Carlos Nejar, Alexei Bueno, Nélida Piñon, Luiz Otávio Oliani, Diego Mendes Sousa e Jozira Carvalho
Carlos Nejar, Alexei Bueno, Nélida Piñon, Luiz Otávio Oliani, Diego Mendes Sousa e Jozira Carvalho

O DISCÍPULO DIEGO MENDES SOUSA

E O LEGADO DOS MESTRES

 

 

 

Luiz Otávio Oliani*

 

 

 

 

 

"O poema é o pomo do sangramento humano"

Diego Mendes Sousa

 

 

 

Na quarta capa do livro Agulha de coser o espanto, de Diego Mendes Sousa, com ilustrações de Iri Santiago, Teresina, Piauí: Área de Criação, 2023; o gigante das letras Carlos Nejar (1939-) cita "o amadurecimento estético", "horizonte lírico poderoso", "forte amor à terra natal", isto para ficar apenas com estas três referências a este bardo piauiense.

Não à toa, as expressões recolhidas aqui constam de obra monumental do gaúcho Carlos Nejar, a saber: "História da Literatura Brasileira - Da Carta de Caminha aos contemporâneos”, Quarta Edição, Revista e Ampliada. Editora Noeses. Ano de 2022. 1.172 páginas.

João Carlos de Carvalho (1962-), em depoimento publicado na orelha da obra, exalta "a poesia radical" e os "estilhaços de deslocamentos cada vez mais utópicos" da literatura de Diego Mendes Sousa.

Na apresentação, Nélida Piñon exaltou que Diego Mendes Sousa dispõe do vernáculo de uma forma muito particular, como se fosse dono de "(...) uma Língua própria, inventada parcialmente, apesar de essas palavras precederem a sua vontade como poeta.".

Em texto primoroso, Nélida citou que estamos diante de um "Poeta de caráter, de devoção e de espírito altaneiro", com "uma poesia fantástica (...) que emociona por seu desprendimento verbal.".

E, antes da abertura de cada seção, há fragmentos de versos do célebre poema "Preparação para a morte”, de Manuel Bandeira, em uma espécie de hino à vida entoado pelo autor.

Quanto à estrutura, o livro é dividido em três partes. Três agulhas cosem o ridículo, o tempo e o amor.

Na primeira seção, o ridículo traz à tona o célebre verso "Todas as cartas de amor são Ridículas", de Fernando Pessoa, como epígrafe do primeiro poema: "Emissário do ridículo". Assim, "A poesia é a máxima expressão do ridículo", p.16.

Diversos poemas iniciais trazem a metalinguagem, o ofício da palavra como tema.

Belas metáforas saltam aos olhos, em linda carpintaria verbal: "Poeta, / teu destino / é golpeado / à faca!", p.18; "Poesia / é uma coisa / de doido"; "O poeta / é aquele / ser risível / que opera, / pensa, sente, / sangra/ e galopa/ insano ", p.24; "Quero que o meu poema seja terra a terra", p.45.

Ou há uma devoção do lírico à figura divina em "Ars Poetica", p. 42,: "(...) A poesia dos Teus passos / é a claridade da minha angústia.".

Mas outros temas perpassam esta primeira parte da obra. Se, em "A casa", p.29, o espaço do lar aparece rico de prosopopeias; "Penitência", p.34, é um texto que louva os beija-flores; em "Vaticínio", p.38, a abordagem humanista-existencial sobressai no porque "Hoje o que existe / é a dor do existir (...)" e "A existência / é uma exigência / de urgência".

A segunda parte do volume trata sobre o tempo e, nesta, não faltam figuras de linguagem dignas, como: "O tempo esfacela as suas iscas andarilhas / e o anoitecer desafia a alma", p.52; "O compasso / do tempo / (..) / mostra a agulha/ de coser/ o tempo", p.55; "O tempo / tudo leva", p.56; "(...) e “a memória / é o par das horas ", p.61, entre outros.

Se, em "Precipitação", p.61, a chuva age como um elemento de purificação; em "Movimento", p.67, o tempo age como elemento condutor da vida. A série de verbos no gerúndio "conduzindo", "transportando" e "movimentando" reforça a dinâmica da ação no tempo de observação do sujeito lírico.

Já a terceira e última parte do livro vem dedicada ao amor e em "Amada", p.73, Altair aparece reverenciada como a mulher, a companheira, a amante. Enquanto isso, em "Rito", p.74, a linguagem do sentimento é desmistificada, pois "(...) aprendi a minerar o essencial / com os afetos.".

A nostalgia aparece nos versos de "Aos poucos", p.79: "(o rio / não se esgotou / da infância)", enquanto em "Lendária", p.92, o eu lírico exprime o amor pela terra natal.

Em "Ressurreição", p.84, o tempo é "Inquilino/ da sorte / e da dor, / nessa tristeza / de Amor."

"Habeas Anima", p.86, é um texto rico do linguajar jurídico: "Habeas Corpus", "preso", "juiz", "liberdade", "remissão", "rito", "salvo-conduto", "impugnação" e "recurso". Tudo revela a incorporação dos saberes do poeta-advogado piauiense.

Já "Riatla" e "Eu me procuro", páginas 83 e 100, respectivamente, encerram o livro com chave de ouro, pois, nos poemas, salta o eu lírico forte e contundente na busca de procuras e de elucubrações.

 

*LUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor. Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.