Lucilene Gomes Lima

FICÇÕES DO CICLO ECONÔMICO DA BORRACHA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARÁ

Estudo comparativo dos romances  "A selva" de Ferreira de Castro, "Beiradão" de Álvaro Maia e 
"O amante das amazonas" de Rogel Samuel 
  

A ABORDAGEM DO CICLO DA BORRACHA NA FICÇÃO AMAZONENSE

(introdução)

O veio aberto pela pesquisa histórica sobre o “ciclo da borracha” foi também amplamente explorado pela ficção amazônica e amazonense, em particular. Do final do século XIX, passando por todas as décadas do século XX, foram escritas obras que abordaram integralmente ou fizeram referência parcial ao ciclo. O paroara (1899), de Rodolfo Teófilo, é uma das primeiras obras a abordar o ciclo através da aventura de um imigrante cearense na selva amazônica. Seguem-lhe Inferno verde, especialmente o conto “Maiby” (1908), de Alberto Rangel; o conto “Judas- Asvero” , em  À margem da história (1909), de Euclides da Cunha;  Deserdados (1921), de Carlos de Vasconcelos; A selva (1930), de Ferreira de Castro; Amazônia que ninguém sabe (1932)(1) , de Abguar Bastos; Terra de ninguém (1934), de Francisco Galvão; Marupiara (1935), de Lauro Palhano; Um punhado de vidas (1949), de Aristófanes Castro; No circo sem teto da Amazônia (1955), de Ramayana de Chevalier; Beiradão (1958), de Álvaro Maia; Arapixi (1963), de Adaucto de Alencar Fernandes; Dos ditos passados nos acercados do Cassianã (1969), de Paulo Jacob; Terra firme (1970), de Antisthenes Pinto; Coronel de barranco (1970), de Cláudio Araújo Lima; Regime das águas (1985), de Francisco Vasconcelos; O amante das Amazonas (1992), de Rogel Samuel e “Três histórias da terra”, em O tocador de charamela (1995), de Erasmo Linhares.
Através dessas obras, o “ciclo da borracha” e, mais especificamente, o mundo do seringal, desfilou na ficção, tornando-se um tema comezinho abordado na literatura amazonense. Surgiu, desse modo, um ambiente comum à ficção composto pela margem, onde se localiza o barracão com as atividades que lhe são peculiares, e pelo centro, o local onde se move o seringueiro e se desenrolam acontecimentos a ele ligados. Geralmente, o enfoque das obras acentua mais um ambiente do que o outro ou, ainda, os dois têm pouco destaque no sentido de serem tratados sem detalhamento. Nesse último caso, importa aos ficcionistas explorar imagens estereotipadas em torno do seringalista e do seringueiro, personagens centrais na ficção sobre a borracha. Em romances como A selva e Coronel de barranco, entretanto, os ficcionistas expõem em detalhes o funcionamento do seringal e o processo econômico do ciclo. Em A selva, tanto a margem quanto o centro recebem um enfoque didático. Alberto, o protagonista do romance, inicia uma ação romanesca que vai desde o recrutamento para o trabalho no seringal até a sua integração nele, conhecendo-o em profundidade.  Inicialmente, Alberto observa e analisa a viagem no vapor, o tratamento dado ao nordestino, depois conhece o funcionamento do seringal e sua ingerência na vida dos seringueiros. Indo para o centro, é guiado pela personagem Firmino, seringueiro manso que lhe ensina pacientemente a técnica de coleta do látex e os conhecimentos necessários para sobreviver na selva. Esse aprendizado é explicitado nos seguintes trechos:

Isto são as tigelinhas. Se espeta elas na seringueira, pelas bordas. Assim... É preciso ter cuidado para que a folha fique bem segura, se não a  tigelinha cai e o leite escorre todo para fora. Está compreendendo?
[...]
- Cada seringueira leva tantas tigelinhas conforme for a grossura dela. Uma valente, como aquele piquiá que você está vendo ali, pode levar sete. Uma assim como esta leva cinco ou quatro, se estiver fraca. Corta-se de cima para baixo e, quando se chega a baixo o machadinho volta acima, porque a madeira já descansou. Seringueiro malandro faz mutá, mas aqui é proibido. 
- Que é isso?
- Vamos andando que eu já lhe explico. Mutá é fazer um girau com galho de árvore e  ir cortar a seringueira lá em cima, junto à folha. A princípio dá mais leite, mas depois morre. (2)
............................................................................................................................. 

- Não lhe toque seu Alberto!
- Porquê?
- Vai ver...
Despiu a blusa, numa das mangas envolveu o cabo do seu facão e com a lâmina roçou de leve o dorso do puraqué.
- Agora toque aqui... Mas só com um dedo – e indicava o espigão do terçado, que aparecia na extremidade da madeira. Alberto obedeceu e logo se sentiu percorrido por um forte choque elétrico.
Firmino sorria e explicava: 
- Esse bicho é assim. Se um homem tem o coração fraco e lhe toca dentro de água, pode ir para o outro mundo... (3)

O romance Coronel de barranco centra-se mais na margem e expõe o sistema extrativista da borracha através da personagem Cipriano, seringalista rude que desconhece as determinações econômicas do ciclo e ignora os riscos a que está exposto, confiando apenas na exploração da borracha nativa. Como A selva, o romance tem o objetivo claro de ensinamento conforme se nota nessa passagem em  que a personagem Matias elucida para a personagem Cipriano o sistema de funcionamento econômico do ciclo:

- Veja bem, coronel. Todos os domingos, os seus seringueiros chegam aqui no armazém, para se aviar, levam tudo que precisam, a comida, a cachaça, o querosene, alguma ferramenta, remédios, uma peça de roupa... 
- Levam tudo que precisam. Está aqui o besta velho pra dar tudo que eles querem, fiado.
- Exatamente. Eles não pagam ao senhor, não é verdade? Tudo fiado, não é verdade? A Casa Flores manda os vapores carregados de aviamentos...
- Manda, não. Mandava.
- Sempre mandou, Coronel. Mas, bem. A Casa Flores lhe manda tudo que o senhor pedir e até o que não pedir. Cobra do senhor à vista? Algum dia marcou data certa para o senhor pagar?
- Mas a minha seringa está lá no armazém deles.
- Perfeitamente. Chegaremos lá. E como a Casa Flores compra essas mercadorias, todas importadas do [sic] outros Estados ou do estrangeiro? Sobretudo do estrangeiro. Onde ela vai  buscar o dinheiro, se o dinheiro só pode entrar depois que a seringa for vendida?
- Pra que é que eles têm a burra cheia de dinheiro?
- Que burra cheia de dinheiro, Coronel? O dinheiro eles vão sempre buscar nos bancos, Coronel. E em que bancos? Nos bancos estrangeiros. E como é que se pagam os bancos, Coronel? Não é como o seu seringueiro para o senhor, quer dizer, quando puder, quando Deus ajudar.
- Quando paga. E se o cabra foge? Ou morre? Ou leva o diabo?
- Também não é assim que o senhor paga a Casa Flores?
- Nunca deixei de pagar. 
- Claro. Mas paga quando chega a Manaus. Quando a borracha já foi vendida. Quando o senhor chega lá para acertar as contas, sem data certa, porque o senhor tem crédito.
- Tenho porque mereço.
- E como é que a Casa Flores paga o banco?
- Quando quiser? Só quando puder? Não senhor, Coronel. Numa data certa, num prazo fixo. E quando chega o fim desse prazo, se não tiver dinheiro, a Casa Flores tem de reformar a dívida, dar um tanto por conta, para os juros, para esperar vender a borracha que o senhor mandou e ver entrar o dinheiro. Quer dizer, no fim da safra.
- Então? Que novidade, seu Albuquerque.
- Pois bem. Agora, Coronel, neste ano fatídico de 1914, nesta hora em que se está esperando uma guerra na Europa, uma guerra em que a Inglaterra terá também de entrar...
- Entrar pra quê? Besteira de guerra.
- Nesta hora difícil, Coronel, as matrizes dos bancos de lá mandam ordens às suas filiais de Manaus para não reformarem os títulos; querem o dinheiro na data marcada, no prazo fixado. Compreendeu agora, Coronel? Se a Casa Flores não paga, o banco pede a falência da Casa Flores.
- E por que o filho do Comendador, homem moço, não vai lá no banco dos bifes e quebra o focinho do gerente? Se fosse comigo, era assim. Ou um tiro nas ventas.
- Para não falir, a Casa Flores consegue a muito custo um último prazo, e pede ao senhor que pague a ela as mercadorias que lhe mandou a crédito durante o ano inteiro. Pergunto agora, o senhor pode obrigar o seu seringueiro a lhe pagar o que o senhor vendeu a ele fiado? O resto o senhor já sabe. E não se esqueça que citei a Casa Flores só para dar um exemplo. Todas as casas aviadoras estão vivendo a mesma situação, igualzinha, ou até pior. Compreendeu agora o funcionamento da máquina, Coronel? Compreendeu a situação? (4)

