O grande homem morto
Por Miguel Carqueija Em: 15/12/2011, às 16H15
(Miguel Carqueija)
Hoje (15 de dezembro de 2011) completam-se 45 anos da morte de Walt Disney
O GRANDE HOMEM MORTO
“Uma placa simples e retangular de bronze adorna a parede de tijolos brancos do mausoléu que rodeia um pequeno jardim para marcar o local do enterro de suas cinzas. Traz apenas o nome “Walter Elias Disney”. Aqui, protegido por brincos-de-rainha alaranjados e azaléias vermelhas, escondido atrás de uma árvore sagrada e de uma estátua branca da pequena sereia de Hans Christian Andersen que contempla meditativamente água invisível, Walt Disney parece ter cumprido o destino de sua família. Ele escapou. E foi aqui que cumpriu o seu próprio destino também, pelo qual lutou sem descanso e com tanta força durante toda a vida. Ele transpôs as aflições deste mundo. Walt Disney finalmente alcançou a perfeição.”
Neal Gabler, “Walt Disney: o triunfo da imaginação americana”
Em 15 de dezembro de 2011 completam-se 45 anos do falecimento de Walt Disney, apelidado “o mago da tela”, reconhecido por seu biógrafo Neal Gabler como um homem que mudou o mundo. Quando se começa a estudar esta vida extraordinária, percebe-se o quanto alcançou e o quanto vislumbrou este norte-americano nascido em 1901, em Chicago, numa família pobre. Sua visão e atuação foram muito alem do desenho animado e do cinema em geral. Desde que começou a trabalhar profissionalmente, na década de 1920, não passou década sem que Disney bolasse e executasse novas coisas, sensacionais, revolucionárias. Sempre foi um perfeccionista, o que explica ter sido o cineasta que maior número de obras-primas produziu, centenas de obras-primas, o que parece tão absurdo quanto a obra de um Leonardo Da Vinci. De fato, Walt Disney reinventou o desenho animado, conseguindo reunir em torno de si alguns dos melhores artistas dessa modalidade, como o lendário Ub Iwerks, e Ward Kimball, Frank Thomas, Ollie Johnston, Milt Kahl, Wilfred Jackson e tantos outros. Criou o desenho sonoro, e a cores; desenvolveu a mesclagem de animação com imagem real, desde a série “Alice” iniciada em 1923; implantou uma escola de arte em seu estúdio e com sua equipe aperfeiçoou a bela arte da animação através de invenções e novas técnicas como a câmara multi-plano, que deu profundidade às cenas.
Produziu aquele que ficou sendo o primeiro desenho longo em som e a cores da história do cinema, “Branca de Neve e os sete anões” (1937) que deu inicio a uma longa tradição e fez escola. Na década de 40, antecipou-se ou inaugurou o movimento ecológico através das suas “Histórias da vida real” (True-life adventures), série conhecida no Brasil como “Maravilhas da natureza”. Nos anos 50 foi o pioneiro das séries de televisão e apresentador da verdadeira coqueluche em que se tornou o programa “Disneylândia”. Na mesma década criou os parques temáticos, primeiro com a Disneylândia da Califórnia.
Seus filmes de ação viva ou imagem real, como “A ilha do tesouro”, “Vinte mil léguas submarinas”, “Darby O’Gill e o povo pequeno”, “As três vidas de Thomasina”, “Encantamento de verão” e tantos outros, inclusive biografias de grandes músicos como Beethoven, além de serem primorosos, representam uma fortaleza de decência e nobreza no panorama tétrico da mídia.
De cada vez, Disney se superava. Por fim, planejou um novo parque, Disneyworld, e o EPCOT Center, que seria uma cidade di futuro, a cidade experimental, onde os problemas urbanísticos seriam resolvidos a partir do zero. Infelizmente, o verdadeiro EPCOT planejado por Disney não foi realizado, Ao invés, fizeram uma feira internacional.
O que ele teria feito — ele, o gênio que tinha idéias demais, faltando tempo para realizar tudo — se tivesse vivido não 65 anos, mas 80? Porque uma coisa é certa: apesar das empresas Disney terem sobrevivido ao seu criador e sejam hoje mais poderosas que nunca, não houve quem o substituísse, com a sua visão de humanista genial, conservador de valores e reformador de estruturas.
Acredito que muita gente guardou na lembrança como ficou sabendo da morte do artista, em 15 de dezembro de 1966, uma quinta-feira. No meu caso, estava em casa, escutando o programa de radio apresentado pelo “disc-jóquei” (termo hoje em desuso, e que se referia a programadores/apresentadores de programas musicais) Vitório Gutemberg. Era um sujeito chistoso, gozador, que quando jurado num programa de televisão dizia-se “o Gutinho das gatinhas”. Apesar disso, estava mortalmente sério quando interrompeu a programação para ler uma noticia de ultima hora: “Burbank, Califórnia” (e ao ouvir esse nome eu já intuí o que fosse: afinal, algumas semanas atrás Walt fôra operado, ao que se falara, de um “abcesso” no pulmão) e em seguida: “Morreu Walt Disney”. Depois de dar alguns detalhes, Vitório, perceptivelmente chateado, desabafou: “Quem é criança, quem foi criança... notícia desgraçada de dar”.
Acho que nunca me conformei com a morte de Walt. Passados tantos anos, ainda me veio uma grande tristeza ao ler, na enorme biografia escrita por Neal Gabler, o relato de seus dias finais. Esta sensação de dor recrudesceu depois que eu soube, faz pouco tempo, que Walt Disney fumava, que fumou desde a juventude, que começou em 1918 quando, ainda menor de idade, trabalhou para a Cruz Vermelha na França, no fim da I Guerra Mundial. Se Disney não fumasse poderia, é claro, ter alcançado idade avançada, 80 ou 90 anos, quem sabe até passasse dos 100, como alguns colegas cineastas (Hal Roach, Manoel de Oliveira). Afinal, sua constituição física era excelente, era um homem sólido e saudável, de bons hábitos, que não traia a esposa, não vivia em farras e libertinagens. Infelizmente, durante muito tempo o cigarro foi um “status” em Hollywood, e em filmes antigos vemos com frequência o galã fumando e jogando a baforada na cara mesmo da mocinha — e eu imagino que a atriz fervesse de raiva no íntimo.
O cigarro causou o câncer pulmonar que, ao ser descoberto, já produzira metástases e levou o cineasta á sepultura em pouco mais de um mês.
Por que, meu Deus, Walt Disney teve de ser um fumante? Por que, Walt, você cultivou esse hábito nefasto que o levou prematuramente, deixando centenas de projetos? Ou foi o recurso para que o Céu o levasse mais depressa?