Muitos comportamentos se fixam por motivos aleatórios, sem relação com seu objetivo.  Uma combinação casual de circunstâncias parece exigir que eles ocorram de uma maneira específica e não de outra.  Ninguém se dá o trabalho de questionar esse fato, e com isto cria-se um ritual desnecessário, uma tradição com raízes no ar.  Já referi aqui alguns procedimentos da ciência antiga que se mantinham em uso mesmo depois de desaparecidas, há muito, as circunstâncias que lhes deram origem (em “Os rituais da ciência”, 16.12.2006).


Num artigo recente na revista “Edge”, diz Richard Thaler: “Na primeira vez em que andei no metrô de Paris, recebi um daqueles tickets que a gente enfia na ranhura e eles saem do lado oposto.  O bilhete tinha uma fita magnética de um lado, e coisas escritas do outro.  Eu não sabia em que posição colocá-lo; coloquei com a parte magnética para cima, e funcionou.  Passei os 25 anos seguintes repetindo este procedimento com todo cuidado.  Tempos depois eu estava passeando em Paris com amigos e fui ensinar-lhes como colocar o bilhete.  Minha mulher começou a rir e disse: ‘Não faz diferença de que jeito você coloque, ele funciona de ambas as formas’”.


O episódio me pareceu engraçado porque foi exatamente o que aconteceu comigo no metrô do Rio (embora meu equívoco parcial tenha durado apenas um ou dois meses até que me alertassem).  Mas Thaler vai mais adiante e compara esse procedimento do metrô (que aceita o bilhete em qualquer posição) com o que ocorre nos estacionamentos de Chicago. O motorista, ao sair, precisa enfiar seu cartão de crédito numa ranhura para pagar.  Há quatro posições possíveis: para cima, para baixo, do lado esquerdo e do lado direito.  Somente uma única combinação entre essas posições funciona.  Há um painel com instruções, mas elas também não são muito claras, e o resultado é que sempre se forma uma fila enorme atrás de um pobre coitado que não consegue acertar com a maneira correta de inserir o cartão.


Para piorar as coisas, quando o cartão é colocado da maneira errada o mecanismo simplesmente o devolve, mas sem dizer qual foi o erro.  O motorista não sabe se foi a posição, ou se aquela marca de cartão que não é aceita, ou se é seu cartão que está com algum problema...  Tenta de novo, erra de novo.  Pensa um pouco; tenta outra coisa; erra; e a fila de carros atrás dele vai aumentando. Thaler comenta que na garagem do teatro da Sinfônica de Chicago eles designam um funcionário para ficar do lado da máquina e colocar os cartões na posição correta.  E conclui: “É óbvio que seria possível construir uma máquina que, como a do metrô de Paris, lesse o cartão em qualquer posição.  Seria um pouco mais cara, mas não seria necessário pagar um funcionário para ensinar as pessoas como colocar o cartão na posição certa”.  São duas tendências da tecnologia: adaptar a máquina ao usuário, ou o usuário à máquina.  Fico pensando qual das duas terá se firmado daqui a cinquenta anos.