A presença constante do tema do “ciclo da borracha” na ficção amazonense levou Mário Ypiranga Monteiro, em Fatos da literatura amazonense, a criticar o filão em torno desse tema, observando: “[...] lamentavelmente todo contista que se inicia ou mesmo romancista já experimentado se deixa seduzir pelo denominador comum da economia da borracha [...]. (5) Para o autor, o tema do ciclo é o principal motivo do infernismo literário, o qual consiste em escandalizar a paisagem e explorar a tragédia em torno da figura opressora do coronel da borracha e da conseqüente submissão do seringueiro. A ficção da borracha padeceria, segundo sua avaliação, de um tautologismo ao repetir desgastadamente sempre os mesmos aspectos.
Opondo o infernismo do “ciclo da borracha” ao edenismo do ciclo do cacau, Monteiro demonstra as diferenças fundamentais entre esses ciclos. Observa que o ciclo do cacau promoveu a fixação à terra, criou condições para que se estabelecesse uma cultura expressiva do sedentarismo burguês. A própria estrutura arquitetônica da casa-grande do ciclo econômico do cacau ostentava permanência, comodidade, com sua variedade de janelas, seus quartos amplos, suas salas de jantar e de estar, seus móveis em estilo clássico e as redes armadas nas salas de jantar ou à sombra dos cacauais. Já o “ciclo da borracha” apresentou um panorama social bastante diverso. Sendo economia de transplantação, suas características eram as relações de desconfiança entre patrão e freguês, suas moradias ostentavam o aspecto da improvisação dos que não tomavam assento definitivo à terra. Nas palavras de Monteiro, a sociedade econômica do ciclo

[...] conduz os trabalhadores da ‘margem’ para o ‘centro’, da liberdade para a reclusão, isola-os, explora-os, escravíza-os ao regime da conta sem-fim, animalíza-os, brutalíza-os, inutilíza-os até para a satisfação sexual, instaurando um quadro de renúncia forçada aos acenos ambiciosos da vida, um estatuto de anacoretismo em que parece mais evidente o contexto da sabedoria popular: mente desocupada é oficina de satanás. A ausência da fêmea, nutrindo a preocupação dos machos famintos de associação e presença, é suprida pela imaginação sofredora e urgentiza a paródia, a busca de soluções desesperadas. Daí para os conflitos sangrentos é um passo.
Nasce o infernismo literário, produto da economia predatória e da paixão solitária. (6)

Monteiro aponta um tratamento superficial dado pela maioria dos escritores às obras do ciclo ao afirmar que tanto os antigos quanto os modernos deixaram de perceber o mundo do seringal por uma via verdadeiramente sociológica que penetrasse a sua engrenagem internamente e optaram pelo aspecto externo da tragédia fácil. (7) Para Monteiro, as características da economia de transplantação geraram as formas de abordagem que enfatizam a negatividade do meio, os comportamentos humanos aberrativos. 
A ficção em torno do ciclo explorou abundantemente imagens da solidão do seringueiro na selva, solidão que na maioria das vezes é o degredo do nordestino retirante, vivendo o estranhamento de uma ambiente que lhe é desconhecido e hostil. A relação inamistosa do seringueiro com os índios que habitavam as grandes extensões de terras dos seringais é também um tópico quase sempre abordado nas obras do ciclo. Via de regra, o indígena aparece como um ser sanguinário, ameaça ao trabalho do seringueiro, pavor que faz o dia-a-dia nas estradas de corte de seringa um perigo constante. Além desses tópicos que geralmente se apresentam nas obras do ciclo, ocorre a constância de alguns aspectos, muitas vezes estruturadores dos enredos, que se relacionam diretamente às características das relações de trabalho estabelecidas em função da extração do látex. O relacionamento do patrão seringalista com o seringueiro ou freguês motivou a maior parte das abordagens das obras. Os dados históricos que informam as condições nem sempre justas do vínculo de trabalho entre o patrão e o freguês serviram de corolário à criação dos ficcionistas, abrindo um caminho que foi percorrido diversas vezes. Passaremos a analisar, a seguir, a constância desses aspectos nas obras do “ciclo da borracha”.

A dicotomia explorador-explorado

Seringalistas e seringueiros são, na maioria dos romances da borracha, as personagens centralizadoras dos enredos ou, se considerarmos outro aspecto da narrativa, personagens sob as quais recai a focalização. (8) As demais figuras presentes nas atividades do seringal, entre elas gerentes, guarda-livros ou aquelas atreladas ao processo do ciclo, tais como aviadores, exportadores não têm presença de destaque na prosa do “ciclo da borracha”. Não se tem a visão do mundo do seringal senão através do seringalista que configura o explorador e do seringueiro, o explorado. 
A condição do seringalista como explorador da força de trabalho do seringueiro possibilitou a criação de um estereótipo do patrão truculento. O endosso dessa imagem veio das próprias relações de trabalho estabelecidas nos seringais. Ao criar o contrato de trabalho, o patrão seringalista submetia o freguês seringueiro a um regulamento que estabelecia mais vantagens ao patrão do que ao freguês. Além das perdas que o seringueiro tinha com a cobrança de um débito que se iniciava pelo preço de sua passagem ao seringal e acrescia-se com o preço das ferramentas de trabalho, também era obrigado a se submeter a uma ração alimentar que meramente o mantinha vivo para o trabalho. No romance A selva, a percepção do narrador põe-se frontalmente em oposição ao seringalista, esclarecendo a condição de servidão do seringueiro, vítima da má fé e da extorsão:

Aquele era sempre o ‘talão grande’ onde se juntavam as despesas da viagem e mais empréstimos, que prendiam por muitos anos ao seringal, em trabalho de pagamento, o sertanejo ingênuo.
Alberto viu-se com o seu na mão – setecentos e vinte mil réis parcelados por seis ou oito linhas – e depois, sobre o balcão, meia dúzias de coisas que lhe pareceram não valer um pataco. Atribuiu a engano a soma alarmante, mas o rabo do olho, atirado à nota do vizinho, descobriu nela uma quantia igual, repetida em quantos papéis se estendiam para Binda. (9)

