O homem guarda-chuva
Por Chagas Botelho Em: 01/05/2022, às 01H19
[Chagas Botelho]
Meu olhar curioso percorre em busca do inusitado. Sou como um drone que sobrevoa, mapeia e aprecia as particularidades das pessoas.
A estas observações cotidianas, o cronista Mário Prata (quero ser como ele quando crescer) as denomina de “idiossincrasias de escritor”. Ah, quem me dera ser tão apurado e tão descritivo como o velho autor mineiro. Aliás, que sina tem os escritores da terra do pão de queijo ao acrescentar para o resto do Brasil, tamanha criatividade, não?
Porém, hoje, meus caros, cedinho da manhã, me deparei com algo que prendeu minha atenção. Vi em sua cadeira de rodas, estático, um homem guarda-chuva à beira do rio Poti, ali, na extensa Avenida Raul Lopes. O sol estava radiante, e não sei bem se aquele homem guarda-chuva tomava banho de sol ou dele se protegia. Dúvida de quem observa tudo à distância, longínquo. A cena, meus senhores, era dúbia — discutível.
Esse homem solar ou anti-solar, com o guarda-chuva em riste, preso ao seu assento imóvel, estaria acompanhado ou desacompanhado? Afinal, tratava-se de um cadeirante, sozinho, a esmo e sombreado por um manto escuro. Talvez tivesse sido deixado por alguém que teria ido, rapidinho, fazer caminhada. Tivesse ido quilometrar as pernas e logo voltaria para pegá-lo. De fato, não se sabe.
Pelo amor de Deus, entendam: não se trata de uma denúncia de abandono. Nem denúncia de maus tratos. Apenas achei a situação curiosa e um tanto lírica. Provavelmente, o homem guarda-chuva e também deficiente físico, não quisesse companhia. Quisesse ficar ilhado tal qual Robinson Crusoé. A coar, à sua maneira, a luz solar.
O cenário me fez lembrar, inclusive, do inexaurível Rubem Braga. O escritor capixaba e sempre casmurro pregava aos quatro ventos o seu modo recatado de ser. Dizia ele: “sou um homem quieto, o que eu gosto é de ficar num banco sentado entre moitas, anoitecendo devagar”. Que poético, hein?
Vai ver o nosso personagem observado que ora colocava, ora tirava o guarda-chuva sobre a cabeça, também fosse como o sabiá da crônica. Que preferia a calmaria do silêncio ao burburinho de vozes exteriores. Mesmo submetido ao sol matinal.