denominar garoto rosado e esperto que os adultos querem afastar de sua presença, por rusga ou chacota.

O menino amarelo (Infographics, 2022) é o título do novo livro do escritor sergipano Antonio J. F. Saracura. Composto de 29 contos de estilos variados, seus temas e personagens por vezes se entrecruzam. O autor, que estreou na literatura aos 63 anos, demonstra um grande domínio da arte da escrita e utiliza diversas técnicas narrativas que captam a atenção do leitor com o seu estilo eclético. Constrói frases curtas e precisas, no estilo do escritor estadunidense Ernest Hemingway, mas sua ironia ao relatar acontecimentos da zona rural também nos lembra a escrita de Monteiro Lobato. Embora se utilize de uma linguagem direta bastante corriqueira, o seu uso do rico vocabulário regional, quando não informado em notas de rodapé, convida o leitor a ampliar seu repertório lexical e buscar seu registro em dicionários. Essas características de sua escrita levaram o escritor e professor de literatura Francisco J. C. Dantas a destacar, na apresentação da quarta-capa, a fluência e espontaneidade do estilo inconfundível do autor e o historiador e jornalista Luiz Antônio Barreto a definir os seus contos como monumentos memoriais e fontes da história.

Os contos, alguns autobiográficos e outros que resultam de histórias relatadas ao autor, às vezes, assemelham se a crônicas. Abordando fatos cotidianos ocorridos com o que aparenta ser personagens reais ficcionalizados, as histórias são narradas com muita ironia e humor, proporcionando um grande prazer na leitura. Todas têm como cenário as cidades de Itabaiana, Aracaju e o povoado de Terra Vermelha, no sítio Saracura, que gerou o codinome do autor. Cada conto é ilustrado por Isaías Marinho que traduz em imagem o tom humorístico neles contidos.

Os textos são construídos de diversas formas narrativas, o que torna a leitura bastante atrativa. Por vezes, os contos iniciam pelo seu começo natural; por outras, in media res, a partir do meio do enredo; ocasionalmente, pelo fim. O resultado é uma série de histórias bastante divertidas, com personagens peculiares e engraçados, contadas com muito esmero e graça.

Os temas variam bastante, mas, eventualmente, aparentam ser interligados pelos personagens desse mesmo livro ou de outros: o nascimento inusitado do autor, transformado em personagem; a seca, um cão e a convivência quase pacífica de uma esposa com a amante do marido; episódios históricos sobre a caça de indígenas para lutarem na guerra do Paraguai; brigas e disputas: de casais que não se entendem, por causa de jogo de bola, ou por galanteios e assédios à irmã de um adolescente; tragédias familiares em que filho e pai quase se matam; retorno de defunto da morte; pasquins e intrigas locais; e muitos outros assuntos envolvendo fatos inusitados do dia-a-dia da capital ou do interior, descritos com bastante maestria. Em um processo metaficcional, às vezes o autor brinca com lançamento de livros de amigos ou, até mesmo, com sua própria escrita anterior, relatando casos de pessoas em busca da literatura sergipana e a dificuldade de encontrá-la em livrarias. A leitura desse livro é fundamental para apreciarmos a qualidade da produção literária dessa região e para melhor conhecermos a literatura brasileira contemporânea.

Sobre o autor

Antônio Francisco de Jesus (Antônio F. J. Saracura) é membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Itabaianense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico de Sergipe. Nasceu no povoado Terra Vermelha, Itabaiana, Sergipe. Estudou nas escolas rurais do povoado, no Seminário Arquidiocesano de Aracaju, no Atheneu Sergipense, na Faculdade de Economia da Universidade Federal de Sergipe (formado em 1971), na Universidade do Distrito Federal (Análise de informação), na Universidade Cândido Mendes (Sistemas de informação), na Universidade Tiradentes (Gestão imobiliária), na IBM e em outras instituições de ensino técnico/profissional.

Além desse livro, lançou:  “Portugal e minha avó cega” (2023), “Pássaros do entardecer” (romance, 2019), “Os curadores de cobra e de gente” (romance de cordel, 2017), “Os ferreiros” (contos, 2015), “Tambores da Terra Vermelha” (contos, 2013), “Meninos que não queriam ser padres”, (romance, 2011, 2016), “Minha querida Aracaju aflita” (crônicas premiadas pela Secretaria de Cultura de Sergipe (2010, 2018), “Os tabaréus do Sítio Saracura” (romance, 2008, 2019).

 


[1] Escritor, membro da Academia de Letras da Bahia. Autor, dentre outros, do livro Histórias roubadas (contos, 2022) e Paisagens interiores (poemas, 2021).