Em Terra de ninguém, romance de Francisco Galvão, o narrador também demonstra aversão pela personagem do coronel seringalista. Identificando-se com os seringueiros, esse narrador critica o enriquecimento do seringalista, os privilégios que aufere às expensas do trabalho dos seringueiros. No contexto do romance, a possibilidade de saldo para os seringueiros é taxativamente negada:

A vida corria monótona para os quinhentos homens que amealhavam a fortuna do dono do seringal. Todos lutavam com o mesmo esforço, como polias impulsionando a mesma máquina. As estradas contribuíam, com o suor humano, para que ele possuísse na firma J. G. de Araújo, grandes reservas monetárias.
[...]
Mil braços se estorciam ajudando a engorda pacífica e mansa desse homem, na selva bárbara, onde a esperança de libertação desaparecia ao tempo em que aumentava o débito da conta corrente pela desapreciação do preço das gomas.
O que se atrevesse a falar em saldo, no desejo natural da volta ao nordeste, arriscava-se a desaparecer, para sempre, à curva de uma estrada, morto à tocaia mandada fazer pelo Antônio. (10)

Ainda que prepondere nas obras a desdita do seringueiro que vem para o seringal com o sonho de enriquecer e encontra apenas trabalho árduo, condições de sobrevivência precárias e risco de vida, há alguma referência a seringueiros enriquecidos com o trabalho de extração como nesta passagem do romance Dos ditos passados nos acercados do Cassianã:

[...] Deveras que muito seringueiro teve de sua sorte. Ganhou dinheiro a valer. Se não gastou nas safadezas na capital, voltou rico. José Francisco foi um dos agraciados. Com o saldão recebido, tornou ao Ceará. Montou comércio em Fortaleza, vive hoje de como que quer. Saber-se de outros, comprando fazenda de criação, engenho, grandes porções de terras no sertão. Uma dessas se dando, quando a borracha vai longe. De tirar saldo de não ter onde guardar [...] (11)

A História que, no aspecto geral, serve de base para as ficções  da borracha, registra que muitos seringueiros conseguiram enviar dinheiro para suas famílias no nordeste, (12) muito embora o quadro apresentado por Euclides da Cunha em seu livro À margem da história não demonstre uma avaliação otimista da possibilidade de o seringueiro enriquecer através do sistema escorchante do aviamento:

Admitamos agora uma série de condições favoráveis, que jamais concorrem; a) Que seja solteiro; b) Que chegue à barraca em maio, quando começa o corte; c) Que não adoeça e seja conduzido ao barracão, subordinado a uma despesa de 10$000 diários; d) Que nada compre além daqueles víveres – e que seja sóbrio, tenaz, incorruptível; um estóico firmemente lançado no caminho da fortuna arrostando uma penitência dolorosa e longa. Vamos além – admitamos que, malgrado a sua inexperiência, consiga tirar logo 350 quilos de borracha fina e 100 de sernambi; por ano, o que é difícil, ao menos no Purus.
Pois bem, ultimada a safra este tenaz, este estóico, este indivíduo raro ali, ainda deve. O patrão é, conforme o contrato mais geral, quem lhe diz o preço da fazenda e lhe escritura as contas. Os 350 quilos remunerados hoje a 5$000 rendem-lhe 1.750$000; os 100 de sernambi, a 2$500, 250$000. Total 2:000$000. 
É ainda devedor e raro deixa de o ser. No ano seguinte já é manso; conhece os segredos do serviço e pode tirar de 600 a 700 quilos. Mas considere-se que permaneceu inativo durante todo o período da enchente, de novembro a maio – sete meses em que a simples subsistência lhe acarreta um excesso superior ao duplo do que trouxe em víveres, ou seja, em números redondos, 1:500$000 – admitindo-se ainda que não precise renovar uma só peça de ferramenta ou de roupa e que não teve a mais passageira enfermidade. É evidente que, mesmo neste caso especialíssimo, raro é o seringueiro capaz de emancipar-se pela fortuna. (13)

  Em decorrência dos dados desabonadores sobre a conduta dos seringalistas apontados na pesquisa histórica e atestados pelos próprios regulamentos do trabalho no seringal, ganhou livre curso nas ficções da borracha a figura vilanesca deste agente econômico em função do qual o seringal se organizava. Não raro ele é pintado com cores fortes que lhe acentuam o caráter perverso, a exemplo dessa descrição no romance “Terra de ninguém”: “homem de poucas palavras, sibilino. Profundamente tacanho e mau, somente disfarçava a fisionomia moral e se (sic) avistava com algum lêmure político da cidade” (14).
Na obra No circo sem teto da Amazônia, o traço de vileza atinge o paroxismo por conta da caracterização grotesca que dá à personagem ares teatrais e pelas comparações grandiosas e a adjetivação abundante:

Jacinto Gazela é um desses repulsivos queirópteros que riem.
O seu estalão moral se baliza no limo pegajoso dos barreiros.
O seu ideal é irmão–siamês do amplexo mortificante do apuizeiro.
Alto, forte, espadaúdo, pela caraça insondável rastreiam estigmas variólicos. A dentuça patinada de sarro como o teclado adormecente de um piano antigo, é defendida aqui e ali pela cárie fagedênica do fumo.
Gazela é um vulto mórbido e rapace de Alighieri, que o tesourão metapsíquico de um gênio recortou de um capítulo da Divina Comédia, para grudá-lo depois, numa folha verde do álbum adolescente da Amazônia.
Todas as torpitudes, todas as macabras idealizações de um cérebro doentio, alienando rechãs e deturpando honras e riquezas, residem no âmago daquele bruto.
O seu seringal “Nova Vida” é um burgo medieval cheio de tiriricas e mucuins. É ele, com pompa e majestade, um senhor de baraço e cutelo.
O baraço que manieta o indefeso trabalhador, o cutelo que o estripa nas tentaculares escroquerias das contas e dos saldos.
Como as flores carnívoras é o seu sorriso. Desfiado em traquitanas de hipócritas oblatas, ele se seduz pelo aspecto sereno dos seus verticilos morais. Caída a presa na fascinação da oferenda inocente, fecha-se a corola na constrição putrívora. E o ser incauto e bom, parece estrangido e exânime, ao beijo inenarrável do monstro, cujos esgares semelham os instantes nauseosos da digestão dos reptis.
O seu olhar se alarga no telescópio ambicioso da conquista.
E lambe os escaninhos da Terra, arrastando na ânsia incontida, os pequenos trabalhadores e os humildes industriais. Seu coração é uma víscera metálica, obediente às imposições de um ritmo mecânico e rapace. Os gadanhos dos seus sentidos solertes farejam, no amplo cenário da natureza em festa, os vestígios de azinhave das cafurnas. O sol é de ouro. O rio é uma áurea corrente. Os vegetais só interessam ao amanhecer e ao sol-posto, quando a luz, em vertigem, nos últimos acenos da vida a se extinguir, distende as mãos actínicas para chapear de ouro a coma das samaúmas e o dorso floral dos acapus. (15)

