O LADRÃO HONESTO
Por Elmar Carvalho Em: 09/07/2011, às 04H35
Elmar Carvalho
Todos em Anajás acreditavam que Aristides Canavieira era um ladrão. Porém, nunca ninguém o viu cometer qualquer tipo de roubo ou furto. Também se dizia que ele nunca roubara qualquer pessoa de sua amizade ou de sua vizinhança. Corria a lenda de que ele não roubava ou furtava nada de grande valor, nem que fosse causar maior dano ao dono do objeto subtraído. Como se tudo isso fosse pouco, comentava-se que o produto do furto era usado em obra de caridade. Quase sempre, tratava-se de um animal, ou semovente, como fazia questão de dizer Porfírio Vasques, pernóstico rábula, muito atuante na Comarca de Anajás.
O fato é que os comentários falavam que Aristides nunca tirara proveito pessoal de sua atividade marginal, em que nunca cometera a menor violência, contra gente ou bicho. Também se dizia, que, de forma muito discreta, ele fazia caridade com os seus próprios bens, por meio de seus empregados, que eram instruídos a nada comentarem. O rábula Porfírio Vasques, empostando a voz, dizia que se tratava de cleptomania; após explicar o significado da palavra “bonita”, argumentava que ele só subtraía objetos de pequeno valor; não tirava proveito pessoal do seu ato, e ainda o produto do furto era doado a pessoas carentes, através de interpostas pessoas, de sua confiança. Ademais, era uma homem rico, pois herdara as fazendas e imóveis de seus pais.
Aristides era formado em Direito, mas só advogava gratuitamente, no interesse de pessoas pobres ou de alguém de sua estima e amizade. Em virtude das rendas proporcionadas pelas fazendas e pelo aluguel de imóveis urbanos, vivia quase em completo ócio, usado para ler obras literárias e para escrever poemas, crônicas e contos, que publicava no jornalzinho da cidade, de circulação semanal. O periódico, noticioso e literário, era, portanto, um hebdomadário, como preferia dizer, com muita ênfase, o rábula Porfírio, um dos colaboradores do tablóide, com seu estilo empolado e pomposo, cheio de adjetivos raros e indecifráveis. O pároco da cidade, que também tinha veleidades literárias, e lera várias antologias e algumas obras de crítica literária, dizia que o advogado provisionado tinha um “estilo cipó”; que era um estilista à procura de um assunto, pois costumava repetir os mesmos temas, quase sempre corriqueiros e óbvios. Lera isso sobre renomado escritor, e aplicava em relação a Porfírio, com muita pertinência, aliás.
Após a administração desastrosa do professor Valter Dutra (que apenas seguira as pegadas e o exemplo de seus quatro últimos antecessores), que era tido como uma reserva moral do município, mas que saíra rico da prefeitura, sem ter feito nenhuma obra relevante, exceto uma pracinha, onde morava sua filha, os jovens estudantes de Anajás, principalmente os universitários, que vieram passar suas férias na pequena urbe, lançaram a candidatura de Aristides Canavieira, que era filiado a um partido político, embora não fosse militante; na verdade, se filiara apenas para satisfazer um amigo, que insistira muito para que ele assinasse o requerimento de filiação.
Argumentavam que se os considerados honestos se transformavam em ladrões, agora iriam eleger um ladrão para ver se este se tornava honesto. Somente depois de muita insistência dos estudantes e de pessoas gradas da cidade, ele resolveu ser candidato a prefeito, um tanto a contragosto. Os adversários tentaram impugnar o registro de sua candidatura, sob o argumento de que todo mundo sabia que ele era um ladrão, porém sem nenhum tipo de prova, seja através de documento, certidão ou testemunha, pelo que o juiz, em consonância com o parecer do representante do Ministério Público Eleitoral, indeferiu a impugnação, “por inexistência absoluta de prova”.
Aristides Canavieira, chamado o bom ladrão, pelos seus próprios partidários, homem que vivia de rendas, sem ter que trabalhar, foi candidato sob o lema de “Trabalho e Honestidade”, estampado nos cartazes, nos muros, nas bandeiras, faixas, banners e adesivos, espalhados por todo o município. Seja por voto de protesto ou por gosto e ideologia, foi eleito por ampla e esmagadora maioria. Surpreendentemente ou não, foi um administrador exemplar, trabalhador, dedicado, criativo e honesto. Teve a sabedoria de formar uma boa equipe. Construiu várias obras, entre as quais escolas, espaço cultural, quadras poliesportivas e postos de saúde. O serviço público funcionou muito bem, com os servidores recebendo sua remuneração e reajustes em dia. Suas contas foram aprovadas sem restrição. Comentava-se que ele doava seu subsídio para a Casa do Idoso, que ele criou em sua gestão. No final, recebeu a maior honraria do Tribunal de Contas do Estado, por não ter tido nenhuma ressalva em suas contas, nem mesmo por extemporaneidade.
Contudo, apesar dos insistentes apelos, inclusive do governador, não quis ser candidato à reeleição. Ao que tudo indica, além de honesto com a res publica, era desprovido de vaidade e de ganância por cargo e poder.