O lírico e telúrico em Elmar Carvalho
Por Reginaldo Miranda Em: 21/05/2017, às 08H11
O fazer poético é trabalhar arduamente com as palavras em busca da sintetização de ideias, da sonoridade da frase, da busca do belo, em linguagem mais metaforizada, ritmada e sujeita a maiores peripécias estruturais que a linguagem em prosa. Ser poeta é trabalhar intensamente o processo artístico, o estilo, enfim, a busca da expressão perfeita.
Poeta tem de ter dom e trabalhar intensamente a forma e o estilo. Elaborar o texto com sonoridade, porque fazer poesia é cantar, sempre cantar, podendo ser esse canto de amor, alegria, tristeza, lamúria, dor, revolta, guerra, mas é preciso ser sonoro, sensível, penetrar a alma. Sem isso, a meu sentir não é poesia, embora possa ser um bom texto de qualquer outro gênero, menos poético. Sei que pode haver quem pense de forma contrária, e respeito.
No caso de Elmar Carvalho, temos uma poesia lírica, elaborada com rara sensibilidade, sem esquecer o drama social. O poeta não está enclausurado num mundo de sonhos, em castelos de areia, mas consciente de seu papel na sociedade, em sintonia com o povo, de que é exemplo o poema Sou poeta: “sou poeta/E estou de mal com a vida/ que nos acena/ com miragens/ que jamais irá cumprir./Sou poeta Alcides Pinto,/nunca neguei, sou poeta./ Mas sou puto com a vida,/megera encarquilhada/ que nos acorda dos sonhos/ que sonhamos acordados/ pelo prazer de ser madrasta”. E noutro trecho do mesmo poema: “e sei que o povo/ passa fome/ Sei que/algum dia o/ ter’ar’pão/ virá tecido no (te)ar/ pelo arpão do povo/ e pão haverá/ Sei que/ alguma coisa está errada/ porque o povo era pra ser/ tudo/ e agora não é nada”.
Então, não se diga que a poesia de Elmar Carvalho não tem viés social. Tem sim. O poeta manifesta revolta, engajamento e consciência de que algo está errado e tem de mudar. Ele se reconhece poeta, é consciente de seu papel na sociedade, de que sua missão não é cantar os “políticos que tanto mentem pro povo, que tanto enganam o povo”, mas cantar e denunciar o drama da vida, das putas, dos assassinos, dos botequins, “dos deserdados da sorte, dos enteados da vida”. Nessa toada segue toda a poesia do Cancioneiro do Fogo, com indisfarçável protesto social. Aliás, essa é uma tendência da poesia moderna, sempre preocupada com o drama social.
Contudo, a poesia de Elmar Carvalho é essencialmente lírica, envolvendo a emoção, os sentimentos, o seu estado de alma, o que vem sendo acentuado por diversos críticos, entre os quais M. Paulo Nunes, Cunha e Silva Filho, Teresinha Queiroz, Cléa Rezende, Alcenor Candeira Filho e tantos outros que têm se debruçado sobre sua obra.
Elmar Carvalho canta a sua terra, exalta as suas singularidades, as suas belezas, também seus problemas sociais, guiando o leitor pelas veredas do Piauí. O Cancioneiro da Terra e da Água é todo um hino de louvor à natureza e ao rincão natal. De forma lírica e telúrica canta em Marítima as ondas e eflúvios do mar; Flagrantes de Teresina, onde à meia-noite, silente e fria nenhuma estrela luzia, apenas os bêbados passeiam equilibrados sobre a corda bamba dos pés, entre velhas meretrizes sem freguesia; Elegia a Campo Maior, onde as águas mortas do açude tudo viam e tudo refletiam; Postais de Parnaíba, com seu cais da beira-rio, onde lavadeiras sem roupas lavam as roupas dos ricos; também, realçam as subjetividades de Luzilândia, Barras, Amarante, José de Freitas(antiga Livramento), Sete Cidades, Lagoa do Portinho, fazendas e esse consagrado poema que é Noturno de Oeiras, em que homenageia a velha Capital.
Depois de ler esta obra perceberá o leitor que o Piauí é muito mais que um mero lugar no mapa do Brasil. Tem uma gente alegre, laboriosa, que sonha, realiza, sofre, luta e sabe vencer.
Outra vertente da poesia de nosso vate é o poema épico pós-moderno, de que é exemplo Dalilíada, enfocando a vida e obra de Salvador Dalí; assim como A Zona Planetária, inspirada no meretrício de Campo Maior, onde o poeta mostra toda a pujança de seu talento.
Elmar Carvalho é poeta na acepção da palavra, lírico, essencialmente lírico e telúrico; ao mesmo tempo épico pós-moderno, sem esquecer de invocar o povo simples, os deserdados da sorte, enfim, o drama social. Denuncia a dor, a solidão, o sofrimento. Também, canta a sua terra e, assim cantando seus males espanta. Por isso mesmo a sua obra é universal porque canta a sua aldeia, como diria Leon Tolstoi.
(Meio Norte, 17.6.2016).