Um exemplo que bem se adequa à descrição do tipo de seringalista perverso de No circo sem teto da Amazônia figura também num encaixe (16) contido no romance Um punhado de vidas em que um seringueiro com saldo decide partir do seringal e para tanto reivindica o valor que lhe é devido. Em resposta, o seringalista propõe-lhe que vá caçar veado antes de partir para não esquecer do seringal no qual trabalhou tantos anos. O seringueiro fica intrigado com a proposta e é informado por outra personagem que a caça se tratava de uma cilada armada para os seringueiros com saldo. Mesmo desistindo de cobrar o saldo e apenas manifestando o desejo de ir embora, o seringueiro é mais uma vez intimidado pelo patrão, que para lhe provar do que é capaz, mata um empregado em sua presença como se abatesse um bicho. (17)
As demonstrações da vileza do caráter do seringalista se configuram nos castigos que infringe aos seringueiros que desobedecem suas ordens diretas ou os preceitos do regulamento. No romance Coronel de barranco, o seringalista pune um seringueiro que desobedece a ordem de  não cultivar horta nem caçar ou pescar a fim de promover outra forma de sobrevivência além daquela obtida através dos aviamentos, pondo fogo na pequena plantação que esse seringueiro havia cultivado às escondidas nas horas que lhe sobravam do trabalho de extração e defumação do látex. (18) O romance Terra de ninguém, por outro lado, apresenta um seringueiro castigado com o aprisionamento no tronco por ter reclamado da qualidade do sabão que recebera no aviamento. (19).
Em Regime das águas, o instrumento descrito na prática de tortura é uma palmatória chamada “melindrosa”. A cena em que o seringalista é intimado a dar esclarecimento ao juiz sobre o objeto ressalta a empáfia daquele, cônscio de que é a lei em seus domínios:

[...] O juiz, moço novo ainda, com ares de muita importância, foi logo entrando no assunto, sem dar tempo a qualquer conversa. Queria saber que história era aquela de uma palmatória de dois quilos que, segundo denúncia recebida, costumava usar no seringal, judiando daquela pobre gente indefesa. Seria verdade tamanho absurdo?
- Mas foi aí que o homem da lei se enganou – dizia João Firmino, com sentido orgulho da coragem do patrão. – Então pensava ele que ia o homem amofinar, meter o rabo entre as pernas e arranjar uma desculpa qualquer para sair da encrenca? Nada disso! O patrão era cabra macho, homem de vergonha e de muita firmeza. E comentava com largo sorriso a resposta que, sem qualquer demora, dera o patrão à interpelação do magistrado:
- Dois quilos não, seu juiz! Quase três. Esse, com todo respeito à pessoa do Doutor Juiz, o peso da melindrosa. E digo mais, seu Doutor, ela só serve mesmo para corrigir cabra safado e mulher fuxiqueira. (20)

Desse modo, punições e castigos físicos são circunstâncias comuns na ficção sobre a borracha. Exercer algum tipo de violência sobre o seringueiro é uma forma de o seringalista expressar sua autoridade e fazer-se respeitado. Expressando esse poder sem limites estabelecido no seringal, o narrador do romance memorialista Arapixi comenta: “O patrão se faz respeitar e obedecer por sua menor ou maior perversidade, pela grandeza de seu coração, por sua autoridade moral, por sua bondade de alma, por seus sentimentos humanos, pela grandeza de seus gestos, ou pelo horror de sua ação sanguinária. É um homem que na planície varia na conformidade do ‘centro’ na vulgaridade dos hábitos, na conduta da freguesia, sem peias, sem escrúpulos, sem formalidades”. (21).
Dos instrumentos utilizados pelo seringalista como forma de punição, o tronco figura como o mais referido e o mais abominável tanto que leva o negro Tiago, personagem de A selva, a pôr fogo no barracão como ato de revolta contra o patrão que usara desse expediente de tortura contra os seringueiros que haviam tentado fugir do seringal. (22).
A utilização do tronco nos seringais estabelece uma curiosa relação dos hábitos do mundo do seringal como os da sociedade patriarcal escravista. Para Tocantins, ambos os contextos se assemelham, a começar pela economia baseada na monocultura, com a diferenciação de uma ser agrícola e a outra extrativa. O patriarca representado na figura do seringalista seria outro ponto de contato. Também o barracão do seringal, apesar de apresentar aspecto mais tosco, guardaria semelhança com as casas-grandes dos engenhos de açúcar do Nordeste. Sobre o ciclo da cana de açúcar e o da borracha, o autor pondera: “[...] Dessemelhantes em forma e grau, mas semelhantes na essência comum do patriarcalismo, a civilização da borracha aproveitou muitas das constantes culturais daquela, naturalmente adaptando-as às realidades do meio amazônico, num interessante experimento de assimilação”. (23).
Associam-se nas ficções da borracha o caráter perverso do seringalista e a sua ignorância a ponto de ser ele um tipo alienado do que ocorre no mundo, como o coronel Cipriano, do romance Coronel de barranco, que não acredita na possibilidade de haver concorrência da produção de borracha asiática com a amazônica até sofrer as conseqüências desastrosas da baixa de preço. Cipriano encarna a figura de um bronco enriquecido que, apesar de receber mercadorias finas nos aviamentos, desconhece a procedência e o valor delas. Desconhece também o contexto histórico local e mundial de sua época, julgando tolice se interessar por qualquer coisa que não seja produzir borracha em seu seringal. Menos caricata é a figura do seringalista de A selva, mas talhada pelo mesmo estigma de homem rude, conforme fica aduzido nessa passagem do romance em que ele manifesta inveja do guarda-livros por este possuir modos diferentes do seu, expressivos de polidez e educação:

Apenas aos sábados o jantar e as noitadas se animavam, mercê da presença de Binda, Caetano e Balbino. Corpos modelados no mesmo barro, veias dando curso ao mesmo sangue, Juca Tristão compreendia-os totalmente. Imperava sorridoso, e deixava-se adular. Podia beber em liberdade, dizer o que lhe aprouvesse, ser completamente ele, sem sentir a enervante noção duma vaga inferioridade, como lhe sucedia quando estava ao lado de Guerreiro. Passara a irritar-se, intimamente, com as falas mansas do guarda-livros e sua cortesia bondosa, pelo respeito que inoculavam. Sentira, pouco depois de voltar, que a simpatia dos seringueiros ia mais para o guarda-livros do que para ele; e essa verificação despeitava-o e exalava vastas suspeições. Quem sabia lá o que Guerreiro lhes havia insinuado! Também a ele seria fácil mostrar-se generoso e simpático, se administrasse fazenda alheia. De tudo quanto fosse mau se sacudia a chuva e só o bom se chamava a si; tratava-se com modos doces uns safados que não trabalhavam, vendia-se mais do que se devia vender, não se castigava o preguiçoso e desculpava-se o que não tinha desculpa nenhuma, porque quem perdia e quem pagava era o patrão, era o tolo, que já tinha idade para ter juízo! (24).

