O dossiê drumond
Por Bráulio Tavares Em: 05/06/2010, às 20H32
Bráulio Tavares
Este livro-reportagem de Geneton Moraes Neto (Ed. Globo, 1994) é um memorial que começou a ser elaborado logo após a morte de Carlos Drummond de Andrade. Como se sabe, o poeta faleceu em agosto de 1987, alguns dias após a morte de sua filha única Maria Julieta, vítima de câncer. O longo período de doença da filha, os tratamentos de quimioterapia a que ela se submeteu e sua agonia final desgastaram o coração do poeta, que, conforme testemunhos, perdeu a vontade de viver. Geneton inclui neste livro uma longa entrevista que fez com Drummond pelo telefone, cinco dias antes da morte de Maria Julieta: um total de 76 perguntas e respostas que neste livro vêm publicadas na íntegra pela primeira vez.
Após a morte do poeta, Geneton complementou a entrevista com depoimentos de 45 pessoas que em algum momento cruzaram com Drummond, ou que conviveram com ele ao longo dos anos. Neles, os entrevistados dão um balanço nessa convivência, ou relatam episódios em que sua trajetória cruzou com a do poeta. Entre os amigos de longa data estão Ziraldo, Otto Lara Resende, Antonio Houaiss, Hélio Pellegrino. Encontros eventuais são relatados por Luís Carlos Prestes, Caetano Veloso, Nara Leão, etc. Curiosos são os depoimentos das jornalistas Edda Maria (Jornal do Brasil) e Nelma Quadros (O Pasquim), com quem Drummond costumava manter longuíssimas e picantes conversas telefônicas, em que contava piadas fesceninas e falava palavrões. Muitos depoimentos convergem para essa descrição de um homem recatado, tímido, introvertido, às vezes excessivamente formal em público, mas que na companhia dos amigos (e das amigas) se soltava, dizia piadas obscenas, pregava peças, passava trotes, etc.
Cerca de um terço do livro é ocupado pelo capítulo “As Fitas Secretas”, em que Geneton transcreve o conteúdo de fitas cassete gravadas por Drummond junto com sua namorada Lygia Fernandes. A existência de Lygia foi, ao que parece, uma espécie de segredo público mantido por Drummond e seus amigos durante décadas: todo mundo sabia e ninguém comentava. O poeta conheceu Lygia em 1951, quando ambos trabalhavam na Divisão de História do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN). Até morrer, manteve a rotina de encontrar-se com Lygia no apartamento onde ela morava sozinha, do fim da tarde até a noite, quando então ele se recolhia ao apartamento onde morava com a esposa Dolores, a poucos quarteirões de distância. Um desses arranjos mineiros – discretos e estáveis – que se manteve por trinta e seis anos. Por volta de 1977, Lygia ligou um gravador e fez uma longa entrevista informal com Drummond, transcrita neste livro pela primeira vez. “O Dossiê Drummond” é um livro sem revelações bombásticas, mas que afina os pixels da imagem do grande poeta, e do grande sujeito que Drummond deve ter sido. Um cara com quem teria sido possível passar um dia inteiro conversando sobre coisas que valem a pena