Esse trecho também é ilustrativo de que o seringalista justifica sua rudeza de caráter como algo inevitável no papel patronal que exerce. A mesma justificativa é dada em Regime das águas pela personagem de um fiscal de barracão: “[...] A lei, na selva, não podia ser outra que não aquela ditada pelo patrão. Só ele, a partir de seus propósitos e interesses sabia o que estava certo ou errado [...]”. (25).
Em virtude do constante decalque no perfil mau, grosseiro e injusto do seringalista, desponta nas ficções da borracha uma galeria de nomes que se tornam sempre destacados tão logo se enunciam os enredos: “Manuel Lobo”, de Terra de ninguém; Juca Tristão”, de A selva; “Jacinto Gazela, de No circo sem teto da Amazônia; “Cipriano”, de Coronel de barranco, Macário Gomes, de Dos ditos passados nos acercados do Cassianã, entre outros. Os nomes dos seringais, considerados feudos desses “coronéis” da borracha compõem uma curiosa toponímia para os conflitos que ali se dão: “Remanso”, “Paraíso”, “Vida Nova”, “Fé em Deus”.
As personagens dos seringueiros, por seu turno, não apresentam traços tão marcados quanto as dos seringalistas, são mais coletivas do que individuais. As personagens “Firmino”, de A selva,; “Zé Vicente”, de Terra de ninguém e “Joca”, de Coronel de barranco, típicos imigrantes nordestinos que poderiam realizar seringueiros protagonistas, são secundárias nas narrativas. Cabe destacar que nesses três romances, os protagonistas são homens que vêm para o seringal por aventura, como “Anatólio”, de Terra de ninguém, que tendo crescido num ambiente de abastança, decide conhecer “[...]a selva enorme, eriçada de mistérios, grávida de perigos, onde melhor aprenderia a conhecer os segredos da Vida”, (26) “Matias”, de Coronel de barranco, que após aventurar-se na Europa por trinta anos, decide “ruminar o ideal de viver isolado num pedaço de mata, compondo e escrevendo os versos que já planejara em silêncio” (27) e “Alberto”, de A selva, imigrante português que vai para o seringal quase acidentalmente, sem supor que o destino seria ser seringueiro.
Assim como a imagem do seringalista nas ficções da borracha parece fadada à vilania, a do seringueiro liga-se à sujeição. A sua condição de subjugado é ressaltada na descrição de homens tristes, cabisbaixos, apáticos. Freqüentemente, os seringueiros são comparados a escravos e as suas condições de recrutamento os põe, não raro, abaixo da condição humana: “Cinqüenta homens na proa. Seu Isidro vinha sempre à tardezinha ver como íamos passando. Contava-nos como se fôssemos animais [...]” (28)
Apesar de não ser a tônica das obras sobre o ciclo, (29) a revolta dos seringueiros é abordada em algumas obras. Entre elas, Beiradão, onde é narrada a vingança dos seringueiros contra o proprietário do seringal “Boa-Vida”, um patrão cujo caráter sórdido leva os fregueses a lhe retribuírem na mesma moeda:

Deu-se, então, a tragédia. Aguardaram a saída do motor que deixara mercadorias para o verão inteiro, cercaram armazéns e o barracão, pela madrugada. O coronel não podia reagir, pois os empregados haviam retirado as armas, durante a noite.
Amarraram-no primeiramente, amarram a mulher, a cozinheira, as três filhas menores. Cevaram-se nas quatro, banquetearam-se em frente das vítimas todas despidas, cunhatãs foram pisoteadas, após o geral [...] (30)

As sevícias sexuais são também a forma de vingança dos seringueiros no romance Terra firme, que obrigam o empregado a violentar o patrão seringalista. Nesse romance, o mundo do seringal não absorve a narrativa integralmente, mas o encaixe contido no segundo capítulo, constituindo a história do seringueiro nordestino Creto, narrada por ele próprio, abrange sua vinda para o seringal, o abandono da estrada de corte de seringueiras e a formação de um grupo de seringueiros e caucheiros do qual passa a ser o chefe. Suas andanças com esse grupo de homens pela mata lembram as de um chefe de cangaço. Ao final dessa narrativa, a vingança contra o coronel seringalista é, como nos outros casos, violenta. (31)
O motivo que enseja o conto “Judas-Asvero” é igualmente uma revolta dos seringueiros, porém não tem como alvo o seringalista. Nesse conto, os seringueiros voltam-se contra si mesmos, construindo no sábado de aleluia um Judas a sua própria imagem para depois destruí-lo. Tal qual ocorre em outras obras, os seringueiros são vistos como seres martirizados, com “[...] existência imóvel, feita de idênticos dias de penúria, os meios- jejuns permanentes, de tristezas e de pesares, que lhes parecem uma interminável Sexta-feira da Paixão, a estirar-se, angustiosamente, indefinida pelo ano todo afora.” (32) Apesar disso, não se revoltam ante o desamparo por deus: “[...] não se rebelam, ou blasfemam. O seringueiro rude, ao revés do italiano artista, não abusa da bondade de seu deus desmandando-se em convícios. É mais forte; é mais digno. Resignou-se à desdita [...]. (33)  Sem representar uma indignação direta contra o seringalista, o conto detém-se em uma revolta interiorizada, em uma autopunição: “[...] só lhe é lícito punir-se da ambição maldita que o conduziu àqueles lugares para entregá-lo, maniatado e escravo, aos traficantes impunes que o iludem – e este pecado é o seu próprio castigo, transmudando-lhe a vida numa interminável penitência [...]”. (34) Ao mesmo tempo em que o Judas representa o sofrimento do seringueiro, acarretando piedade por sua condição, é também uma figura que desperta medo: “[...] À medida que avança, o espantalho errante vai espalhando em roda a desolação e o terror: as aves retransidas de medo, acolhem-se, mudas, ao recesso das frondes; os pesados anfíbios mergulham, cautos, nas profunduras, espavoridos por aquela sombra que ao cair das tardes e ao subir das manhãs se desata estirando-se, lutuosamente, pela superfície do rio; os homens correm às armas e numa fúria recortada de espantos, fazendo o ‘pelo sinal’ e aperrando os gatilhos, alvejam-no desapiedadamente.” (35) A imagem final do conto, os Judas–espantalhos que vão descendo o rio, juntando-se num festival fantasmagórico, metaforiza a condição dos seringueiros recrutados, embarcados e despejados ao longo dos rios onde se instalam os seringais:

E vai descendo, descendo... Por fim não segue mais isolado. Aliam-se-lhe na estrada dolorosa outros sócios de infortúnio; outros aleijões apavorantes sobre as mesmas jangadas diminutas entregues ao acaso das correntes, surgindo de todos os lados, vários no aspeito e nos gestos: ora muito rijos, amarrados aos postes que os sustentam; ora em desengonços, desequilibrando-se aos menores balanços, atrapalhadamente, como ébrios; ou fatídicos, braços alçados, ameaçadores, amaldiçoando; outros humílimos, acurvados num acabrunhamento profundo; e por vezes, mais deploráveis, os que se divisam à ponta de uma corda amarrada no extremo do mastro esguio e recurvo, a balouçarem, enforcados... (36) 
  
 

A escassez e a ausência do ser feminino no seringal

O segundo aspecto que aparece com maior freqüência nas ficções da borracha é a escassez ou mesmo ausência da mulher no ambiente do seringal. (37) Sobre o desdobramento que o problema da escassez da mulher teve e poderia ter na ficção, Benchimol observa:

A grande angústia do tapiri era a solidão. E solidão é falta de mulher e amor. Isso até já se tornou tema comum e obrigatório em todo romance sobre a Amazônia. O seringueiro daqueles tempos, e ainda hoje, com intensidade já muito diminuída pela imigração do elemento feminino que passou a acompanhar o homem, ou era um homossexual ou um onanista. Há ainda análise minuciosa a ser feita entre o sexo e a seringa, entre a mulher, o tapiri e a ‘urbs’. Talvez resida numa bem estudada psicanálise da seringa, as origens daquelas alucinações dos ‘aureos tempos da borracha’[...]. (38)

A escassez da mulher no seringal possibilita aos ficcionistas enfoques em permutas, violências sexuais contra mulheres de idade avançada ou meninas impúberes e ainda violência contra os companheiros de mulheres que são atacados e mortos por outros seringueiros desejosos de as possuírem. A ausência da mulher possibilita enfocar a prática do bestialismo, através do qual o seringueiro procura satisfazer o instinto sexual com fêmeas animais, entre elas a fêmea do boto e a égua. 
A transferência da mulher de um seringueiro devedor para outro seringueiro é assunto do conto “Maiby”, contido no livro Inferno verde, de Alberto Rangel. Ao se iniciar o conto, o narrador esclarece que o pagamento de dívida tendo como objeto de quitação a mulher era negócio como outro qualquer no seringal: “[...] O Sabino devia ao patrão sete contos e duzentos, que a tanto montava a addição das parcellas de dividas de quatro annos atraz, e cedia a mulher a um outro freguez do seringal, o Sérgio, que por sua vez assumia a responsabilidade de saldar essa divida. O mais comum dos arranjos commerciaes, essa transferencia de debito, com o assentimento do credor, por saldo de contas”. (39)
O conto demonstra que uma mulher pode se tornar dispendiosa para um seringueiro. Sabino, a personagem que dá a mulher em pagamento da dívida, o faz porque apesar de querê-la em sua companhia para amenizar a solidão, tem a dívida em muito aumentada depois de se unir a ela. Uma vez que a dívida inviabiliza a sua liberdade, ele opta por se desfazer da mulher. “Maiby” atesta que no mundo do seringal, onde negociar mercadorias tem importância vital, a mulher torna-se também mercadoria. Quando não ocorre uma troca como a que é narrada no conto, a mulher é encomendada entre os itens dos aviamentos. (40)
O desfecho dado ao conto possibilita estabelecer a relação entre a mulher e a seringueira, uma vez que Maiby, a cabocla de propriedade do seringueiro Sabino e depois transferida ao seringueiro Sérgio, é unida à árvore num amplexo mortal. Sabino negocia a troca da mulher pelo débito, mas não consegue se resignar com a negociação e impulsionado pelo descontrole mental de não superar a perda da mulher, sacrifica-a, amarrando-a à árvore  e extraindo seu sangue que é aparado em tigelinhas, tal como se apara o leite da seringueira. No conto, os significados da mulher e da seringueira para o seringueiro aproximam-se em vários pontos. Como a seringueira, a mulher não pertence ao seringueiro, é um bem do qual só pode usufruir quem sobre ele adquire direito. Maiby passa a ser propriedade de Sérgio porque ele possui condições de tê-la. A seringueira, por sua vez, pertence ao patrão que domina os meios de produção do seringal. Sabino tem a ilusão de que a seringueira lhe pertence porque é o extrator de sua riqueza, assim como ilude-se que a mulher lhe pertence quando de fato ela pertence a quem pode pagar por ela. As posses mal realizadas da seringueira e da mulher só podem ser compensadas com as mortes de ambas. Cortar a seringueira para extrair seu leite é uma forma de matá-la, sangrar a mulher até que se esvaia todo o seu sangue, também. A cena final expõe os dois seres mais explorados do seringal e é extensiva, como faz notar o narrador, do processo predatório da natureza como um todo:

O martyrio de Maiby, com a sua vida a escoar-se nas tigelinhas do seringueiro, seria ainda assim bem menor que o do Amazonas, offerecendo-se em pasto de uma industria que o exgota. A vingança do seringueiro, com intenção diversa, esculpira a imagem imponente e flagrante de sua sacrificadora exploração. Havia uma aureola de obração n’esse cadaver, que dir-se-ia representar, em miniatura, um crime maior, não commetido pelo Amor, n’um coração desvairado, mas pela Ambição collectiva de milhares d’almas, endoudecidas na cobiça universal. (41)

O romance Coronel de barranco também apresenta um caso de negociação da mulher, sendo que, desta vez, ela é uma mercadoria trazida pelo regatão. Este é um dos poucos romances da borracha em que o seringalista é solteiro e  leva a vida a divertir-se com prostitutas estrangeiras nas viagens que faz a Manaus. As obras, em geral, apresentam seringalistas casados que aproveitam as viagens para aventuras extraconjugais. Cipriano, a personagem do seringalista, em Coronel de barranco, permanece sem mulher no barracão, até que recebe do regatão uma mercadoria que lhe custa um punhado de notas de quinhentos réis. A chegada dessa mercadoria é assim descrita pela personagem Matias: “[...] de braço dado com Cipriano vi a ‘encomenda’ chegando ao barracão, com chapéu de plumas, deixando pelo caminho forte odor de perfume francês, falando com um sotaque que me deu a impressão de ser eslavo”. (42)
A chegada da mulher, para o seringalista, causa impacto, uma vez que no seu seringal a presença de mulheres é proibida pelo regulamento: “[...] a seringueirada toda a ‘imaginava’. À sua maneira, é claro. Com a imaginação superaquecida pela influência da prolongada abstinência carnal, que ia aos poucos temperando a realidade. Transformando a velha meretriz aposentada num verdadeiro mito. Quase uma deusa, inspiradora de sonhos lascivos e de excessos masturbatórios que confessavam sem a menor cerimônia”. (43) O privilégio da mulher que a personagem do seringalista pode auferir não fica sem castigo no romance, pois mesmo possibilitando luxo e conforto à prostituta negociada pelo regatão, tornando-a a ‘senhora’ do seringal, Cipriano é traído por ela e por seu empregado de confiança, que fogem juntos. A mulher mais uma vez acarreta um desfecho trágico na ficção da borracha: a personagem do seringalista vinga-se da traição com um duplo assassinato; é presa, condenada e ainda sofre a ruína econômica em virtude da baixa de preço da borracha.
Dentre as obras referidas nesse capítulo, Deserdados é aquela que mais se concentra no aspecto da escassez e ausência da mulher no ambiente do seringal. Nos seus quinze capítulos, o livro aborda várias circunstâncias reveladoras tanto dos conflitos causados pela presença limitada da mulher quanto das alternativas extremas de que lançam mão os seringueiros para verem seu instinto sexual saciado. O episódio da disputa de uma mulher por dois seringueiros marca um dos momentos mais violentos da narrativa. Sugerindo precisamente que o ser feminino é disputado como uma presa, esse capítulo da luta feroz entre os seringueiros intitula-se “Caça á femea”. Como a luta não tem vencedor, ficando os dois contendores mortos, a mulher é abandonada à sorte e ensandece pela perda do companheiro e pela perda do que haviam construído juntos, a barraca incendiada durante a luta. A disputa pela mulher, entretanto, não termina com a cena sangrenta entre os dois seringueiros. Apesar de ela ter um idade avançada e ter perdido a lucidez, os seringueiros ainda a vêem como um possível usufruto: 

Outro seringueiro famelico chamou de lado o patrão e em segredo lhe propôz a posse da virago imbecilizada, sob a recompensa de pagar-lhe a elle as dividas por ventura contraídas “por ambos” os freguezes assassinados. Mas quando em sua companhía, chegou ao local trajico, já outro lascivo havía tirado partído da irrezistencia da idiota e a conduzíra alhures, pelo labirinto da mata com o rafeiro, para uma outra cena horripilante que a contijencia do viver alí sujería e punha em pratica: a conjugação nojenta de uma carcaça repulsíva de mais de meio século de uzo com a seivoza compleição de um mancedo de vínte e poucos anos nos estertores morbidos da brutalidade antropoidesca da posse, sob a ramaría umbrosa, num leito de folhas e de líchens...
Ordenado pelo patrão sequiozo do saldo do melhor licitante, ía começar a emocionante caça á femea cretína, que outro famulento levava para a solitude florestal, á satisfação infrene dos instintos, á violência brutal da satiríaze... (44)

O seringueiro, sentindo-se lesado por ter negociado uma “mercadoria” que lhe foi roubada antes da posse, cobra do patrão a entrega. O diálogo é expressivo da condição de objeto da mulher:

- Pensa Você que eu devia pegar a mulher e botal-a em sua rêde, ou apenas consentir em V. leval-a em paz para a sua barraca? Quando V. vem aquí comprar-me um paneiro de farinha, não faço eu apenas abrír  a porta do armazem para deixar que V.  o tíre? Algum dia eu lhe metí nas mãos a saca de sal ou o cunhete de balas, ou foi você que os foi escolher no depozito ?
E completou, sereno, com sua lojica:
- O cazo é idêntico. Eu apenas lhe dei o direito de levar a mulher e a V. cabia ir buscal-a, tal como a um paneiro de farinha do armazém...
- Entonce o patrão me amostre o almazem ín quí a sua ‘mercadoría’ stá. P’lo menos eu tenho quí vê sí a coiza istá bôa, num é? (45)

A necessidade de possuir uma mulher em qualquer condição, demonstrada no episódio de Deserdados, é ressaltada também em outra obra do ciclo, No circo sem teto da Amazônia: “Só a mulher é rara. Só a mulher é difícil e por isso, linda ou horrenda, quente ou anestesiada, voluptuosa ou fria, limpa ou nauseabunda, é ela a bússola que orienta a horda dos exploradores da jângala.” (46).
  Constituindo aberrações, na maioria das vezes, essa relação difícil do seringueiro com a mulher tem no extremo oposto da mulher velha, a menina em idade precoce para o sexo que é possuída através do estupro ou do aliciamento. Obras como Deserdados, Dos ditos passados nos acercados do Cassianã e Beiradão contêm passagens representativas dessa situação. Na última, a descrição do amasiamento de um seringueiro com três meninas demonstra que a escassez se transforma em excesso: “José Arruda, lá do alto, desgraçou três pobrezinhas – uma de 9, a segunda de 10, outra de 12 anos. Viviam juntinhos, na mesma barraca. O delegado meteu a peia no bruto, botou no tronco e conversou com as cunhãs. Pois todas defenderam José Arruda, que lhes dava bóia e roupa. Pareciam cobrinhas assanhadas.” (47).
Enquanto algumas narrativas apenas sugerem, num “causo” ou noutro contado pelos seringueiros, o bestialismo como a forma de superar a ausência da mulher, Deserdados ostenta num capítulo intitulado “Aos azares da sorte” uma descrição da prática de sexo com animal. Na vida do seringal, essa prática não se torna exclusiva de seringueiros, mas também de outros homens envolvidos nas diversas atividades paralelas à extração, que também compartilham do regime recluso. Mateus, um comboieiro, é a personagem protagonizadora do capítulo de Deserdados que se sente obrigada a se satisfazer sexualmente com fêmeas não humanas. Pressionado pela falta de mulher, ele passa a observar libidinosamente as fêmeas dos bichos e a desejá-las:

De uma feita surpreendera os amores danozamente lubricos de duas onças e escitara-se ao estremo de alvejar a femea para tel-a na posse, numa impropria substituição do felíno; de outra uzara uma anta abatida, em espasmos baixíssimos de necrofilo ultra-degenerado. Os macacos que se amavam em digressões pela ramaría, ou os jabotís  que se faziam dos mais tonantes genezístas do orbe biolojico, levaram-no aos paroxísmos da sedução sexual: e como lhe faltasse humana companheira, Mateus vía–se na continjencia ingrata de tomar uma inferior das garras do macho, á bala, ou de uzal-a ao limiar da morte com a veemencia dejenerativa dos enfuriados. (48)

O comboieiro encontra na mula “Faceira” a satisfação do desejo que o punha em constante inquietude, mas após servir-se da mula com constância, nota que ela se habituara a esperá-lo sempre no mesmo lugar e a indicar com gestos característicos o desejo de que ele consumasse a ação. Essa atitude do animal passa a enojá-lo e ele se dá conta de que tornara-se “[...] apenas um sordido instrumento para alimarías insatisfeitas..” (49) Da repulsa, ele passa ao ódio e executa uma vingança sádica contra a mula:

A “Faceira” fez-lhe de pezadelo-mór. E ele , por vingança, certo dia deparando na estrada um pedaço de muiratínga, desse arbusto singular cujos ramos, em secando, se bipartem em cem numero de falus, perfeitos com a morfolojía masculina, meteu um deles sob o braço e esperou sofrego, a parada da Faceira no ponto costumeiro. Era mais uma baixeza de sua psiquoze. Ensebou o troço imitativo. Esse admirável cazo de simbioze vegetal, e incrustou com bruteza na estrutura antes uzada com delícia...(50). 

No livro de contos O tocador de charamela, o aspecto da ausência da mulher faz-se mais uma vez presente através da  tríade  “Três histórias da terra”. Os contos deixam de lado o aspecto grotesco explorado em Os deserdados e enfocam a solidão do homem no seringal de uma forma pungente em “Tio Antunes”, o velho que espera indefinidamente a chegada de uma mulher e finda por enlouquecer. Por outro lado, há também uma abordagem bem humorada em “Zeca-Dama”, um seringueiro que ameniza a ausência de mulheres nas festas, dançando com outros seringueiros e em “João Carioca: mandão e famão – Juiz de Paz”, o seringalista que resolve o problema da falta de mulheres em seus seringais, trazendo prostitutas do Ceará e casando-as com seus seringueiros. (51)
Se, por um lado, a ênfase dada pela ficção nos comportamentos sexuais aberrativos tem como principal motivo a solidão dos seringueiros e de outros trabalhadores do seringal, solidão que os leva, segundo a narrativa de Adaucto Fernandes, em Arapixi, a se animalizarem: “[...] São homens que não vivem. Vegetam segregados da sociedade que os brutaliza e explora. São sêres humanos no aspecto e alimárias estranhas na mata [...] ,(52) algumas obras demonstram também que os desregramentos sexuais não são exclusivos dos seringueiros que não têm contato com mulheres e que vivem isolados na mata. Nessas obras, os coronéis seringalistas, mesmo casados e podendo também se afastar dos seringais para se divertirem com prostitutas nas capitais, cometem violações contra enteadas e sobrinhas. Diferentemente do castigo sofrido pelo seringueiro amasiado com três meninas, apresentado em Beiradão, esses seringalistas não sofrem qualquer punição ou advertência da justiça e continuam a exercer autoridade para determinar a conduta correta de seus subordinados.
Na constância da abordagem do ser feminino como coisa rara, escassa ou inexistente no seringal, resulta um apagamento, na maioria das obras do ciclo, da personagem feminina enquanto realizadora de uma ação ficcional efetiva. As personagens femininas não possuem individualidade nas narrativas, não têm pensamento ou atos descritos que lhes possam dar um caráter próprio. Aparecem como mercadoria, como objeto de disputa tal como a cabocla Maiby, do conto homônimo, ou a prostituta Conchita, de Coronel de barranco. Quando esposas de seringalistas, recebem atenção na narrativa em virtude do desejo que despertam nos homens premidos pelo clamor sexual, como a personagem-esposa do guarda-livros, de A selva, cobiçada pela personagem Alberto nos momentos de volúpia causados pela abstinência prolongada.
A exceção à falta de delineamento da personagem feminina faz-se em Terra de ninguém, em que a personagem Nadesca, filha do seringalista, constitui o oposto das personagens das demais narrativas, mostrando-se voluntariosa e dona de suas ações. Para delinear essa personagem que possui independência, o narrador comenta que ela falou-lhe “[...] do desejo que alimentava de viver livre, como as águas, barulhentas da corredeira; como os pássaros alígeros que voavam lá em cima; como as corças selvagens que não encontravam limites nem perspectivas marcadas”. (53)  Nadesca não apenas tem voz, contesta o sistema de trabalho do seringal do pai e a truculência das ações deste, como participa, no final do romance, da revolta dos seringueiros. De ares revolucionários a ponto de se tornar uma caricatura, essa personagem é uma das responsáveis pela acusação que se faz a Francisco Galvão de criar um romance com situações e personagens inverossímeis. (54).

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NOTAS
1)  Esse romance foi publicado posteriormente (1934) com o título de Terra de Icamiaba.
2)  José Maria FERREIRA DE CASTRO, A selva,  p. 117.
3)  José Maria FERREIRA DE CASTRO, A selva,  p. 138-9.
4)  Cláudio de Araújo LIMA, Coronel de barranco, p. 311-315.
5) Mário Ypiranga MONTEIRO, Fatos da literatura amazonense, p. 297.
6)  Mário Ypiranga MONTEIRO, Fatos da literatura amazonense,  p. 41.
7) Ibid.,  p. 47.
8)  De acordo com Carlos Reis e Ana C.M. Lopes, a “focalização pode ser definida como a representação da informação diegética que se encontra ao alcance de um determinado campo de consciência, quer seja o de uma personagem da história, quer o do narrador heterodiegético, conseqüentemente, a focalização além de condicionar a quantidade de informação veiculada (eventos, personagens, espaços etc) atinge a sua qualidade, por traduzir uma certa posição afetiva, ideológica, moral e ética em relação a essa informação [...]” (Dicionário de teoria da narrativa, p. 246).
9)  José Maria FERREIRA DE CASTRO, A selva,  p. 101.
10)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém,  p. 89.
11)  JACOB, Paulo Herban Maciell, Dos ditos passados nos acercados do Cassianã, p. 37-8
12)  Segundo pesquisa de Rodolfo Teófilo, até 1910, os nordestinos (seringalistas e seringueiros) enviaram cerca de 30.000 contos de réis para suas famílias. O nordestino que voltava para sua terra enriquecido era chamado paroara Cf. Samuel BENCHIMOL, Amazônia: formação social e cultural,  p. 145.
13)  Euclides da CUNHA, Amazônia: um paraíso perdido, p. 52-3.
14)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém,  p. 83.
15)  Ramayana de CHEVALIER, No circo sem teto da Amazônia,  p. 69-70.
16)  Em teoria da narrativa, dá-se o nome de encaixe a uma seqüência inserida no interior da narrativa principal, compondo uma unidade autônoma, mas não independente, uma vez que guarda relação temática com essa. (Cf. Carlos REIS e Ana M. LOPES, Dicionário de teoria da narrativa, p. 156).
17)  Aristófanes CASTRO, Um punhado de vidas: romance do “soldado da borracha”, p. 72-4.
18)  Cláudio Araújo LIMA, Coronel de barranco, p. 243-247.
19)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 84.
20)  Francisco VASCONCELOS, Regime das águas, p. 24-5.
21)  Adaucto de Alencar FERNANDES, Arapixi: cenas da vida amazônica, p. 229.
22)  José Maria FERREIRA DE CASTRO, A selva, p. 304-305.
23)  Leandro TOCANTINS, Formação histórica do Acre, v. 1, p. 156.
24)  José Maria FERREIRA DE CASTRO, A Selva, p. 272.
25)  Francisco VASCONCELOS, Regime das águas, p. 28.
26)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 59.
27)  Cláudio de Araújo LIMA, Coronel de barranco, p. 94.
28)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 66.
29)  Dos romances amazônicos sobre o ciclo, Terra encharcada, do escritor paraense Jarbas Passarinho, é o único a transformar a revolta dos seringueiros na trama central da história.
30)  Álvaro MAIA, Beiradão, p. 120.
31)  Antísthenes PINTO, Terra firme, p. 17-47.
32)  Euclides da CUNHA, Amazônia: um paraíso perdido,  p. 117-118.
33)  Amazônia: um paraíso perdido, p. 118-119.
34)  Ibid., p. 119.
35) Ibid., p. 124.
36)  Ibid., p. 125.
37)  No caso de algumas narrativas, esse aspecto chega a ser central. Não obstante, a escassez e a ausência da mulher no seringal são abordadas na maioria das obras referentes ao ciclo. É necessário ressaltar que o aspecto abordado anteriormente – a dicotomia explorador–explorado – está relacionado ao problema da ausência da mulher à medida que é em razão da forma de exploração estabelecida pelos patrões, através dos regulamentos, que a presença da mulher é proibida ou limitada. Ou seja, a ganância do patrão impede a constituição da família a fim de que o freguês, vivendo exclusivamente para a extração do látex, possa produzir mais. 
38)  Samuel BENCHIMOL, Romanceiro da batalha da borracha, p. 53.

39)  Alberto RANGEL, “Maybi”  In: Inferno verde, p. 244-5.
40)  Segundo Arthur Cézar F. Reis, os seringueiros encomendavam mulheres aos patrões da mesma forma que encomendavam gêneros alimentícios, utensílios e roupas. Essas ‘encomendas’ entravam na contabilidade feita pelo guarda-livros como as outras mercadorias (O seringal e o seringueiro, p. 241). Márcio Souza critica a mentalidade utilitarista em relação à mulher nos seringais, notando que ela passa a figurar como item precioso na lista de mercadorias. O tratamento da mulher como mercadoria é para o autor tão aberrante quanto o sistema de exploração do trabalho do seringueiro (Breve história da Amazônia, p. 139).
41)  Alberto RANGEL, “Maybi” In: Inferno verde, p. 266.
42)  Cláudio de Araújo LIMA, Coronel de barranco,  p. 255.
43)  Ibid., p. 257.
44)  Carlos de VASCONCELOS, Deserdados, p. 180.
45)  Ibid., p. 199-200.
46)  Ramayana de CHEVALIER, No circo sem teto da Amazônia., p. 75.
47)  Álvaro MAIA, Beiradão, p. 256.
48)  Carlos de VASCONCELOS, Deserdados,  p. 147-8.
49)  Carlos de VASCONCELOS, Deserdados, p. 154.
50)  Ibid., p. 155.
51)  Erasmo LINHARES, O tocador de charamela, p. 95-110.
52)  Adaucto de Alencar FERNANDES, Arapixi: cenas da vida amazônica,  p. 60.
53)  Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 153.
54)  Márcio Souza aponta inverossimilhança no romance por este implantar ideais libertários em personagens elitizadas (A expressão amazonense: do colonialismo ao neo-colonialismo,  p. 224).